Em busca do Brasil: Edgard Roquette-Pinto e o retrato antropológico brasileiro (1905-1935), coedição das Editoras FGV e FIOCRUZ, analisa a trajetória e a obra de Roquette-Pinto enquanto antropólogo físico, com o interesse de compreender como seus estudos acerca das características físicas e psicológicas da população brasileira foram articulados para pensar a construção de um “retrato realista” sobre a formação racial do Brasil.
Roquette-Pinto há muito deixou de ser lembrado apenas como pioneiro do rádio no Brasil, e a importância e complexidade de sua atuação multifacetada têm despertado a atenção dos estudiosos há alguns anos, embora seja um personagem ainda pouco conhecido pela historiografia.
Considerado por seus contemporâneos como um importante protagonista no debate sobre as ideias raciais, Roquette-Pinto foi o “mestre ilustre” dos estudos antropológicos no Brasil, sendo um dos autores que teria contribuído para a maneira de conceber a miscigenação racial em termos positivos do sociólogo e ensaísta Gilberto Freyre, por exemplo.
Para o antropólogo, orientado por uma concepção fortemente cientificista e de cunho positivista, a realidade sobre a formação do Brasil só seria conhecida de fato quando a ciência levantasse os “dados objetivos”, conseguidos através do uso de tabelas, estatísticas e equações em suas pesquisas antropológicas, sobre as condições de vida e as características gerais da população de diferentes regiões do país, fosse ela composta por negros, mulatos ou brancos, pobres ou abastados, sertanejos ou litorâneos.
De maneira geral, o projeto intelectual lançado por Roquette-Pinto acerca dos estudos antropológicos visava também denunciar as deficiências e a falta de rigor científico na descrição da “realidade”, ou mesmo em relação à ausência de comprometimento com os interesses nacionais.
Essa conversão à ação política e a busca por esse “realismo científico” sobre o país estava ligada à percepção de que ainda sobrevivia entre os brasileiros uma fissura que dividia o chamado “Brasil real” do “Brasil legal”, o que impossibilitava, naquela época, uma descrição mais “objetiva” da realidade nacional e a formulação de projetos capazes de intervir nos problemas vividos pelos brasileiros.
A análise das atividades do brasiliano Roquette-Pinto como antropólogo físico, suas relações intelectuais, sua atuação na arena pública, bem como seu diálogo com a antropologia alemã e a norte-americana, são as principais contribuições desta obra para o debate historiográfico e antropológico.
Confira um trecho da introdução da obra:
"Venho das últimas gerações da monarquia. Assisti aos cinco anos às primeiras festas da República.
Penso que o país deve um grande serviço à minha geração: foi a primeira a descrer das “fabulosas
riquezas” do Brasil, para começar a crer nas “decisivas possibilidades do trabalho”. Recebemos a
noção de que um moço bem nascido e bem criado não devia precisar trabalhar... Ouvimos ainda o eco
dos eitos. Diziam-nos que nosso céu tem mais estrelas que os outros... Minha geração começou a contar
as estrelas. E foi ver se era verdade que nos nossos bosques havia mais vida. E começou a falar claro aos
concidadãos. Com minha geração, o Brasil deixou de ser um tema de lirismo (Roquette-Pinto, 1939).
A epígrafe, extraída de uma entrevista concedida por Roquette-Pinto no final da década de 1930, quando já era um antropólogo e intelectual amadurecido e prestigiado entre seus pares, pode ser lida como uma estratégia para distinguir e legitimar a atuação intelectual de sua geração. Contudo, ela também acaba sintetizando o modo como os homens de ciência de início do século XX encararam a necessidade de “descobrir” o Brasil em termos mais realistas. Não à toa, a construção de “retratos”, “instantâneos” e “imagens” sobre a realidade do país tornou-se, nessa época, bastante comum entre os brasileiros, especialmente em relação à sua história, à sua geografia, à sua economia, à sua política e ao seu povo. Para Roquette-Pinto, essa busca pelo Brasil implicava, antes de tudo, na elaboração de um retrato antropológico capaz de revelar, de forma empírica e objetiva, as características raciais da população brasileira. Essa tentativa de decifrar o enigma antropológico chamado Brasil se transformaria, inclusive, em seu principal estímulo intelectual nas primeiras décadas do século XX.
Formado em medicina, com treinamento especializado no campo da antropologia física, o retrato do Brasil delineado por Roquette-Pinto se basearia profundamente nos métodos e concepções científicas oriundas das ciências naturais. Ao contrário de boa parte dos chamados “intérpretes” do Brasil, que de maneira geral elaboravam seus trabalhos em forma de ensaios impressionistas, ou mesmo por meio da literatura, Roquette-Pinto foi um cientista preocupado com o estudo empírico, com o trabalho etnográfico e a coleta de dados, chegando mesmo a lançar mão de experimentos realizados em laboratórios. Orientado por uma concepção fortemente cientificista, de cunho positivista, seus estudos se caracterizariam pelo uso exaustivo de tabelas, dados estatísticos, equações, medidas antropométricas e outras informações coletadas por meio de suas pesquisas antropológicas com populações de diferentes regiões do país. Para esse autor, a realidade sobre a formação do Brasil só seria conhecida de fato quando a ciência levantasse os “dados objetivos” sobre as condições de vida e as características gerais de sua população, fossem eles negros, mulatos ou brancos, pobres ou abastados, sertanejos ou litorâneos.
De maneira geral, o projeto intelectual lançado por Roquette-Pinto acerca dos estudos antropológicos visava também denunciar as deficiências e a falta de rigor científico na descrição da “realidade”, ou mesmo em relação à ausência de comprometimento com os interesses nacionais (Roquette-Pinto, 1929).
Essa conversão à ação política e a busca por esse “realismo científico” sobre o país estava ligado, pode-se dizer, à percepção de que ainda sobrevivia entre os brasileiros uma fissura que dividia o chamado “Brasil real” do “Brasil legal”, o que impossibilitava uma descrição mais “objetiva” da realidade nacional e a formulação de projetos capazes de intervir nos problemas vividos pelos brasileiros.
Embora seja um personagem ainda pouco conhecido pela historiografia, Roquette-Pinto foi considerado por seus contemporâneos como um importante protagonista no debate sobre as ideias raciais. Para o sociólogo e ensaísta Gilberto Freyre, por exemplo, Roquette-Pinto foi o “mestre ilustre” dos estudos antropológicos no Brasil, sendo um dos autores que teria contribuído para a sua maneira de conceber a miscigenação racial em termos positivos (Freyre, 1946 [1933], 17-18). Sua notoriedade no campo da antropologia física era atribuída tanto ao seu interesse pelo conhecimento da etnografia indígena, da vida sertaneja e da classificação dos “tipos antropológicos” brasileiros quanto da miscigenação racial, da eugenia e da imigração. Posteriormente, seu nome tornou-se mais conhecido por sua atuação na área da comunicação, da divulgação científica e da educação, devido principalmente
às suas realizações como fundador da Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, em 1923, e à sua atuação como diretor do Instituto Nacional de Cinema Educativo, cargo que ocuparia entre 1936 e 1946. Contudo, durante as primeiras décadas do século XX, boa parte de sua produção intelectual e científica foi mesmo dedicada ao estudo da formação antropológica brasileira.
Analisar a trajetória e a obra de Roquette-Pinto enquanto antropólogo físico é justamente o objetivo deste livro. (...) articulando a militância nacionalista de Roquette-Pinto, sua atuação pública e seu diálogo com o pensamento antropológico da época."
Em busca do Brasil: Edgard Roquette-Pinto e o retrato antropológico brasileiro (1905-1935)
Autor: Vanderlei Sebastião De Souza