Dia 18 de maio será o lançamento da obra 'Universidade e ensino de história', que obra apresenta trabalhos com enfoque em diferentes conjunturas e regiões que pretendem estimular uma reflexão para o enfrentamento dos desafios na renovação da formação dos professores. Visa ainda levar o conhecimento histórico para um público mais amplo. O formato das licenciaturas e o papel do docente, tendo em vista a desvalorização da carreira e a pouca atratividade que o magistério oferece também é um ponto de reflexão. Este livro sobre o ensino de história nas universidades visa contribuir para o entendimento do percurso das graduações de história em diferentes universidades, em diferentes momentos e regiões. Busca também focalizar os embates produzidos no campo da historiografia e das memórias produzidas em torno de momentos fundadores dos respectivos cursos e seus professores.
Inscreva-se para o webinar de lançamento no dia 18/5, às 18h, AQUI.
Confira a introdução assinada pela organizadora da obra, Marieta de Moraes Ferreira.
Licenciatura e formação de professores: debates atuais
Em 2013, lancei o livro A história como ofício, que tinha o objetivo de acompanhar e discutir o processo de profissionalização dos historiadores no Brasil por meio da criação dos primeiros cursos universitários de história com foco na Universidade do Distrito Federal (UDF) (1935-1939) e na Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil (1939-1968). Na ocasião, estava em pauta no Brasil o debate sobre a regulamentação da profissão do historiador em função do projeto de lei aprovado no Senado no ano anterior, e pesquisas sobre o percurso do campo do conhecimento da história se tornavam mais que oportunas.
O avanço do processo de profissionalização suscitou muitas críticas, dividindo as opiniões a favor e contra, e colocou com mais intensidade discussões acerca do lugar do ofício do historiador na sociedade e da própria relevância das graduações e pós-graduações em história como requisito para o exercício da pesquisa e ensino da disciplina.
Com concessões que levaram a mudanças no projeto anterior foi finalmente aprovada a Lei no 14.038/2020, que regulamenta a profissão do historiador. Novamente, essa iniciativa, somada à própria conjuntura atual, produz debates importantes acerca do lugar da história e qual o papel do historiador diante de um sem-número de narrativas negacionistas que distorcem e omitem eventos e interpretações já consagrados pelas diferentes correntes historiográficas.
A esse elenco de temas e desafios colocados para os profissionais de história, somam-se as últimas reformas educacionais, que põem em tela a questão da formação dos professores e o próprio formato das licenciaturas de maneira geral e das de história em particular.
Nos últimos tempos, as discussões concernentes à formação de professores voltaram ao centro das atenções com a aprovação da lei da Reforma do Ensino Médio, em 2017, a Nova Base Nacional Curricular (BNCC) e as resoluções que se seguiram. Um ponto que emerge a partir dessas novas iniciativas é a questão do formato das licenciaturas e o papel do docente, tendo em vista a desvalorização da carreira e a pouca atratividade que o magistério oferece.
Nesse sentido, os cursos de licenciatura no interior das instituições de ensino superior tornaram-se objeto de debates e reformulações “visando superar as dicotomias referentes aos binômios bacharelado-licenciatura” (Fernandes, Ferreira e Nogueira, 2020:18-19).
Diante disso, produzir uma reflexão acerca das licenciaturas com o objetivo de repensar e valorizar a formação dos professores torna-se uma questão urgente. O diagnóstico dominante consiste numa crítica ao perfil atual das licenciaturas que não estimula uma reflexão sobre a prática docente, mas, ao contrário, concentra todas as atenções nas atividades de pesquisa e na preparação para uma pós-graduação acadêmica, indo na contramão do que, de fato, a maioria dos discentes fará após a conclusão de seus estudos: lecionar em escolas, públicas e privadas, do ensino básico.
Por outro lado, os licenciandos em geral se sentem pouco preparados para as tarefas que imaginam serem as suas no futuro: deslocar o que aprenderam na graduação para a complexa sala de aula de colégios, lidar com crianças e adolescentes e dialogar e se expressar diante desse público específico.
No caso particular das graduações de história, as questões em torno do formato do curso têm provocado acirrados debates e resistência à implementação da separação das entradas para o bacharelado e para a licenciatura, o aumento da carga horária e criação de disciplinas voltadas para o ensino de história.
Contudo, se a importância de pensar a licenciatura como o foco central da graduação em história está na ordem do dia e uma maior atenção na preparação dos licenciandos para a atividade docente tem se mostrado mais frequente, os professores de ensino superior que estão à frente das reformas associadas aos cursos da área parecem ignorar os debates que correm por fora do âmbito universitário.
Assim, a BNCC e as discussões relativas à reestruturação do ensino médio estão distantes das preocupações que norteiam as tentativas de reformulação das licenciaturas nas universidades, ficando as decisões concentradas nos gestores municipais e estaduais e representantes da rede pública de ensino básico.
Nesse quadro se coloca a pergunta: como nossas universidades se confrontarão com essa nova realidade se nossos cursos não estiverem preparados para essa desafiadora tarefa? Frente a isso, é urgente que as licenciaturas estejam aptas a dar conta das mudanças que deverão ser implementadas nos próximos anos para atender às novas necessidades do ensino básico e do atual perfil de seus estudantes.
Diante desse quadro de enormes desafios e de imprevisibilidades das mudanças em curso nas licenciaturas em geral e na de história em particular, e no lugar do ensino de história na educação básica, este livro sobre o ensino de história nas universidades visa contribuir para o entendimento do percurso das graduações de história em diferentes universidades, em diferentes momentos e regiões. É objetivo também desta obra focalizar os embates produzidos no campo da historiografia e das memórias produzidas em torno de momentos fundadores dos respectivos cursos e seus professores.
Assim, este trabalho reúne 10 textos que analisam a trajetória de cursos de graduação em história em oito diferentes instituições de ensino superior: a Faculdade de Filosofia Ciências e Letras da USP, a Universidade Federal do Rio Grande do Sul, a Faculdade de Ciências e Letras do Instituto Lafayette, a Universidade Federal do Paraná, a Universidade Federal de Minas Gerais, a Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil e o Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da UFRJ, a Universidade Federal do Rio Grande do Norte e a Universidade Federal de Mato Grosso do Sul.
Uma questão importante que emerge desse conjunto de textos é a constatação das dicotomias referentes aos binômios bacharelado-licenciatura, teoria-prática e escola-universidade. Tendo como objetivo maior formar professores para o nível secundário, as licenciaturas não proporcionavam uma preparação pedagógica capaz de habilitar os licenciandos para lecionar nas reais condições da escola básica. Por outro lado, os cursos de bacharelado também não ofereciam as ferramentas adequadas para o ofício de pesquisador.
Ao longo no tempo, medidas foram sendo implementadas para alterar esse quadro, mas essas tentativas de mudanças estiveram longe de atingir plenamente seus objetivos, pois até os tempos atuais as licenciaturas continuam sob fogo cruzado por não solucionarem as insuficiências na preparação para as atividades docentes.
O primeiro capítulo, de autoria de Aryana Costa intitulado “Ha ainda algo de novo a dizer sobre o curso de história da USP?”, analisa os primeiros momentos de criação do curso de história da Universidade de São Paulo, chamando atenção para a importância dos intelectuais paulistas, e do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo na formulação da estrutura e do currículo do que seria o novo curso. Partindo dessa análise, a autora problematiza e relativiza uma memória que atribui aos professores franceses, em especial Fernand Braudel, uma importância fundamental para o formato, a implantação e o funcionamento do curso de história, destacando a proeminência de outros atores.
O segundo texto, de Lidiane Rodrigues, “Eles e elas na gênese da institucionalização do curso de história da USP”, apresenta uma discussão que envolve a questão de gênero e origem social no processo de recrutamento dos primeiros professores do curso de história da USP, estabelecendo uma comparação com o curso de sociologia. As análises produzidas demonstram como as professoras que eram oriundas das escolas normais foram preteridas em favor dos colegas do gênero masculino provenientes das escolas de direito. Com essa orientação, ficavam secundarizadas as experiências com a docência em favor das práticas jurídicas.
O texto de Mara Cristina de Matos Rodrigues focaliza a formação em história na UFRGS enfatizando as relações entre o bacharelado e a licenciatura no período de 1947 a 1968. O argumento principal da autora é que, embora as faculdades de filosofia devessem formar professores para o nível secundário, não havia uma preparação pedagógica para esse exercício, nem uma formação eficiente para o exercício do ofício de pesquisador. Nos anos 1970, mudanças significativas começaram a ser implementadas com a distribuição das disciplinas pedagógicas ao longo do curso no intuito de promover uma maior integração dos conteúdos de formação histórica com as práticas pedagógicas. Também foram buscadas mudanças no bacharelado com a introdução da monografia e a ampliação das disciplinas optativas no intuito de estimular a pesquisa.
O capítulo de Alessandra Soares Santos focaliza a Faculdade de Filosofia da atual Universidade Federal de Minas Gerais, o contexto de criação do seu curso de história e geografia e sua posterior evolução. Um ponto importante do texto é a análise das transformações do currículo do curso com ênfase nos desafios e dificuldades de articular a formação de professores e o desenvolvimento das habilidades para pesquisa dos alunos.
O texto seguinte, de Leonardo Cazes, analisa a criação da Faculdade de Filosofia Ciências e Letras do Instituto Lafayette em 1941, no Rio de Janeiro, com foco no curso de história. O ponto que merece destaque é a demonstração da importãncia da instituição, pouco conhecida e estudada, para o entendimento dos embates educacionais travados nos anos 1930-1940, por setores progressistas frente às imposições do ministério de Capanema e grupos católicos. A tese central do autor é demonstrar a criação da faculdade como um espaço de resistência ao Ministério da Educação no fechamento da Universidade do Distrito Federal (UDF) e no processo de esvaziamento do Colégio Pedro II, até então escola modelo que ditava as diretrizes para todas as escolas secundárias brasileiras.
O capítulo de Bruno Lontra tem como objeto de análise o curso de história da atual Universidade Federal do Paraná (UFPR) e, em especial, a criação de seu mestrado em história em 1971. O argumento que norteia o texto é o de que o curso de história da UFPR, diferentemente das outras licenciaturas voltadas para a formação de professores para a educação básica, já em 1971 desenvolvia atividades de pesquisa, buscando se colocar como espaço de produção científica e formação de professores para a universidade. De acordo com esse argumento, desde os anos 1960, ja se desenvolviam projetos de pesquisa voltados para a história do Paraná e a localização e a organização de documentos e arquivos que dessem sustentação à criação de um curso de mestrado. O sucesso dessas iniciativas deveu-se a uma sintonia de suas lideranças intelectuais com as novas políticas educacionais do regime militar implantado.
O capítulo de Patrícia Aranha, focado no curso de história e geografia da Faculdade Nacional de Filosofia (FNFi) da Universidade do Brasil, tem como objeto de análise os conflitos e as disputas em torno da separação das duas disciplinas em dois cursos distintos. Debate já antigo desde o momento da criação da FNFi, o tema volta à tona em 1955, colocando em campos opostos aqueles que defendiam a importância de manter as duas disciplinas num único curso voltado para a formação de professores (posição defendida especialmente pelos professores da USP) e aqueles que advogavam a separação e viam o curso de geografia voltado para a formação de geógrafos que pudessem atuar em órgãos técnicos. Esse processo de discussão passou por várias etapas e acabou sendo definido na Câmara dos Deputados, em 1956, por meio de uma lei que separou definitivamente os dois cursos.
O texto de Marieta de Moraes Ferreira dedica-se ao acompanhamento da trajetória do curso de história do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da UFRJ, recriado em 1968 com o desmembramento da antiga Faculdade Nacional de Filosofia (FNFi). O foco é analisar o processo de repressão que se abateu sobre o curso e sua consequente desestruturação com a cassação de seus principais professores.
O texto seguinte, de autoria de Margarida Oliveira e Wendell de Oliveira Souza, dedica-se à trajetória do curso de história da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Partindo de um balanço dos trabalhos dedicados ao desenvolvimento da área de estudos de ensino de história, os autores defendem a ideia de que foi construída uma memória dos cursos de história no Brasil que prioriza especialmente o curso da USP, silenciando sobre outras expêriencias universitárias. O caso exemplar enfocado é a tentativa de recuperar a trajetória da licenciatura da UFRN por meio de publicações dos eventos comemorativos. Na análise dessas conjunturas, destacam a ausência de uma memória consolidada e de pesquisas que valorizassem as experiências locais e regionais, e defendem a urgência de trabalhos que priorizem outras realidades brasileiras.
O último texto deste livro, de Tiago Alinor Benfica, traça um quadro da criação das universidades e centros universitários nos estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, demostrando o processo de expansão de ensino universitário durante o regime militar. Seu foco principal é a criação dos cursos de história e estudos sociais voltados para a formação de professores e os embates que envolveram esse processo.
Neste momento de grandes transformações e crise na educação brasileira e de discussão do lugar da história e do papel dos historiadores, revisitar o percurso dos cursos de história pode trazer contribuições importantes. A proposta deste livro com tal conjunto de trabalhos enfocando diferentes conjunturas e regiões é estimular uma reflexão para o enfrentamento dos desafios na renovação da formacão dos professores, assim como levar o conhecimento histórico para um público mais amplo."