Arquivo de Maio 2021

  • Postado por editora em em 11/05/2021 - 16:29

    Dia 18 de maio será o lançamento da obra 'Universidade e ensino de história', que obra apresenta trabalhos com enfoque em diferentes conjunturas e regiões que pretendem estimular uma reflexão para o enfrentamento dos desafios na renovação da formação dos professores. Visa ainda levar o conhecimento histórico para um público mais amplo. O formato das licenciaturas e o papel do docente, tendo em vista a desvalorização da carreira e a pouca atratividade que o magistério oferece também é um ponto de reflexão. Este livro sobre o ensino de história nas universidades visa contribuir para o entendimento do percurso das graduações de história em diferentes universidades, em diferentes momentos e regiões. Busca também focalizar os embates produzidos no campo da historiografia e das memórias produzidas em torno de momentos fundadores dos respectivos cursos e seus professores.

    Inscreva-se para o webinar de lançamento no dia 18/5, às 18h, AQUI.

    Confira a introdução assinada pela organizadora da obra, Marieta de Moraes Ferreira.

    Licenciatura e formação de professores: debates atuais
    Em 2013, lancei o livro A história como ofício, que tinha o objetivo de acompanhar e discutir o processo de profissionalização dos historiadores no Brasil por meio da criação dos primeiros cursos universitários de história com foco na Universidade do Distrito Federal (UDF) (1935-1939) e na Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil (1939-1968). Na ocasião, estava em pauta no Brasil o debate sobre a regulamentação da profissão do historiador em função do projeto de lei aprovado no Senado no ano anterior, e pesquisas sobre o percurso do campo do conhecimento da história se tornavam mais que oportunas.
    O avanço do processo de profissionalização suscitou muitas críticas, dividindo as opiniões a favor e contra, e colocou com mais intensidade discussões acerca do lugar do ofício do historiador na sociedade e da própria relevância das graduações e pós-graduações em história como requisito para o exercício da pesquisa e ensino da disciplina.
    Com concessões que levaram a mudanças no projeto anterior foi finalmente aprovada a Lei no 14.038/2020, que regulamenta a profissão do historiador. Novamente, essa iniciativa, somada à própria conjuntura atual, produz debates importantes acerca do lugar da história e qual o papel do historiador diante de um sem-número de narrativas negacionistas que distorcem e omitem eventos e interpretações já consagrados pelas diferentes correntes historiográficas.
    A esse elenco de temas e desafios colocados para os profissionais de história, somam-se as últimas reformas educacionais, que põem em tela a questão da formação dos professores e o próprio formato das licenciaturas de maneira geral e das de história em particular.
    Nos últimos tempos, as discussões concernentes à formação de professores voltaram ao centro das atenções com a aprovação da lei da Reforma do Ensino Médio, em 2017, a Nova Base Nacional Curricular (BNCC) e as resoluções que se seguiram. Um ponto que emerge a partir dessas novas iniciativas é a questão do formato das licenciaturas e o papel do docente, tendo em vista a desvalorização da carreira e a pouca atratividade que o magistério oferece.
    Nesse sentido, os cursos de licenciatura no interior das instituições de ensino superior tornaram-se objeto de debates e reformulações “visando superar as dicotomias referentes aos binômios bacharelado-licenciatura” (Fernandes, Ferreira e Nogueira, 2020:18-19).
    Diante disso, produzir uma reflexão acerca das licenciaturas com o objetivo de repensar e valorizar a formação dos professores torna-se uma questão urgente. O diagnóstico dominante consiste numa crítica ao perfil atual das licenciaturas que não estimula uma reflexão sobre a prática docente, mas, ao contrário, concentra todas as atenções nas atividades de pesquisa e na preparação para uma pós-graduação acadêmica, indo na contramão do que, de fato, a maioria dos discentes fará após a conclusão de seus estudos: lecionar em escolas, públicas e privadas, do ensino básico.
    Por outro lado, os licenciandos em geral se sentem pouco preparados para as tarefas que imaginam serem as suas no futuro: deslocar o que aprenderam na graduação para a complexa sala de aula de colégios, lidar com crianças e adolescentes e dialogar e se expressar diante desse público específico.
    No caso particular das graduações de história, as questões em torno do formato do curso têm provocado acirrados debates e resistência à implementação da separação das entradas para o bacharelado e para a licenciatura, o aumento da carga horária e criação de disciplinas voltadas para o ensino de história.
    Contudo, se a importância de pensar a licenciatura como o foco central da graduação em história está na ordem do dia e uma maior atenção na preparação dos licenciandos para a atividade docente tem se mostrado mais frequente, os professores de ensino superior que estão à frente das reformas associadas aos cursos da área parecem ignorar os debates que correm por fora do âmbito universitário.
    Assim, a BNCC e as discussões relativas à reestruturação do ensino médio estão distantes das preocupações que norteiam as tentativas de reformulação das licenciaturas nas universidades, ficando as decisões concentradas nos gestores municipais e estaduais e representantes da rede pública de ensino básico.
    Nesse quadro se coloca a pergunta: como nossas universidades se confrontarão com essa nova realidade se nossos cursos não estiverem preparados para essa desafiadora tarefa? Frente a isso, é urgente que as licenciaturas estejam aptas a dar conta das mudanças que deverão ser implementadas nos próximos anos para atender às novas necessidades do ensino básico e do atual perfil de seus estudantes.
    Diante desse quadro de enormes desafios e de imprevisibilidades das mudanças em curso nas licenciaturas em geral e na de história em particular, e no lugar do ensino de história na educação básica, este livro sobre o ensino de história nas universidades visa contribuir para o entendimento do percurso das graduações de história em diferentes universidades, em diferentes momentos e regiões. É objetivo também desta obra focalizar os embates produzidos no campo da historiografia e das memórias produzidas em torno de momentos fundadores dos respectivos cursos e seus professores.
    Assim, este trabalho reúne 10 textos que analisam a trajetória de cursos de graduação em história em oito diferentes instituições de ensino superior: a Faculdade de Filosofia Ciências e Letras da USP, a Universidade Federal do Rio Grande do Sul, a Faculdade de Ciências e Letras do Instituto Lafayette, a Universidade Federal do Paraná, a Universidade Federal de Minas Gerais, a Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil e o Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da UFRJ, a Universidade Federal do Rio Grande do Norte e a Universidade Federal de Mato Grosso do Sul.
    Uma questão importante que emerge desse conjunto de textos é a constatação das dicotomias referentes aos binômios bacharelado-licenciatura, teoria-prática e escola-universidade. Tendo como objetivo maior formar professores para o nível secundário, as licenciaturas não proporcionavam uma preparação pedagógica capaz de habilitar os licenciandos para lecionar nas reais condições da escola básica. Por outro lado, os cursos de bacharelado também não ofereciam as ferramentas adequadas para o ofício de pesquisador.
    Ao longo no tempo, medidas foram sendo implementadas para alterar esse quadro, mas essas tentativas de mudanças estiveram longe de atingir plenamente seus objetivos, pois até os tempos atuais as licenciaturas continuam sob fogo cruzado por não solucionarem as insuficiências na preparação para as atividades docentes.
    O primeiro capítulo, de autoria de Aryana Costa intitulado “Ha ainda algo de novo a dizer sobre o curso de história da USP?”, analisa os primeiros momentos de criação do curso de história da Universidade de São Paulo, chamando atenção para a importância dos intelectuais paulistas, e do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo na formulação da estrutura e do currículo do que seria o novo curso. Partindo dessa análise, a autora problematiza e relativiza uma memória que atribui aos professores franceses, em especial Fernand Braudel, uma importância fundamental para o formato, a implantação e o funcionamento do curso de história, destacando a proeminência de outros atores.
    O segundo texto, de Lidiane Rodrigues, “Eles e elas na gênese da institucionalização do curso de história da USP”, apresenta uma discussão que envolve a questão de gênero e origem social no processo de recrutamento dos primeiros professores do curso de história da USP, estabelecendo uma comparação com o curso de sociologia. As análises produzidas demonstram como as professoras que eram oriundas das escolas normais foram preteridas em favor dos colegas do gênero masculino provenientes das escolas de direito. Com essa orientação, ficavam secundarizadas as experiências com a docência em favor das práticas jurídicas.
    O texto de Mara Cristina de Matos Rodrigues focaliza a formação em história na UFRGS enfatizando as relações entre o bacharelado e a licenciatura no período de 1947 a 1968. O argumento principal da autora é que, embora as faculdades de filosofia devessem formar professores para o nível secundário, não havia uma preparação pedagógica para esse exercício, nem uma formação eficiente para o exercício do ofício de pesquisador. Nos anos 1970, mudanças significativas começaram a ser implementadas com a distribuição das disciplinas pedagógicas ao longo do curso no intuito de promover uma maior integração dos conteúdos de formação histórica com as práticas pedagógicas. Também foram buscadas mudanças no bacharelado com a introdução da monografia e a ampliação das disciplinas optativas no intuito de estimular a pesquisa.
    O capítulo de Alessandra Soares Santos focaliza a Faculdade de Filosofia da atual Universidade Federal de Minas Gerais, o contexto de criação do seu curso de história e geografia e sua posterior evolução. Um ponto importante do texto é a análise das transformações do currículo do curso com ênfase nos desafios e dificuldades de articular a formação de professores e o desenvolvimento das habilidades para pesquisa dos alunos.
    O texto seguinte, de Leonardo Cazes, analisa a criação da Faculdade de Filosofia Ciências e Letras do Instituto Lafayette em 1941, no Rio de Janeiro, com foco no curso de história. O ponto que merece destaque é a demonstração da importãncia da instituição, pouco conhecida e estudada, para o entendimento dos embates educacionais travados nos anos 1930-1940, por setores progressistas frente às imposições do ministério de Capanema e grupos católicos. A tese central do autor é demonstrar a criação da faculdade como um espaço de resistência ao Ministério da Educação no fechamento da Universidade do Distrito Federal (UDF) e no processo de esvaziamento do Colégio Pedro II, até então escola modelo que ditava as diretrizes para todas as escolas secundárias brasileiras.
    O capítulo de Bruno Lontra tem como objeto de análise o curso de história da atual Universidade Federal do Paraná (UFPR) e, em especial, a criação de seu mestrado em história em 1971. O argumento que norteia o texto é o de que o curso de história da UFPR, diferentemente das outras licenciaturas voltadas para a formação de professores para a educação básica, já em 1971 desenvolvia atividades de pesquisa, buscando se colocar como espaço de produção científica e formação de professores para a universidade. De acordo com esse argumento, desde os anos 1960, ja se desenvolviam projetos de pesquisa voltados para a história do Paraná e a localização e a organização de documentos e arquivos que dessem sustentação à criação de um curso de mestrado. O sucesso dessas iniciativas deveu-se a uma sintonia de suas lideranças intelectuais com as novas políticas educacionais do regime militar implantado.
    O capítulo de Patrícia Aranha, focado no curso de história e geografia da Faculdade Nacional de Filosofia (FNFi) da Universidade do Brasil, tem como objeto de análise os conflitos e as disputas em torno da separação das duas disciplinas em dois cursos distintos. Debate já antigo desde o momento da criação da FNFi, o tema volta à tona em 1955, colocando em campos opostos aqueles que defendiam a importância de manter as duas disciplinas num único curso voltado para a formação de professores (posição defendida especialmente pelos professores da USP) e aqueles que advogavam a separação e viam o curso de geografia voltado para a formação de geógrafos que pudessem atuar em órgãos técnicos. Esse processo de discussão passou por várias etapas e acabou sendo definido na Câmara dos Deputados, em 1956, por meio de uma lei que separou definitivamente os dois cursos.
    O texto de Marieta de Moraes Ferreira dedica-se ao acompanhamento da trajetória do curso de história do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da UFRJ, recriado em 1968 com o desmembramento da antiga Faculdade Nacional de Filosofia (FNFi). O foco é analisar o processo de repressão que se abateu sobre o curso e sua consequente desestruturação com a cassação de seus principais professores.
    O texto seguinte, de autoria de Margarida Oliveira e Wendell de Oliveira Souza, dedica-se à trajetória do curso de história da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Partindo de um balanço dos trabalhos dedicados ao desenvolvimento da área de estudos de ensino de história, os autores defendem a ideia de que foi construída uma memória dos cursos de história no Brasil que prioriza especialmente o curso da USP, silenciando sobre outras expêriencias universitárias. O caso exemplar enfocado é a tentativa de recuperar a trajetória da licenciatura da UFRN por meio de publicações dos eventos comemorativos. Na análise dessas conjunturas, destacam a ausência de uma memória consolidada e de pesquisas que valorizassem as experiências locais e regionais, e defendem a urgência de trabalhos que priorizem outras realidades brasileiras.
    O último texto deste livro, de Tiago Alinor Benfica, traça um quadro da criação das universidades e centros universitários nos estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, demostrando o processo de expansão de ensino universitário durante o regime militar. Seu foco principal é a criação dos cursos de história e estudos sociais voltados para a formação de professores e os embates que envolveram esse processo.
    Neste momento de grandes transformações e crise na educação brasileira e de discussão do lugar da história e do papel dos historiadores, revisitar o percurso dos cursos de história pode trazer contribuições importantes. A proposta deste livro com tal conjunto de trabalhos enfocando diferentes conjunturas e regiões é estimular uma reflexão para o enfrentamento dos desafios na renovação da formacão dos professores, assim como levar o conhecimento histórico para um público mais amplo."

     

  • Postado por editora em em 11/05/2021 - 16:22
  • Postado por editora em em 11/05/2021 - 15:59

    Este livro, de enorme repercussão na mídia, é resultado de aproximadamente 13 horas de entrevistas com o general Villas Bôas, realizadas em agosto e setembro de 2019. A entrevista seguiu o modelo de uma história-de-vida, indo desde as origens familiares até o tempo presente. Está aqui registrado o que o general Villas Bôas quis deixar como suas memórias a respeito de sua trajetória de vida, de suas ideias sobre a realidade nacional e de como vivenciou eventos políticos decisivos, com atenção especial ao período em que foi comandante do Exército Brasileiro (5 de fevereiro de 2015 a 11 de janeiro de 2019). O livro, como uma fonte documental inédita, contribui para uma melhor compreensão sobre a história recente do Brasil, na visão do comandante de uma de suas instituições mais importantes.

    Confira a apresentação da obra.

    "Antes de sua realização, já conhecia o general, porém havia me encontrado rapidamente com ele em apenas três ocasiões, por motivos diversos. Nunca havíamos conversado a sós, nem sobre a possibilidade de uma entrevista. A notícia de que ele estava disposto a me conceder uma entrevista me foi transmitida pelo presidente da FGV, Carlos Ivan Simonsen Leal, cerca de uma semana antes de realizarmos a primeira sessão. Embora o general conhecesse alguns de meus livros e soubesse de minha longa experiência de pesquisa sobre a instituição militar no Brasil, a ideia da entrevista e a concordância em fazê-la seguiram uma via institucional. A entrevista, desde o início, foi vista como uma iniciativa da FGV para registrar suas memórias, a exemplo de tantas outras já feitas pelo seu CPDOC (Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil), no qual trabalho há mais de três décadas.
    Um aspecto importante a ser destacado refere-se às condições em que a entrevista foi realizada. Como é público, o general sofre de esclerose lateral amiotrófica (ELA), grave doença degenerativa, ainda sem cura e de causa desconhecida, que afeta o sistema nervoso, levando a uma paralisia motora progressiva e irreversível. Quando a entrevista foi realizada, a doença já lhe havia tirado a capacidade de movimentar-se. Além disso, ele necessitava de um equipamento de respiração permanentemente ligado, o que dificultava sua fala. Por esse motivo, ocasionalmente tínhamos de fazer breves interrupções durante as sessões, e os dias, horários e duração das entrevistas tiveram de se ajustar à agenda de cuidados médicos do general.
    Apesar dessa severa limitação física, o general estava com sua capacidade intelectual totalmente preservada e muito disposto a falar sobre sua vida. A dedicação que deu à entrevista, apesar das limitações
    físicas, foi impressionante. Um dos desdobramentos futuros da doença seria justamente a perda da capacidade de falar. Isso explica a urgência da entrevista: o curtíssimo tempo que tive entre a notícia
    de que ele gostaria de dar seu depoimento, o preparo do roteiro, as gravações, a transcrição e a edição em livro.
    A entrevista seguiu o modelo de uma história de vida, indo desde as origens familiares até o presente. Havia um interesse óbvio de falarmos sobre o período de quase quatro anos em que o general Villas Bôas foi comandante do Exército Brasileiro (5 de fevereiro de 2015 a 11 de janeiro de 2019), marcado por eventos decisivos e definidores da atual conjuntura política, como o segundo governo de Dilma Rousseff, seu impeachment, a assunção de Michel Temer à presidência, a prisão do ex-presidente Lula, as eleições de 2018, a eleição e o início de governo de Jair Bolsonaro. Decidi, contudo, não deixar de lado a narrativa de meu entrevistado a respeito de seus anos de formação, das experiências que teve ao longo da carreira militar e de suas ideias sobre o Exército e o país em geral, pois creio que são importantes para a compreensão mais densa de sua trajetória de vida e de suas ações.
    Diante das limitações já mencionadas, e de opções que tive de assumir durante o processo de entrevista, algumas passagens de sua vida foram tratadas de maneira mais rápida do que mereceriam. Ao
    final, contudo, ficamos com a sensação de que cobrimos de forma razoável os principais temas e conversamos sobre o que de mais relevante o general quis registrar como suas memórias.
    Desde o início já se pensava em transformar a entrevista em livro.
    Por esse motivo, a gravação foi transcrita e, em seguida, editada por mim em formato de livro. Na edição, procurei preservar a oralidade do texto, fruto de uma longa conversa. Busquei apenas tornar a leitura mais fluente, basicamente com a supressão de alguns vícios de linguagem e a junção de trechos que desenvolvessem, separadamente, as mesmas ideias. A ordem e o conteúdo das entrevistas, todavia, foram preservadas no que tinham de essencial, mantendo fidelidade ao que o entrevistado quis dizer.
    A versão por mim editada da entrevista foi enviada ao general Villas Bôas no final de setembro de 2019. Ele havia pedido para revê-la antes que déssemos continuidade ao processo editorial. Recebi de volta a versão revista no dia 5 de maio de 2020. Nesse intervalo de sete meses, encontrei-me com o general apenas uma vez, brevemente, no lançamento do Instituto Villas Bôas, em Brasília, dia 4 de dezembro de 2019. Ele já havia perdido a capacidade de falar, porém seus familiares e amigos mais próximos disseram que ele estava se dedicando com prioridade total à revisão do livro. De fato, observando a versão revista, e tendo em conta que todo o trabalho teve de ser feito por meio de tecnologias assistivas, às quais ele teve de se adaptar rapidamente, é possível constatar quão grande foi essa dedicação.
    Como resultado, o texto cresceu cerca de 30% em tamanho. O general incluiu a menção a vários casos e personagens de sua vida, principalmente na primeira metade do livro. Foram mantidas minhas perguntas, a estrutura de capítulos que eu havia montado e as notas explicativas, porém a revisão diminuiu a dose de oralidade característica das entrevistas, tornando o texto em geral mais formal.
    O livro, em sua versão final, deve ser visto, portanto, menos como uma transcrição literal da entrevista do que como um texto desenvolvido a partir dela. Contudo, o essencial de seu depoimento original foi preservado, acrescido da menção a alguns eventos e personagens, além de ter passado por alterações que buscaram, muitas vezes, desenvolver ideias que estavam apenas esboçadas.
    O mais importante é que temos, afinal, o que o general Villas Bôas quis deixar registrado como suas memórias a respeito de sua trajetória de vida, de suas ideias sobre a realidade nacional e de como vivenciou eventos políticos decisivos. Espero que o livro, enquanto uma fonte documental inédita, contribua para uma melhor compreensão sobre a história recente do Brasil, na visão do comandante de uma de suas instituições mais importantes."

     

  • Postado por editora em em 11/05/2021 - 15:46

    Confira parte da introdução do livro O elo perdido, organizado por Carmen Migueles e Marco Tulio Zanini.

    "Este livro, de muitas maneiras, é o resultado da busca por compreender e desvendar o enigma da baixa competitividade do Brasil no cenário global e a dificuldade de resolver problemas internos às nossas organizações que se apresentam como entraves à prosperidade. É a “busca pelo elo perdido” que possa conectar nosso potencial como nação a nossa capacidade de produzir riquezas com resultados desejados por todos. Há uma grande interrogação sobre o país: temos abundantes riquezas naturais, uma grande quantidade de pessoas com excelente qualificação, mas amargamos posições ruins nos rankings globais de competitividade, produtividade e inovação.

    Vivemos nos perguntando sobre a razão, sobre as causas, em busca de explicações e saídas. Recentemente, a ideia de que o problema estaria na qualidade da educação e nos baixos investimentos em infraestrutura dominaram e ainda dominam nossa imaginação, e parecemos tão convencidos disso que não investigamos outras possibilidades. Mas o fato é que outros países, com menos gente qualificada, menos recursos para investimentos e com desafios climáticos e geográficos muito maiores que os nossos, vêm avançando mais rapidamente. Uma breve olhada nos rankings globais de inovação e de competitividade revela isso.

    Na última edição do ranking global de inovação 2018, o Brasil aparece em 66o lugar no índice de eficiência da inovação em um comparativo de 129 países, ou seja, bem no meio da tabela. Mas temos uma população educada muito maior do que muitos que estão em nossa frente, uma economia com mais recursos e uma infraestrutura de pesquisa maior. Temos um grande número de mestres e doutores e uma grande parcela da população com educação de nível superior. Apenas cursando a graduação no Brasil, em 2018 tínhamos 8,3 milhões de estudantes, o que corresponde a uma vez e meia a população da Finlândia, que aparece em 11o lugar no ranking, com um número absoluto de registros de patentes aprovadas muito maior do que o nosso. Comparado com esse pequeno país, nosso número de mestres e doutores equivale a mais de 20% de sua população total. Como pode um país com uma população de 5.513.000 habitantes, ou seja, menor do que o município do Rio de Janeiro, produzir mais patentes do que um país com quase 210 milhões de pessoas e com muito mais cientistas? Ficamos atrás de países como Grécia, Rússia, Chile, Índia, México, Irã, Uruguai e África do Sul.

    De 2017 para 2018, o Brasil não avançou. Ficamos em 21o lugar em número absoluto de patentes. Na comparação com os países de renda média para alta, ficamos em 16o lugar, atrás da China, Índia e Rússia; 5o na região da América Latina e Caribe, atrás do Uruguai, México, Costa Rica e Chile.

    No ranking de competitividade, estamos em 8o lugar na América Latina. Sim! Oitavo na América Latina e na 71a posição global. O primeiro lugar no continente é do Chile, na 33a posição. O que mais nos mantém nessa posição é a baixa qualidade das nossas instituições. A pergunta que não quer calar é: por quê? Seguida de: o que podemos fazer sobre isso? O índice compara países por meio de vários indicadores, que são: instituições, capital humano, infraestrutura, sofisticação do mercado, sofisticação dos negócios, resultados de conhecimento e tecnologia e resultados criativos. O Brasil vai bem em sofisticação de negócios e no capital humano, mal em instituições, sofisticação do mercado e em produção de criatividade (marcas registradas e produtos culturais). O índice de eficiência mostra que gastamos muito dinheiro para produzir pouco conhecimento. Há ilhas de excelência: a USP é uma das 10 universidades mundiais que mais registram patentes. Por que não aprender com o que dá certo com ela?

    Há algum tempo, correu um texto na internet: uma piada daquelas que fazemos sobre nós mesmos. Era sobre o que aconteceria com o Brasil se trocássemos de território com os japoneses. Na brincadeira, a conclusão era a de que em pouco tempo o Brasil seria um país riquíssimo. Mas o Japão andaria para trás. A “graça” da piada está no fato de que muitos concordam. Temos isso de bom: somos capazes de rir dos nossos problemas. Esse exemplo é uma evidência de que reconhecemos, formal e informalmente, a relevância “dos fatores humanos” e da “cultura” como determinantes do sucesso das nações e das organizações dentro delas. De alguma forma, reconhecemos que há algo na forma como pensamos e trabalhamos que traz resultados indesejáveis. Mas não investimos tempo e esforço em compreender isso melhor. E esse talvez seja o fator que mais nos prenda nessa posição. Se entendermos claramente o que nos prende, poderemos agir sobre isso. Este livro pretende ser uma contribuição nessa direção.

    Ora, se há fatores dessa natureza que têm o poder de manter uma nação inteira presa a círculos viciosos que impedem os avanços, precisamos compreendê-los! Poucos esforços nos parecem mais relevantes do que esse. Ganhos de produtividade, competitividade e inovação significam mais dinheiro para resolver nossos problemas de pobreza persistente, da falta de acesso à saúde, da exclusão de milhões de crianças de uma educação de qualidade e da redução da degradação do meio ambiente, que demanda investimentos no tratamento de esgotos e efluentes e novas tecnologias, abrindo espaço para o futuro que desejamos. Ao compreender de forma objetiva a natureza desses fatores, podemos ver como superá-los.

    Sabemos que cultura faz diferença. Sabemos que japoneses, alemães, ingleses, mexicanos e brasileiros são muito diferentes entre si. Sabemos que há uma relação direta, inegável, entre cultura, instituições e desenvolvimento econômico. Mas avançamos pouco em entender as relações de causalidade. Há uma série de paradigmas de pensamento em pesquisa que dificultam esse avanço. E há também o fato de que países que estão indo melhor estão convencidos de que têm a cultura certa e que, se melhorar a comunicação entre indivíduos, os poucos problemas restantes se resolverão. Há uma relação entre cultura e identidade muito grande. E, se as coisas estão dando certo, é fácil desenvolver certo tipo de “narcisismo cultural”, muito próximo da ideia de superioridade cultural e que dá uma sensação confortável de pertencer ao time certo. Mas um livro como este, voltado para o público em geral, de diferentes profissões e formações, com maior ou menor interesse acadêmico, não é o lugar para discutir esses paradigmas. Há um número muito grande de estudos sobre cultura, suas definições e os desafios da pesquisa aplicada sobre o tema. Para quem tiver interesse em um mergulho conceitual, disponibilizo aqui esses outros textos e completo com referências no fim deste capítulo (Migueles, 2004).

    A nossa proposta aqui é construir um texto não para o especialista em estudos culturais, mas para os especialistas e interessados em gestão. Pensamos em algo análogo ao que fez o Yuval Noah Harari (2017) com seu livro Sapiens e demais trabalhos: compartilhar a macrovisão sobre o desafio da antropologia aplicada que, embora ancorada em pesquisas, se desprende desta para permitir um olhar mais geral. Aqui, proponho mergulhar naquilo que consideramos o maior desafio de cultura para ganhos de produtividade, competitividade, inovação e segurança: garantir o alinhamento necessário, dentro das organizações, que permita que a comunicação e a colaboração sejam efetivas, de modo que as pessoas possam, de fato, fazer o que é necessário para que o conjunto das ações traga mais resultados. E de modo que seja possível desenvolver o sentimento de pertencimento, que garanta o engajamento e comprometimento, e a clareza de que há ganhos para todos nos arranjos econômicos que impulsionam a cooperação para resultados melhores. Isso é fundamental para a capacidade de formular e agir de acordo com uma visão de médio e longo prazos, que é pré-requisito para a meritocracia que gera valor sustentável e melhor gestão de riscos, e que é também a base para o desenvolvimento das organizações e dos arranjos produtivos. Em síntese, a essa capacidade de gerar alinhamento pela formulação de uma visão comum no tempo, abrindo espaços para uma comunicação efetiva, e a subsequente capacidade de implementar as ações de forma eficiente, somando inteligências e esforços, chamamos de coordenação informal. Muitos chamam de cultura. Mas preferimos esse nome para dar foco no que realmente importa."
     

    Encontre o livro AQUI