Arquivo de Junho 2017

  • Postado por editora em em 20/06/2017 - 11:26

    Nas negociações com os grandes laboratórios, os governos de grandes países não inovadores teriam maior poder de barganha do que os governos dos gigantes inovadores entre os países emergentes. Como isso é possível? A resposta é que somente os grandes países não inovadores podem, na prática, consistentemente empregar uma estratégia para “driblar” a proteção patentária de fármacos prevista no Acordo TRIPS, e essa estratégia é a constante ameaça de decretação de licenciamentos compulsórios.

    O livro Líderes improváveis: a batalha dos países em desenvolvimento pelo acesso a medicamentos patenteados, de Bruno Meyerhof Salama e Daniel Benoliel, discute o tema de maneira comparada, enfocando os determinantes econômicos, políticos e jurídicos que vêm colocando países como Brasil, Tailândia, Malásia e África do Sul na improvável posição de líderes.

    Confira uma parte da apresentção da obra:

    "Hoje são frequentes as notícias sobre avanços científicos e terapias que melhoraram a vida dos portadores de diversas doenças, especialmente dos portadores do vírus HIV. Mas essas notícias, de todo auspiciosas, jamais puderam encobrir o drama das disputas entre governos dos países em desenvolvimento e grandes laboratórios farmacêuticos acerca do acesso, pelos primeiros, a medicamentos patenteados pelos segundos. Foi o interesse por tais disputas, e pelo seu entrelaçamento com a regulação internacional da proteção da propriedade intelectual, que há quase 10 anos pôs em marcha a concepção desta obra.
    Naquele momento havia um enigma a ser resolvido. Desde a criação da Organização Mundial do Comércio (OMC), em 1994, os sistemas rígidos de patentes foram, ano após ano, abrangendo um número cada vez maior de países em desenvolvimento. Embora isso representasse maiores custos de acesso desses países a medicamentos de ponta originários do mundo desenvolvido, tal aumento se dava de forma bastante desigual: alguns países conseguiam negociar reduções importantes no preço de compra dos medicamentos patenteados; outros, não.
    Além disso, era particularmente curioso que alguns países em desenvolvimento negociassem com os grandes laboratórios valendo-se de uma tática bastante agressiva, a saber, a reiterada ameaça de decretação (e pontualmente, a efetiva decretação) de licenciamentos compulsórios sobre as fórmulas patenteadas dos medicamentos. O licenciamento compulsório força o titular da patente a licenciá-la a pessoa legitimada para produção local ou importação de cópias genéricas em troca de um pagamento abaixo do preço de mercado.
    Licenciar compulsoriamente é, portanto, uma ação unilateral de um governo nacional que permite o arbitramento para baixo do valor dos royalties a serem pagos ao titular da patente. Ora, se a legislação internacional sobre o licenciamento compulsório era igual para todos os países em desenvolvimento, por que apenas alguns deles ameaçavam realizá-lo?
    Três hipóteses poderiam ser descartadas desde logo. Uma era a de que os países com maiores necessidades humanitárias seriam aqueles a recorrer ao licenciamento compulsório com maior frequência. A legislação internacional aplicável ao tema sugere que assim deva ser, mas assim jamais foi. É bem verdade que há casos em que países pobres com graves problemas de saúde pública recorreram ao expediente do licenciamento compulsório. E há mais: especialmente após a chamada Declaração de Doha sobre o Acordo TRIPS e Saúde Pública – um pronunciamento oficial da OMC, em 2001, sobre o uso de flexibilidades para promover acesso a medicamentos essenciais no mundo em desenvolvimento – o direito aplicável reforçou a legitimidade dessas medidas unilaterais. Contudo, as evidências não sugerem a existência de paralelo claro entre necessidade de medicamentos patenteados e uso de licenciamentos compulsórios.
    Outra hipótese era a de que a estratégia negocial dependeria basicamente do tamanho dos mercados de cada país em desenvolvimento, de sorte que as grandes nações emergentes seriam aquelas mais propensas a ameaçar a concessão do licenciamento compulsório por conta da sua força e do seu peso econômico. Embora fosse verdade que os pequenos e médios países em desenvolvimento de modo geral evitassem o uso de licenciamentos compulsórios e isso especialmente por conta das ameaças de retaliação dos governos dos protetivos países-sede dos grandes laboratórios –, entre as grandes nações emergentes tudo indicava que a disposição para realizar licenciamentos compulsórios era mais comum entre aqueles países menos propensos a inovar em fármacos. Ou seja, o tamanho e peso econômico do país parecia ser um ingrediente, mas não toda a história.
    Finalmente, a terceira hipótese a ser descartada era a de que o emprego dos licenciamentos compulsórios seria função apenas da vontade política dos governos de cada país. É óbvio que as circunstâncias locais importam, que a política é predominantemente local (e não global) e que sem iniciativa e
    liderança políticas nada se faz. Mas se tudo se explicasse apenas pela política interna, por que mudanças de regime muitas vezes não traziam significativas alterações de estratégia negocial dos países? Algo estava faltando.
    Para os brasileiros, a questão sempre foi especialmente instigante. A partir do fim da década de 1990, o Brasil passou a figurar na literatura internacional como protótipo do negociador agressivo na área de fármacos – esse, aliás, um perfil nada condizente com o conhecido estereótipo de “homem cordial”.1 Em diversas ocasiões, o governo brasileiro ameaçou licenciar compulsoriamente as fórmulas dos medicamentos patenteados para permitir a posterior produção de genéricos por laboratórios nacionais, tanto públicos quanto privados. Foi o que ocorreu, notoriamente, nas negociações pelo preço dos medicamentos integrantes do “coquetel” de medicamentos contra a Aids, como o Nelfinavir, o Gleevec e o Efavirenz nas compras pelo sistema público de saúde brasileiro, o Sistema Único de Saúde (SUS). No caso do Efavirenz, uma licença compulsória foi de fato decretada pelo Brasil em 2007 e renovada em 2012. O caso brasileiro forneceu, então, o ponto de partida para pensarmos de forma organizada sobre a dinâmica negocial entre governos de países em desenvolvimento e grandes laboratórios farmacêuticos. Inicialmente éramos ainda colegas fazendo doutoramento na Universidade da Califórnia, em Berkeley, vizinhos de quarto no mesmo alojamento de estudantes. O projeto só decolou alguns anos depois, quando já éramos jovens professores de direito, um na FGV Direito SP e o outro na Universidade de Haifa, em Israel. Este livro resulta dessa empreitada."

     

    Líderes improváveis: a batalha dos países em desenvolvimento pelo acesso a medicamentos patenteados

    Autores: Bruno Meyerhof Salama, Daniel Benoliel

     

  • Postado por editora em em 09/06/2017 - 12:35

    Crime e política: corrupção, financiamento irregular de partidos políticos, caixa dois eleitoral e enriquecimento ilícito

    Esta coletânea, cuidadosamente editada por Alaor Leite e Adriano Teixeira, busca enfrentar, a partir da perspectiva do direito penal, algumas das questões centrais no combate à corrupção, como financiamento de campanha, caixa dois, enriquecimento ilícito e recuperação de ativos. Por intermédio de uma análise comparada, levada a cabo por autores alemães, brasileiros, espanhóis e portugueses, a presente obra amplia o nosso conhecimento sobre o repertório de ferramentas jurídicas e posturas institucionais voltadas a enfrentar práticas ilegais e abusivas que desafiam cotidianamente nossas democracias.

    Com a Lava Jato de vento em popa, crimes associados ao exercício da função pública, ao processo eleitoral, ao exercício do mandato eletivo estão “quentes” nos debates públicos. A sociedade brasileira se indigna contra a corrupção, mas falta consistência nas propostas de reformas legais e institucionais capazes de assegurar maior eficiência do sistema penal, transparência e controle do financiamento de campanha, dos procedimentos licitatórios e dos meandros da regulamentação estatal da atividade econômica. Está em questão a democracia, fragilizada pela promíscua relação entre o setor público estatal e o setor privado no Brasil.

    Recorrendo à experiência estrangeira, os autores tratam dos aspectos penais e tributários da corrupção, da criminalização autônoma do enriquecimento ilícito e do financiamento irregular de campanhas eleitorais, entre outros temas. Em meio ao turbilhão da crise política, das operações policiais matinais que sempre adiam a perspectiva do fundo do poço, revela-se o essencial papel balizador da dogmática penal sobre a atividade judicial e legislativa.

    Quando uma doação eleitoral corresponde a uma propina? Qual é a relação entre corrupção e caixa dois? Há especificidades do crime de corrupção quando o funcionário é agente político? O fato de a vantagem destinar-se a uma despesa eleitoral ou à compra de um bem é juridicamente relevante? O voto do deputado em projeto de lei de interesse de doador de campanha pode ser ato de corrupção? Qual deve ser a relação entre a vantagem e o exercício da função pública? A promessa de contrapartida deve ser explícita e determinada ou pode ser velada e genérica?

    Este livro tem o mérito de tratar de temas atuais e complexos com racionalidade, enfrentando as perguntas certas, sem cair na ilusória tentação das respostas fáceis e definitivas.

    Confira a apresentação da obra:

    "A complexa relação entre crime e política, binômio que dá título a esta coletâ­nea, está longe de representar propriamente uma novidade. O presente livro, em seu inevitável recorte, quer captar apenas alguns aspectos dessa multi­facetária relação. Em primeiro lugar, o livro cuida dos aspectos estritamen­te jurídico-penais da atividade política — “crime”. Os aspectos processuais, eleitorais e constitucionais refogem à abordagem proposta e serão tratados apenas de passagem. A inescapável polissemia do termo “política” impõe, em segundo lugar, uma definição: “política” quer significar, no presente contexto, atividade político-partidária e exercício de mandato eletivo.1 Os crimes come­tidos no contexto da atividade político-partidária e no exercício de mandatos eletivos constituem, assim, objeto de cuidado deste livro. Aqui não se cuidará dos chamados crimes de responsabilidade, previstos na Lei nº 1.079/1950, que possuem uma natureza jurídica um tanto controvertida e que ocuparam há não muito tempo a atenção do grande público e dos juristas.

    Não há como negar que, no Brasil, os debates públicos — políticos, jorna­lísticos, jurídicos — em torno da relação entre crime e política nunca foram tão candentes como nos dias de hoje. Não há como negar, igualmente, que o debate deve ser travado a partir de nossas especificidades.2 A autoridade tradicional, fundada no patrimonialismo, e as formas carismáticas de domi­nação, antípodas dos Estados burocráticos baseados na razão, na “dominação pela legalidade” e na separação estrita entre o público e o privado,3 encon­traram por essas bandas “cordiais” uma expressão bastante peculiar.4 Uma inusitada conferência de fatores fez com que a democracia, entre nós, não passasse “de um lamentável mal-entendido”.5 Aconteceria com Max Weber, nessas terras, o que aconteceu com Descartes em sua visita aos trópicos no período de dominação holandesa, no romance-ideia de Leminski, o Catatau: assistiria sua iluminada razão fracassar ante o primeiro Tamanduá que pas­sasse. A discussão que se propõe insere-se, portanto, num contexto, que deve ser explicitado por estes organizadores.

    Esse contexto, por sua vez, possui várias facetas. A AP 470 julgada pelo Supremo Tribunal Federal, o “caso mensalão”, constitui verdadeiro point of no return da discussão brasileira sobre temas como a corrupção e o chama­do caixa dois eleitoral, e se afigura, certamente, como o impulso inicial para discussão. A esse rumoroso caso seguiu-se, como é cediço, uma vigorosa atuação de órgãos de persecução, que após recebeu a alcunha de “Operação Lava Jato”, em cujo bojo investigam-se, entre outros, crimes de corrupção. O enfrentamento da corrupção, há pouco, tornou-se objeto de ambiciosa proposta legislativa, capitaneada pelo Ministério Público Federal, as tais “10 Medidas Contra a Corrupção”, amplamente divulgadas. A iniciativa do MPF integra atualmente o Projeto de Lei no 4.850/2016, em trâmite na Câmara dos Deputados.7 O conteúdo original das medidas, é verdade, foi em parte alterado no contexto da discussão parlamentar. A proposta de novos tipos penais como o caixa dois eleitoral e o enriquecimento ilícito, bem como a ele­vação da corrupção a crime hediondo, permanecem, todavia, no Projeto de Lei no 4.850/2016.8 No contexto da discussão parlamentar, surgiu, ainda, uma sub-reptícia e delirante discussão sobre a possibilidade de anistia para o cha­mado caixa dois eleitoral, a aparentemente corriqueira prática de contabili­dade paralela em partidos políticos.9 Parcela de nossa ciência, compreensivel­mente insurreta, vociferou contra as propostas de alteração sem, no entanto, oferecer, até o momento, razões técnicas que desaconselhem a consumação das propostas tais como elas estão — e estes organizadores creem que essas razões existem. Todo esse conturbado contexto descrito é acompanhado de perto pela mídia, que tem produzido um sem-número de matérias jornalís­ticas e artigos opinativos. Lamentavelmente, raramente se escapa do sedutor cantochão, de renitente antífona: “é preciso combater a corrupção”. É natural que um movimento que declara combater a corrupção ganhe o apoio incon­dicional da população.

    As propostas, louváveis em seus propósitos, não se apresentam, contudo, livres de equívocos e de outros desafios de natureza jurídica, que escapam por vezes aos olhos da mídia e da população. Daí a necessidade de uma ciência jurídica. A ciência, em seu mister fiscalizador em tempos de reforma,10 não se presta a conceder seu “incondicional apoio” a nenhuma proposta legislativa, eis que sua vocação consiste precisamente em verificar, em minudente escru­tínio, a consecução técnica dos anseios político-criminais do legislador, por melhores que estes se apresentem. A ciência, assim, deve “apoiar” mudanças legislativas sob a condição de que estas se revelem, a um só tempo, legítimas, necessárias e estejam em consonância com o ordenamento jurídico nacio­nal.11 Mais do que isso, os temas discutidos aqui possuem uma relevância em si, que não se esgota no mero fato de constituírem objeto de contingencial proposta legislativa. A proposta legislativa existente, naturalmente, é um en­sejo para a discussão, mas não a limita. Seria possível e mesmo necessário discutir a relação entre crime e política ainda que inexistentes quaisquer pro­postas legislativas. A rigor, uma discussão científica profunda prévia a qual­quer proposta legislativa representaria o cenário ideal para qualquer reforma.

    O objetivo da presente coletânea é estabelecer as bases para uma discussão racional dos problemas relacionados com a corrupção, com o financiamento irregular de partidos políticos, com o caixa dois eleitoral, com o enriqueci­mento ilícito e, por fim, com a recuperação de ativos. Essa discussão deve na­turalmente preceder ou acompanhar qualquer iniciativa legislativa séria. Se é verdade que nosso contexto específico faz com que a discussão ganhe con­tornos próprios, não é recomendável, de outro lado, ignorar o intenso debate internacional a respeito desses temas que, nesse momento, afligem o direito penal brasileiro. Não deixa de ser surpreendente que não se leia em lugar algum, muito menos nas justificativas oferecidas pelos proponentes das leis, uma linha sequer sobre o aquecido debate mundial. Questões centrais das

    O livro divide-se em cinco eixos: 1) corrupção; 2) financiamento de cam­panha; 3) caixa dois e infidelidade patrimonial; 4) enriquecimento ilícito; e 5) recuperação de ativos.

    O primeiro eixo da presente obra é dedicado ao estudo da corrupção. Luís Greco e Adriano Teixeira, no texto que abre este volume, esboçam uma teo­ria da corrupção, a partir da investigação do conteúdo de injusto específico desse delito. Com base na delimitação da substância do crime de corrupção, propõem os autores uma interpretação dos tipos penais existentes em nosso Código Penal. Gustavo Quandt também se dedica à interpretação e determi­nação do alcance de nossos tipos penais de corrupção, analisando a relevân­cia jurídico-penal da compra de boas relações junto ao poder público, tema relevante tanto no contexto da Ação Penal 470/STF quanto na “Operação Lava Jato”.13 O professor espanhol Miguel Díaz y García Conlledo trata da importante e muitas vezes mal compreendida relação entre responsabilidade penal e responsabilidade política. Outro tema pouco explorado, porém de suma relevância, que diz respeito às consequências tributárias da prática do crime de corrupção, é o objeto das reflexões de Heloisa Estellita e Aldo de Paula Júnior. Esses autores ainda mostram como mecanismos de natureza administrativa, a chamada “prevenção técnica”,14 como de exigência e con­trole de escrituração contábil, embora mais discretos, prometem uma maior efetividade no legítimo anseio de “combate” à corrupção, se comparados a medidas de tonalidade mais popularescas e simbólicas, tais como o aumento de pena e a inclusão da corrupção no rol dos crimes hediondos.

    O segundo bloco temático reúne contribuições acerca do tratamento ju­rídico-penal do financiamento (irregular) de campanhas. Não se trata aqui da discussão acerca dos variados modelos de financiamento de campanha, debate travado entre os colegas do direito eleitoral, constitucional e da ciên­cia política, mas tão somente da análise de como o financiamento de parti­dos políticos ou de campanhas pode adquirir relevância para o direito penal. O primeiro texto, da lavra dos organizadores deste livro, Alaor Leite e Adriano Teixeira, enfrenta esse problema com os olhos voltados para o ordenamento brasileiro jurídico vigente e se propõe a ser, também, um breve comentário à proposta de criminalização do “caixa dois eleitoral” no âmbito das “10 Me­didas Contra a Corrupção”, estampadas no PL no 4.850/2016.15 A professora espanhola Inés Olaizola Nogales, por sua vez, trata da mesma questão sob o ponto de vista do direito espanhol, trazendo não só a já avançada discussão travada na Espanha, mas também os resultados de suas reflexões desenvol­vidas em sua interessante monografia.16 Fechando a seção, Bruno Moura nos traz um instrutivo relatório sobre o crime de financiamento de campanhas políticas em Portugal, comentando criticamente não só o quadro normativo vigente, mas também traçando um panorama da evolução da legislação por­tuguesa da temática.

    O eixo seguinte tem como objetivo mostrar ao leitor brasileiro um modelo ou uma forma distinta do tratamento jurídico-penal do caixa dois eleitoral, a saber, sob a luz do crime de infidelidade patrimonial, delito considerado o “mais importante do direito penal econômico moderno”,17 de longuíssima tradição na Alemanha e de recente relevância em países como Espanha e Portugal, contudo ainda inexistente como tal no ordenamento jurídico-bra­sileiro. Por essa razão, os organizadores deste livro, Alaor Leite e Adriano Teixeira, abrem essa seção com um texto cujo objetivo é introduzir o leitor brasileiro ao delito de infidelidade patrimonial, explicando sua relação com o financiamento irregular de partidos ou com o “caixa dois eleitoral”.18 A ex­periência mais profícua no âmbito desse tema, a da Alemanha, é nos passada pelo maior especialista da matéria, Bernd Schünemann, professor emérito da Universidade de Munique, que traça um panorama crítico da jurisprudência alemã sobre o “caixa dois”. A perspectiva espanhola nos é apresentada por Nuria Pastor e Ivo Coca Vila, que recentemente publicaram monografia de fôlego sobre o crime de infidelidade patrimonial no direito espanhol.19

    A quarta parte deste volume dedica-se a uma proposta específica constan­te das “10 Medidas Contra a Corrupção”, mantida no PL no 4.850/2016, qual seja, a criminalização do enriquecimento ilícito. Luís Greco apresenta suas reflexões iniciais sobre o tema, fornecendo argumentos favoráveis, mas tam­bém objeções importantes a serem vencidas para que a criminalização do en­riquecimento possa se dar de forma legítima. Os quatro textos restantes são da lavra de importantes autores portugueses: Jorge de Figueiredo Dias, José de Faria Costa, Manuel da Costa Andrade e Pedro Caiero. A escolha de qua­tro textos de grandes nomes de Portugal não é aleatória: em 2012 aprovou-se em Portugal a lei que criminalizou o “enriquecimento ilícito”. Tal delito, no entanto, já teve sua constitucionalidade questionada perante a Corte Consti­tucional. O debate, portanto, não poderia ser mais candente. O insigne pro­fessor de Coimbra, Figueiredo Dias, inclui a discussão sobre a criminalização do enriquecimento ilícito em uma reflexão mais ampla sobre a relevância da teoria do bem jurídico no direito penal e constitucional atuais. Os demais autores, com percuciência, apresentam fortes críticas a essa ação criminaliza­dora do legislador português.

    A última parte deste volume que ora apresentamos trata de um tema me­nos badalado, que atrai menos a atenção do debate público que os temas que circundam as “10 Medidas Contra a Corrupção”, mas que, no entanto, possui enorme relevância prática: o instituto da recuperação de ativos ou perda de vantagens. O professor português Pedro Caeiro investiga o sentido e a função do instituto da perda de vantagens relacionadas com o crime, refletindo sobre suas insuficiências e cotejando com outros mecanismos destinados à preven­ção da criminalidade reditícia. O mote da reflexão de Caeiro é o “Projeto Fênix”, da Procudadoria-Geral da República de Portugal, da qual foi consul­tor externo. Em relação ao direito brasileiro, Guilherme Lucchesi analisa a proposta do MPF do “confisco alargado” e da “ação de extinção de domínio”, e mostra que o suposto transplante de institutos do moderno direito norte­-americano não passa de embuste, pois o instituto proposto assemelha-se, na realidade, a uma figura arcaica da commom law, há muito abandonada. Além disso, o jurista paranaense questiona a compatibilidade do (verdadeiro) con­fisco americano com a ordem jurídica brasileira.

    A coletânea Crime e política é expressão de outro binômio de grande rele­vância, e que vive em constante tensão — ou mesmo em oposição —, a saber: ciência e política. Não à toa, Max Weber dedicou a esse binômio dois escritos memoráveis, Ciência como vocação e Política como vocação.20 A verdadeira ciência deve cumprir, com inegociável independência, seu ideal preventivo de avaliação crítica de qualquer movimento legiferante que a política ofere­ce.21 Ao leitor não terá escapado uma particularidade desta nova tentativa de reforma penal: a atividade política, inafastável meio de que qualquer propos­ta legislativa democrática deve se valer, é, agora, também o alvo por excelên­cia da lei penal do porvir. Aqui, mais um motivo para a ciência permanecer vigilante em seu apelo por razão, especialmente ali, onde o arbítrio é senhor  — o sono da razão produz monstros, convém não esquecer do que consta da famosa ilustração de Goya.

    Os organizadores gostariam de, por fim, agradecer aos colegas Heloisa Estellita, Nuno Brandão e Bruno Moura, que auxiliaram na escalação do no­tável plantel que compõe este livro, e também à editora da Fundação Getu­lio Vargas, nas pessoas de Marieta de Moraes Ferreira e Ronald Polito, pelo apoio editorial."

    Crime e política: corrupção, financiamento irregular de partidos políticos, caixa dois eleitoral e enriquecimento ilícito