Direito e desenvolvimento: diário de um jurista urbano, de Carlos Ragazzo - professor da FGV Direito Rio, faz parte da Coleção FGV de Bolso, série Direito & Sociedade.
O livro analisa novas tendências de diversos mercados e escolhas regulatórias recentes. Os assuntos são tratados sem o formalismo acadêmico, facilitando a compreensão geral e destacando a importância que boas instituições têm para o desenvolvimento do Brasil.
Por meio de uma linguagem direta e concisa, o autor aborda os mais variados temas de direito e desenvolvimento e pretende democratizar o conhecimento técnico.
É formado por uma coletânea de posts que tratam de questões regulatórias ou concorrenciais de forma simplificada e aplicada às questões cotidianas da sociedade, como as mudanças no setor de transporte aéreo, desde a política de milhas às concessões dos grandes aeroportos brasileiros para a iniciativa privada; a regulação dos planos de saúde; as propostas legislativas sobre a prevenção da obesidade e a política da meia-entrada.
Questões sobre a cidade, transporte urbano e trânsito, as medidas regulatórias para resolver os problemas relacionados e a relação entre precificação de imóveis, congestionamentos e processos de revitalização urbana, também são abordadas neste diário, que reúne textos originalmente publicados como posts no blog do autor, Direito e Desenvolvimento da revista Exame.
Confira a introdução da obra:
Ao longo da massificação do mundo online, cheguei a ouvir que a internet iria efetivamente destruir a imprensa tal como a conhecemos. Os jornais tradicionais em papel não existiriam mais (seriam aniquilados por edições virtuais de sites individuais, sem vínculo com grupos de mídia). A própria profissão de jornalista estaria sob perigo, substituída por blogueiros, que seriam capazes de veicular uma quantidade maciça de informação já se adaptando a um mundo que precisa de imagens e textos curtos, atualizados com muita frequência, fidelizando o leitor, que retorna recorridas vezes.
Os jornais apanharam bastante, mas vários sobreviveram. E, por incrível que pareça, o mundo virtual não dizimou o papel. Na verdade, agregou. Depois de muitos anos de redução de volumes impressos, alguns países já enxergam um novo aumento de tiragem em papel. Embora alguns vejam isso como um movimento vintage, parecido com a volta do vinil no mercado de discos, acredito que houve sim uma enorme transformação no mercado de notícias, mas que a imprensa, tal como ela é, não irá morrer nos próximos anos. Não por conta da internet. Ela se transformou e oferece mais opções.
Dois pontos são importantes. Primeiro, o grau de especialização. Tradicionalmente, os jornais eram mais gerais, com diversos cadernos (política, economia, mundo, entretenimento etc.), exceção feita aos jornais com maior foco em economia e finanças. Hoje, o mundo online conseguiu identificar demandas mais diversificadas por informações, gerando a criação de empresas que veiculam notícias que interessam a grupos menores com objetivos comerciais. E, além disso, a velocidade das informações também se alterou, com o uso, por exemplo, de broadcasts, em que as notícias são distribuídas praticamente minuto a minuto (quase como se acompanhando um evento esportivo, reportando o resultado lance a lance, com dados precisos sobre o evento).
E onde os blogs se inserem nesse contexto? Acho que a resposta varia de blogueiro para blogueiro (esse nome, aliás, já virou profissão). Serão os blogueiros uma versão mais contemporânea ou mais despojada do tradicional colunista que trabalha em grandes jornais? Difícil definir. Um blogueiro não necessariamente é um especialista no assunto que escreve. Mas pode ser. E não precisa ser famoso, embora, claro, também possa ser. E, acima de tudo, não precisa ser jornalista (mas, como se sabe, jornalistas também mantêm blogs; no mais das vezes esses são os blogs mais lidos, mais influentes e exitosos). Mas, a meu ver, o blog é uma vontade de escrever, às vezes compromissada, às vezes meramente cotidiana, sobre assuntos que chamam a atenção do autor. Cada blog, no entanto, tem sua história. No meu caso, o blog foi um enorme processo de descobrimento dos assuntos que chamavam a minha atenção. Na verdade, foi um verdadeiro instrumento de identificação de temas para refletir ou mesmo pesquisar, sendo parte bem importante do meu trabalho como professor da FGV DIREITO RIO.
O desafio inicial foi o de delimitar uma temática mais definida (já que blogs com assuntos variados demoram a emplacar), o que até hoje ainda não consegui. E, por isso, os primeiros posts eram relacionados a assuntos mais próximos ao meu mundo profissional, tratando de questões regulatórias ou concorrenciais. Nesses posts, o leitor vai encontrar uma tentativa de explicar, de forma simplificada, questões complexas, informando, sem viés (na medida do possível), as opções que existem para intervir em determinado setor e quais os objetivos pretendidos por legislações novas e velhas.
Nessa direção, existem vários posts tratando de mudanças no setor de transporte aéreo, procurando esclarecer dúvidas sobre os mais variados assuntos, da política de milhas às concessões dos grandes aeroportos brasileiros para a iniciativa privada, explicando como essa medida se relaciona ou não com o bem-estar dos passageiros no médio prazo. O mesmo pode ser dito com relação a posts envolvendo planos de saúde, a nova agência reguladora Serviço Florestal Brasileiro (faz sentido privatizar florestas?) e o processo de judicialização de todas as agências reguladoras, uma “velha novidade” no Brasil. Ao lado de temas mais técnicos, o leitor também vai encontrar temas regulatórios bem cotidianos, como posts que endereçam e explicam o que o governo propõe para evitar obesidade ou mesmo como a meia-entrada deveria ser remodelada para evitar abusos bem evidentes.
O próximo conjunto de posts aborda reflexões sobre a cidade, mais especificamente sobre transporte urbano e trânsito (a grande maioria dos posts trata do assunto, com a identificação de tendências, medidas regulatórias para resolvê-lo e impactos que dele derivam, como: qual a relação entre precificação de imóveis e congestionamentos). Como o trânsito pode melhorar? O que o governo está fazendo nessa direção? Os exemplos acabam se restringindo primordialmente a São Paulo e, especialmente, ao Rio de Janeiro, mas tratam de circunstâncias que hoje são realidade em praticamente todas as cidades. Ao lado de problemas de trânsito, os posts aqui agregados também falam sobre a cidade e seus vários serviços, como os serviços funerários (é difícil enterrar alguém?), e mesmo processos de revitalização urbana, com especial atenção para iniciativas governamentais para melhorar condições de habitação.
Longe dos problemas urbanos, há também um grupo de posts que fala sobre tendências de mercado, explicando qual a estratégia de várias empresas (no que se incluem os cafés como a rede Starbucks, um exemplo de diferenciação com enorme sucesso em grandes centros urbanos, e as empresas que entenderam a existência de um mercado para vender fast-food, só que com comida saudável). E outros que tratam de questões mais estruturais, como o ambiente de negócios para empresas no Brasil e o movimento de aumento de preços dos imóveis (a recorrente pergunta sobre a bolha imobiliária). Em seguida, o objeto da discussão migra para a educação (parte da discussão envolve preparação para o mercado de trabalho) e seus respectivos percalços. Por uma questão meramente pessoal (há mais de 10 anos sou professor de faculdade), a maioria dos textos acaba sendo mais sobre o ensino superior do que sobre a cadeia de ensino básico. E, mais ainda, especificamente sobre o mercado de ensino de direito.
O excessivo foco em concurso público e o respectivo peso nos currículos definidos pelo MEC acabaram empurrando a faculdade para um papel meramente preparatório única e exclusivamente para essa opção, impedindo uma maior diferenciação de currículos e de estratégias didáticas. Vários posts se dedicam a debater essas questões, como os que tratam de método de ensino, processo de internacionalização das faculdades e até a proliferação de rankings de qualidade oficiais e extraoficiais.
Ao contrário do que imaginei quando comecei o blog, em 2012, os textos não ficaram centrados em questões regulatórias e concorrenciais. Mas guardei espaço para essas áreas nos posts, o que acabou fazendo com que escrevesse também textos sobre concorrência. Embora fosse previsível que os textos tratassem de casos no Conselho Administrativo de Defesa da Concorrência, órgão em que trabalhei por aproximadamente seis anos, acabei optando majoritariamente por escrever sobre questões concorrenciais não relacionadas a investigações de cartéis ou a processos de concentração (aquisições ou fusões). Achei mais interessante ver como instrumentos não estatais poderiam ter impacto na concorrência. Dois textos abordam como a tecnologia alterou o padrão de competição (com cenários mais previsíveis, como a entrada do Big Data como elemento de competição, e outros menos, como o papel das redes sociais na redução de preços).
Ao contrário de posts semanais (ou não: tenho uma enorme dificuldade para manter a periodicidade dos textos), o livro mostra pensamentos que podem ser vistos de maneira agregada, refletindo o caminho de descoberta de um grupo de
temas. Esse processo aconteceu de forma natural à medida que os assuntos foram chamando minha atenção e provocando minha reflexão. Este livro, de certa forma, demonstra que escrever depende, na verdade, de um exercício de identificação com aquilo que se escreve. Essa descoberta é muito difícil. O blog Direito e Desenvolvimento me ajudou muito nisso. Como eu disse, a imprensa não só não morreu, como também resolveu abraçar blogueiros. Há espaço para todos e a Exame, em particular, enxergou muito bem essa tendência.
Espero que este livro sirva para ajudar a organizar o fluxo de pensamento de outras pessoas. É a melhor forma de evitar bloqueios e, além disso, um excelente incentivo para as pessoas que querem montar blogs, publicar livros ou mesmo
aprender a expor ideias.
Direito e desenvolvimento: diário de um jurista urbano
Carlos Ragazzo
Coleção FGV de Bolso | Série Direito & Sociedade
Impresso: R$24
Ebook: R$16