Início

  • Postado por editora em em 10/10/2023 - 09:49

    Mais uma vez na Primavera dos Livros.

    Entre os dias 26 e 29 de outubro, das 10 às 19h, venha nos visitar na Primavera dos Livros do Rio, nos Jardins do Museu da República, Catete - Rio.

    Estaremos no estande nº 35 e 36

    O evento cultural, que já faz parte do Calendário Oficial da Cidade, será super especial, com programação cultural intensa e nós faremos parte também dos eventos.

    No sábado, dia 27 de outubro, às 17h30, Renata Figueiredo Moraes, autora do livro As festas da abolição no Rio de Janeiro (1888-1908), participará da mesa Ancestralidade, memória e afeto, com mediação de Henrique Marques Samyn, e participção Sonia Rosa, Janaina Damasceno e Rafael Freitas da Silva.

    Estamos esparando sua presença!

     

  • Postado por editora em em 07/08/2023 - 10:59

    Em 2023, a Bienal Internacional do Livro do Rio de Janeiro completa 40 anos. Valiosa por manter o livro no centro da cena cultural brasileira, como experiência ampliada, gregária, compartilhada, inovadora e multimídia, é uma celebração única e aparece com destaque no rol dos maiores eventos literários do mundo.

    Entre os dias 1 e 10 de setembro, o Riocentro sedia a festa da cultura, da literatura e da educação e proporciona o grande encontro do público com o astro principal: o livro.

    E claro que a Editora FGV não poderia estar de fora dessa celebração à leitura. Todas as nossas principais obras estarão reunidas em um estande montado especialmente para receber os visitantes nesta edição especial da Bienal do Rio.

    Esta é uma ótima oportunidade para conhecer nossos lançamentos, conferir as Novas Coleções FGV Management e encontrar várias obras publicadas nas diversas áreas do conhecimento que atuamos.

    Nesta edição, teremos uma seção especial com livros por R$20,00.

    Estaremos no Pavilhão Verde, Rua T, Estande 33 | Pertinho do Café Literário.

    RIOCENTRO: Avenida Salvador Allende, 6555, Barra da Tijuca

     HORÁRIOS DE FUNCIONAMENTO

    01 de setembro sexta-feira 09h às 21h

    02 de setembro sábado 10h às 22h

    03 de setembro domingo 10h às 22h

    04 de setembro segunda-feira 09h às 21h

    05 de setembro terça-feira 09h às 21h

    06 de setembro quarta-feira 09h às 21h

    07 de setembro quinta-feira 09h às 22h

    08 de setembro sexta-feira 09h às 22h

    09 de setembro sábado 10h às 22h

    10 de setembro domingo 10h às 22h

     

    PAVILHÕES

    Pavilhão das Artes – Bilheteria/Credenciamento, Balcão de informações;

    Laranja – Espaço infantil Uma grande aventura leitora, Boulevard Literário e Praça de Alimentação;

    Azul – Palavra-Chave e Praça de Autógrafo;

    Verde – Café Literário, Estação Plural, Auditório Expositores, Loja oficial, SAC e Ponto de Encontro, Praça de Alimentação e o nosso estande.

     

    Mais informações sobre a Bienal em bienaldolivro.com.br

     

  • Postado por editora em em 05/07/2023 - 11:31

    A educação básica sofreu uma série de intervenções nos últimos anos. A Base Nacional Comum Curricular (BNCC), as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores e BNC Formação, o Novo Ensino Médio, a alteração do Programa Nacional do Livro e do Material Didático (PNLD), submetendo-o à BNCC, são algumas dessas intervenções. Essa onda normativa, que atingiu os currículos, os materiais escolares e a formação de professores, é justificada, por seus defensores, em razão dos resultados ruins obtidos em avaliações massivas. Vivemos em uma época em que se produzem normativas para a escola sem considerar de fato quem está no dia a dia da sala de aula.
    O livro de Renata Augusta Silva chega em boa hora e participa desse debate. A autora se pergunta: a quem cabe formar o(a) professor(a) de história? Para responder, realiza um estudo denso sobre os cursos de licenciatura de três instituições do Rio de Janeiro.
    Analisa os currículos, entrevista professores e dialoga com pesquisadores que trabalham com a categoria de saberes docentes e que pesquisam a profissão professor. As várias respostas que dá no livro ajudam a pensar na construção de um ethos profissional.
    Convido à leitura. Trata-se de uma boa contribuição para os campos da educação e da história. (Texto de orelha do professor da Unirio Marcelo de Souza Magalhães_).

    Confira, a seguir, parte da introdução da obra:

     

    Diálogos com o ensino de história
    Nas últimas décadas, houve um crescimento dos estudos sobre o ensino de história. Inúmeras publicações de livros e coletâneas sobre o tema comprovam esse crescimento. Apesar disso, grande parte das pesquisas sobre ensino de história é desenvolvida nos programas de pós-graduação de educação; os programas de história acolhem ainda muito timidamente projetos de pesquisa na área. No Brasil, são poucos os programas de história que possuem como linha de pesquisa o ensino de história.
    O campo de pesquisa em ensino da história se tornou, de fato, muito abrangente, abordando temas que, por perspectivas diversas, vão ao encontro dos novos paradigmas de interpretação do passado, dos novos objetos e problemas. Um bom exemplo dessas abordagens são os eixos temáticos estruturados nos últimos encontros nacionais de pesquisadores do ensino de história (Enpeh): currículo e ensino de história, formação de professores e saberes docentes, a formação da consciência histórica, ensino de história nas Américas e das Américas, educação histórica, história da história ensinada, juventude e ensino de história, a cultura escolar, práticas de memórias e espaços educativos, ensino de história e diversidade cultural.
    A efervescência desses estudos se deve, em parte, à inquietação de professores de história da educação básica e universitários que têm trabalhado cada vez mais com o propósito de expandir a pesquisa nos programas de pós-graduação em educação e história.
    No Brasil, tem sido cada vez maior o número de professores em pleno exercício docente em escolas de educação básica dialogando e produzindo saberes em parceria com pesquisadores da educação superior. Autores como D. Schön (1995), T. Popkewitz (1995) e A. Nóvoa (1995) apontam para a necessidade de o professor integrar em seu fazer pedagógico a ação e a reflexão para conseguir desvendar a complexidade do seu trabalho.
    Essas pesquisas contribuíram enormemente para mudar o perfil do trabalho docente em sala de aula. Numa relação dialética, uma geração de professores de história influenciou e foi influenciada por esses trabalhos. O ensino de história mudava, ganhava novas cores e contornos. De maneira geral, as pesquisas do campo do ensino de história se direcionavam ao saber histórico escolar. Eram poucos os estudos sobre a formação inicial dos professores nos cursos de história. Apesar do avanço desse debate, ainda costumamos ouvir de professores com muitos anos de magistério como foi difícil a entrada na profissão e as dificuldades que até hoje enfrentam em seu cotidiano. Entre as muitas dúvidas que esses professores carregam está a questão de como mobilizar tudo que aprendemos na universidade no cotidiano em sala de aula. Quais as relações entre saber acadêmico e saber escolar? Como a formação inicial nos ajuda a construir uma profissionalidade docente? Como e quando de fato nos tornamos professores de história?
    O aquecimento do debate a respeito das questões de ensino vem acompanhando as mudanças ocorridas na história recente do país. As décadas de 1980 e 1990 foram marcadas pela redemocratização. A vitória de partidos de oposição à ditadura civil-militar pareceu um momento propício para iniciar um processo de revisão curricular. Era necessário resgatar o papel da história no currículo, da disciplina escolar e também da formação do profissional docente, antes, de certa forma aprisionados pela licenciatura curta em estudos sociais.
    Na década de 1990, o esforço do MEC, em conjunto com o Conselho Nacional de Educação (CNE), se dirigiu no sentido de formular diretrizes curriculares nacionais para a educação infantil, o ensino fundamental, o ensino médio, a educação profissional de nível técnico e a formação de docentes, em nível médio, na modalidade normal.
    Nesse contexto houve a reestruturação dos cursos de graduação em história. Essas mudanças estavam sendo influenciadas pelo debate internacional no campo da historiografia. Nas universidades brasileiras, os currículos das licenciaturas em história estavam sendo reformados. O tema de discussão nos departamentos de história era a renovação metodológica do ensino e da própria pesquisa historiográfica. As maiores influências vieram da história social inglesa, da nouvelle histoire, originada dos Annales e da Escola de Frankfurt. Surgiam novas questões, novas fontes, novos métodos e novas abordagens (Fonseca, 1993).
    No início dos anos 2000, o foco das políticas públicas se direcionou para a educação superior com a aprovação das Diretrizes Curriculares Nacionais dos Cursos de Graduação e das Diretrizes Curriculares Nacionais da Formação de Professores da Educação Básica em nível superior. Os currículos dos cursos universitários deveriam passar pelas reformulações apontadas pelas Diretrizes Curriculares Nacionais (Magalhães, 2006). A resolução CNE/CP no 1, de 18 de fevereiro de 2002, que institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores de Educação Básica (DCNFP), em nível superior, seria a base para a mudança dos cursos de licenciatura.
    O direcionamento para a reestruturação das licenciaturas estava dado. O final dos anos 1990 e o início dos anos 2000 foram marcados por intensos debates entre os historiadores. Esses debates relacionavam-se com as lutas dos historiadores contra as licenciaturas curtas e, paralelamente, com o impulso da profissionalização da pesquisa historiográfica. A primeira versão do texto das diretrizes de história foi feita por Ciro Flamarion Cardoso, Elizabeth Canceli e Margareth Rago. Nesse texto, fica evidente a indissociabilidade entre pesquisa e ensino, tendo como pressuposto que para ensinar história é preciso conhecer como se constrói o conhecimento na área. A resolução CNE/CES no 13, de 13 de março de 2002, estabelece as Diretrizes Curriculares Nacionais dos Cursos de História (DCNH), em que são definidas, entre outras coisas, as competências e habilidades gerais e específicas para os cursos de licenciatura em história.
    Diante desse cenário de mudanças, nas duas últimas décadas observamos o crescimento de pesquisas que têm buscado estudar a formação de professores de história. Recentemente, Caroline Pacievitch (2018) construiu um panorama desses estudos e apontou, como um primeiro aspecto, que raramente essas pesquisas são defendidas em programas de pós-graduação em história. Os programas de educação lideram esses trabalhos. Suas conclusões também revelam que os problemas das pesquisas normalmente giram em torno de: como se organizam os programas e projetos de formação inicial ou continuada de professores de história; as relações entre teoria-prática e ensino-pesquisa; e como os professores de história da educação básica constroem e mobilizam seus saberes. Elas sugerem alguns aspectos que ainda estariam em aberto e que precisariam ser mais explorados em futuras pesquisas. Entre eles está a construção de problemas de pesquisa que busquem reconhecer as tensões entre ensino-pesquisa e teoria-prática, sob novas formas de definição e compreensão. Além disso, a autora aponta a necessidade de investigar elementos ainda pouco explorados, como a investigação da formação docente cada vez mais com professores de História e com formadores de professores, incluindo principalmente as práticas pedagógicas destes últimos, um dos elementos menos explorados nas pesquisas da área [Pacievitch, 2018:28].
    Pensando sobre essas questões, entendemos que tais reflexões são de grande importância e apontam para o que ainda precisa ser explorado nos estudos sobre formação de professores de história.
    O desafio neste livro é buscar compreender os processos de reelaboração curricular que envolveram uma complexa relação entre as políticas públicas, os cursos de história e os professores desses cursos. Analisamos os cursos de história de três instituições públicas de ensino superior do Rio de Janeiro: Unirio, UFRJ e Uerj/FFP. A escolha dessas universidades se relaciona com o fato de possuírem cursos de história consolidados e com perfis diferentes. O curso de história da Unirio surgiu no início dos anos 2000, no contexto dos debates sobre a elaboração das diretrizes, fato que contribuiu para que grande parte de seu currículo fosse construído de acordo com as novas políticas. O curso da Uerj/FFP, do campus de São Gonçalo, criado nos anos 1990, tem como especificidade ser uma licenciatura, sem que a unidade ofereça também o curso de bacharelado. O curso de história da UFRJ é o mais antigo e ainda se encontra em fase de reestruturação.
    Para compreender esses processos, o capítulo 1 do livro percorre a história de construção dos espaços de formação de professores no Brasil, que dialogou com as demandas da educação básica e com as políticas educacionais ao longo do período republicano. Os pareceres e diretrizes curriculares do final dos anos 1990 e início dos anos 2000 foram o foco de nossa análise. A documentação oficial definia os principais aspectos para a construção dos paradigmas desejados para a formação de professores no Brasil.
    Nesse momento, ocorre a elaboração das Diretrizes Curriculares dos Cursos de História, alvo de intensos debates. O perfil que teriam os cursos de história estava no centro dessa discussão, que envolvia comissões de professores de todo o Brasil, a Anpuh e o MEC.
    A chamada “briga das diretrizes” relaciona-se com as diferentes expectativas para os currículos de graduação e é entendida aqui como uma disputa na construção de um novo ethos de formação nos cursos de história.
    A contextualização do debate travado por historiadores e associações em torno da elaboração das diretrizes nos conduziu para a construção da seguinte hipótese: as mudanças curriculares propostas acabaram por descortinar e trazer para a ordem do dia a necessidade de construir ou manter determinado ethos acadêmico, ou ethos de formação, que muitas vezes poderia estar em conflito com aquele desejado pelos sujeitos envolvidos na elaboração das políticas públicas.
    Em outras palavras, de alguma forma estariam sendo disputados entre os sujeitos envolvidos nos contextos de produção e de prática uma representação de formação ou de professor formador e também um modelo de professor de história, pautados fortemente pelo discurso da indissociabilidade entre ensino e pesquisa.
    A investigação sobre os saberes relacionados à docência nos cursos de história é o foco do capítulo 2. Este olhar sobre as docências universitárias foi motivado pela percepção de um estranhamento que muitos professores de história sentem no exercício de seu trabalho em sala de aula na educação básica. Para isso, proponho uma análise e um debate em torno do que chamamos de razão pedagógica dos cursos de graduação. A quem caberia formar um professor? Qual a intencionalidade da prática do docente universitário e o papel das disciplinas específicas neste processo? Tais indagações seriam alguns dos fios condutores da análise. Além das especificidades das disciplinas e de seus objetivos, é importante perceber as práticas epistemológicas que estariam definindo um determinado perfil de formação.
    O capítulo 3 analisa os percursos de formação de três cursos de história (Unirio, Uerj/FFP e UFRJ) a partir dos projetos pedagógicos, manuais, ementas e também de entrevistas feitas com professores, diretores e coordenadores. O processo de interpretação das políticas e reelaborações dos currículos foi marcado por debates e tensões, avanços e, em alguns casos, imobilismos que se arrastam até hoje. Não se tratava de uma simples adaptação ou não a uma legislação. Em nosso entendimento, as estratégias e os silenciamentos que estiveram relacionados aos processos de elaboração dos currículos dos cursos estariam contribuindo para a construção e consolidação de um determinado ethos de formação.
    Para compreender essa primeira etapa de formação ligada aos saberes disciplinares, é preciso analisar, além da construção curricular dos cursos de formação, o papel e a atuação do docente universitário e das disciplinas específicas que comporiam o chamado núcleo comum nos cursos de história; investigar um pouco mais os aspectos do chamado saber disciplinar ou domínio científico de uma determinada área do conhecimento que se daria, nesse primeiro momento de formação, nas licenciaturas em história.
    As entrevistas com os professores universitários responsáveis pelas disciplinas específicas de história (do Brasil, moderna, contemporânea, antiga etc.) foram fundamentais nesse processo de compreensão. Importava saber como esses professores pensam a formação de seus alunos e como dialogam com as propostas curriculares do curso.
    Os questionamentos giraram em torno de perguntas fundamentais para essa compreensão, por exemplo: como esses professores constroem seus cursos sabendo que em suas turmas estão matriculados, ao mesmo tempo, licenciandos e bacharelandos, pois a oferta das disciplinas, na maior parte dos cursos de história, contempla as duas formações? Que mudanças teriam ocorrido com a instauração da terminalidade própria das licenciaturas? E ainda, qual seria o papel dessas disciplinas específicas na formação? Estas e outras questões buscaram analisar o que esses professores estavam entendendo sobre o processo de formação de um professor de história e as relações entre suas práticas docentes e o ensino de história. Importava percebê-los não como sujeitos de práticas individuais, mas, sim, como sujeitos professores formadores inseridos em uma coletividade, organizados dentro de uma institucionalidade regida por regras próprias internas e externas, marcados por questões históricas e sociais. Todos esses aspectos estariam envolvendo a construção de um determinado ethos de formação, com características bem definidas.

     

    A quem cabe formar o(a) professor(a) de história?: os caminhos e debates em torno da construção de um ethos de formação

    Autora: Renata Augusta dos Santos Silva

     

  • Postado por editora em em 10/05/2023 - 10:38

    O livro As festas da abolição no Rio de Janeiro (1888-1908) demonstra como as comemorações do 13 de maio 1888 e ao longo da Primeira República criaram a possibilidade de novos tempos para os contemporâneos, especialmente para aqueles que experimentaram o acontecimento como vitória, expectativa e esperança.

    A pesquisa desenvolvida pela autora e historiadora Renata Figueiredo Moraes através de consultas de registros de 100 anos desta história localizados em jornais de intelectuais, músicos, artistas, moradores da Cidade – de várias cores -, em fotografias, livros e poesias, traz informações sobre a mobilização que envolveu o primeiro grande movimento social do Brasil e apresenta como as festas cívicas da Abolição, tanto nas semanas em torno do 13 de Maio de 1888 quanto ao longo da Primeira República, foram locais de muitas ações de agentes sociais diversos, inclusive ex-escravizados, e suas muitas bandeiras políticas por direitos, significados e memórias.

    Para marcar o lançamento da obra, a autora estará presente na Livraria Blooks de Botafogo, dia 26 de maio, às 19h.

    Confira o Prefácio da obra, do professor Leonardo Affonso de Miranda Pereira (PUC-Rio)

    O 13 de Maio de 1888, data da Abolição da escravidão no Brasil, tem sido, ao longo das últimas décadas, objeto de importantes controvérsias. Ao apontar para o caráter precário e incompleto da liberdade conquistada naquela ocasião, assim como para o destaque conferido à princesa Isabel no ato de suposta concessão dessa liberdade, parcelas significativas do movimento negro trataram, a partir das últimas décadas do século XX, de se afastar dessa efeméride, definindo uma data diversa para celebrar o orgulho negro no país: o 20 de Novembro, escolhido em homenagem à luta de Zumbi dos Palmares. Afirmam, com isso, o protagonismo negro na luta contra o cativeiro, assim como o caráter autônomo e radical dos ideais de liberdade por ele representado – em contraposição a uma vitoriosa memória oficial que, ao longo do tempo, acabou por desvincular a chamada Lei Áurea das muitas lutas dos escravizados por sua própria liberdade.
    É dessas disputas de memória que trata este livro. Sem deixar de corroborar as preocupações e cuidados que alimentaram as críticas às imagens tradicionais sobre o 13 de Maio, Renata Moraes desenvolve uma reflexão que retoma esse debate, centrando-se nos sentidos assumidos pela data em seus primeiros tempos. Baseado em investigação empírica vasta e original, o livro aponta, por um lado, para o início do processo de afirmação de uma memória unívoca sobre a Abolição, que tentava apagar a importância das lutas negras ao longo das décadas anteriores; por outro, para o modo particular como diversos grupos do período, como os próprios trabalhadores negros, trataram de celebrá-la, conferindo-lhe sentidos particulares. Não se trata, portanto, de um estudo sobre o processo abolicionista em si, mas sim sobre o modo como a data da Abolição foi disputada por grupos sociais diversos, em processo que se estendeu pelas duas primeiras décadas da República.
    Surpreende, já de início, a exposição detalhada, na primeira parte do livro, do deliberado esforço de afirmação, por parte das elites políticas e intelectuais o Rio de Janeiro, de uma memória unívoca sobre aquela celebração. Por um lado, a própria família imperial tentava impor sua centralidade no ato através de representações imagéticas e escritas. Ao definir a liberdade como uma espécie de benesse dada pela princesa Isabel aos escravizados, promoveu a celebração da assinatura da lei em uma grande missa campal, buscando ligar a Abolição ao sentimento cristão da caridade e à lógica paternalista da concessão. Ao mesmo tempo, redatores, diretores e proprietários das grandes folhas da Corte, com a pena na mão, tratavam de se colocar, já nos dias seguintes à assinatura da lei, como protagonistas maiores da luta pela liberdade. Sem deixar de assinalar o papel destacado da princesa Isabel, definiam o abolicionismo como um movimento ilustrado, supostamente patrocinado por eles mesmos, desconsiderando por completo as experiências e lutas dos próprios escravizados, definidos como simples beneficiários da benesse alcançada. Configurava-se, com isso, uma memória do 13 de Maio que tinha a família real e os grupos ilustrados como seus principais protagonistas.
    Mais do que afirmar sua perspectiva subjetiva, esses sujeitos trataram de tentar fazer desta memória a própria definição do processo abolicionista. Isso pode ser percebido, por exemplo, nas comemorações oficiais preparadas para celebrar a data. Renata Moraes mostra que, além das atividades religiosas e esportivas, que dialogavam tanto com o catolicismo do Império quanto com as novas perspectivas científicas sobre a necessidade de regeneração nacional através do investimento na cultura física, a comemoração foi marcada pela organização de um grande desfile cívico. Com uma mínima participação de grupos negros, o desfile era composto, em sua maior parte, de representantes da imprensa, contando também com a presença de corporações militares, comissões escolares e associações de imigrantes. Se, na campanha abolicionista, esses grupos podem ter tido atuações independentes, no desfile eles se apresentavam em procissão unificada, que tentava afirmar uma memória única para a data. O que se apresentava, portanto, era uma encenação da Abolição que se pretendia geral e unívoca, marcada pelo protagonismo de grupos ilustrados. Não por acaso, a própria diversidade entre os jornais da cidade era, naquele momento, deixada de lado em favor da tentativa de imposição dessa memória única da “imprensa fluminense”, que tentava transformar uma leitura muito específica sobre o significado da data em sua própria história.
    Se testemunhos como esses serviram de base para a análise de historiadores e cientistas sociais da posteridade, que muitas vezes se limitaram a reafirmar esta memória, Renata Moraes trata de apontar para seus limites e contradições. Na segunda parte do livro explora, para isso, a diversidade de sujeitos e experiências envolvidos na celebração da data, que expressavam concepções muito diversas sobre o significado da nova lei. Em meio a tal diversidade, uma base social clara se impunha: eram trabalhadores muitos dos que tentavam, a seu modo, participar dos festejos. Fosse através de subscrições populares ou de doações individuais, faziam questão de se colocar como sujeitos ativos da festa. Destacavam-se, entre eles, os próprios grupos negros. Ainda que não conseguissem participar dos festejos oficiais da região central da Corte, ou que não conseguissem participar de festas promovidas durante seu horário de trabalho, muitos celebraram a data nos subúrbios e nas zonas rurais, fosse em espaços públicos, em seus clubes recreativos ou mesmo nas fazendas em que trabalhavam. Com mostra a autora, as próprias forma e intensidade dessas celebrações, muitas vezes animadas por batuques e jongos, desnudavam a distância que separava a festa oficial dessas muitas outras comemorações espalhadas pela cidade – na expressão de uma festa que tinha não apenas sujeitos variados, mas também motivações muito diversas, de acordo com o perfil social e étnico de quem comemorava. Por mais que o evento celebrado pudesse ser o mesmo, essa variedade de formas e espaços deixava claro que havia muitas festas dentro da festa, em distinções fortemente marcadas por clivagens sociais e étnicas. Afirmavam-se, assim, no próprio momento daquela celebração, visões muito distintas sobre a liberdade que estava sendo festejada.
    Longe de se equacionar ao longo dos anos seguintes, essa diferença foi ficando mais clara, ano após ano, através do modo como os diversos grupos sociais passariam a celebrar a data. Enquanto a empolgação inicial da imprensa com a efeméride parecia diminuir com o passar do tempo, limitando-se a longos artigos de jornal celebrando a liberdade de forma etérea, nos clubes, salões e espaços religiosos frequentados por trabalhadoras e trabalhadores negros da cidade o entusiasmo com o 13 de Maio se manteve intacto por décadas. Ao acompanhar, na terceira parte do livro, as comemorações da data ao longo dos anos seguintes, a autora indica os diversos caminhos de construção da memória sobre aquele marco, que afastavam ainda mais as celebrações negras da lógica liberal expressa pelos jornais. Mostra, com isso, a importância assumida pela Abolição na experiência desses sujeitos. Apesar dos conhecidos limites e contradições da liberdade que havia sido conquistada em 1888, para esses trabalhadores afrodescendentes era inequivocamente uma vitória a ser comemorada e relembrada, o que tratavam de fazer em seus espaços de lazer e de crença.
    Configurava-se, nesses caminhos, uma memória negra sobre o 13 de Maio de todo diversa daquela celebrada nos jornais – o que mostrava que, passados anos da assinatura da lei, tratava-se ainda de uma efeméride em disputa. Se para muitos tratava-se de simples ato de superação do passado colonial e de ingresso do Brasil na modernidade liberal, sem que fossem alteradas as bases da ordem social, nas celebrações negras a data era associada a uma concepção mais ampla de liberdade, associada à reivindicação de direitos em meio aos primeiros anos da República. Não por acaso, as mulheres e os homens negros que participavam dessas celebrações não apenas relembravam a conquista passada, mas também apontavam para seus projetos de inclusão em uma República que teimava em tentar excluí-los – fosse ao evidenciar a força de seus cantos e danças, muitas vezes reprimidos pelo poder público; ao afirmar seus laços de crença, tanto em irmandades negras quanto em celebrações de religiosidade afro-brasileira; ou até ao reivindicar seu direito de participação política, como mostram, em 1909, certos festejos da data que se somavam à celebração de um deputado negro.
    É essa história de disputas e tensões em torno do 13 de Maio que o leitor tem em mãos. Se hoje sabemos que, ao longo das décadas seguintes, os registros da festa oficial acabaram por deixar nas sombras a memória negra sobre a data, Renata Moraes nos permite compreender o contexto e o sentido original desta disputa.
    Mostra, com isso, que as lutas negras pela liberdade se afirmaram por caminhos diversos, todos igualmente legítimos. Longe de se colocarem em contradição, o 13 de Maio e o 20 de Novembro, quando analisados a partir das experiências e lutas negras, se apresentam como momentos igualmente importantes. Ao se centrar nas festas da Abolição, este livro nos permite não somente acompanhar as formas e lógicas assumidas por essa celebração, mas também refletir sobre as disputas de memória que levaram ao seu esquecimento. São motivos mais que suficientes para garantir um lugar de destaque para este livro na já vasta produção historiográfica sobre a experiência negra no Brasil.     

     

    As festas da abolição no Rio de Janeiro (1888-1908)

    Renata Figueiredo Moraes

     

     

  • Postado por editora em em 27/03/2023 - 16:33

    "O livro que tem diante de si propõe um olhar multissituado, capaz de observar a guerra, os seus contextos e os seus legados a partir de Portugal, dos solos africanos então colonizados e também de outras geografias, como é o caso do Brasil, cujas articulações com esse passado comum, mesmo que diferidas, se tornam aqui evidentes. Ao mesmo tempo, a leitura global desta obra sugere que a compreensão ampla do fenómeno da guerra apenas é possível com um horizonte histórico, para que não se foque estritamente no tempo em que o conflito decorreu e que enquadre dinâmicas sociais mais abrangentes e diversas na sua explicação."

    Dia 24 de abril teremos lançamento da obra na Travessa Pinheiro em São Paulo.

    Confira o prefácio de Miguel Cardina, Investigador do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra. Coordenador do projeto “Crome – Memórias Cruzadas, Políticas do Silêncio: as Guerras Coloniais e de Libertação em Tempos Pós-Coloniais”, financiado pelo Conselho Europeu para a Investigação.

     

    Um passado ainda vivo

    No momento em que escrevo estas linhas, decorre em Portugal um debate motivado pelas palavras do primeiro-ministro, António Costa, durante uma visita oficial a Moçambique. Aí classificou como um “ato indesculpável” o “massacre de Wiriyamu”, no qual perto de 400 homens, mulheres e crianças foram violentamente assassinados, em dezembro de 1972, numa incursão feita pelo Exército português na província de Tete. As palavras foram lidas como um “pedido de desculpas” formal e suscitaram uma discussão sobre a natureza ou a necessidade de gestos de reparação para fazer face a esse passado ainda vivo.
    A guerra colonial e de libertação inscreve-se num conjunto vasto de mudanças internacionais então em curso, em que sobressai o impacto das independências dos povos africanos e asiáticos pós-Segunda Guerra Mundial e um panorama geopolítico que, consoante distintos tempos e lugares, combinou a afirmação de esferas de influência, a ativação de solidariedades militantes e a eclosão de conflitos militares. Nesse novo contexto histórico, a resistência do regime de Salazar em encetar negociações – pedidas por movimentos de libertação antes do eclodir dos conflitos, como ocorreu com o Partido Africano pela Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC) – arrastou o país para uma guerra longa em Angola, Guiné e Moçambique. Nos anos finais da ditadura, ficava já claro que aquela era uma guerra impossível de vencer. A breve trecho, viria a ditar o próprio fim do regime.
    A 25 de Abril de 1974, o velho Estado Novo caía através de uma rotura levada a cabo por militares de patente intermédia, que iria desaguar numa revolução que marcou geneticamente a democracia portuguesa. Em solo africano, a luta pela independência viria a consagrar-se como a certidão de nascimento das novas nações. Mesmo Cabo Verde e São Tomé e Príncipe, que não experienciaram a luta armada no território, acabariam por alcançar as independências no quadro da partilha desse mesmo idioma anticolonial. Nos diferentes países africanos – e não perdendo de vista as significativas diferenças entre si – a luta de libertação e a memória anticolonial viriam a assumir um lugar relevante, conferindo legitimidade a movimentos rapidamente tornados partidos únicos e vanguardas autoproclamadas na construção dos novos Estados.
    Em Portugal, por seu turno, e por um conjunto vasto de razões, a memória pública da guerra tendeu a ser recoberta por amnésias e seletividades discursivas. Entre outros elementos, pesa o facto de a guerra ter sido feita por militares.
    Foram esses mesmos militares – ou melhor, uma parte deles, os que se articularam no que seria o Movimento das Forças Armadas – que desencadearam a mudança política em Portugal, o que inevitavelmente interferiu na reflexão sobre a guerra, nomeadamente no parco questionamento sobre os episódios mais sangrentos. Este elemento articula-se ainda com a persistência de um imaginário que tende a apagar a natureza intrinsecamente violenta do projeto colonial. As raízes históricas dessa erosão memorial são antigas. Com efeito, a linguagem das Descobertas, ainda hoje um tópico dominante a partir do qual se tece o “nacionalismo banal” em Portugal, não pode fazer esquecer o papel tido na escravização de povos africanos e na sua deslocação forçada em direção à Europa e às Américas, com destaque evidente para o Brasil, nem, depois de formalmente abolida a escravização, os processos de trabalho forçado, de roubo de terras, de sobreexploração e violência física e simbólica a que foram sujeitos os povos africanos colonizados.
    A ditadura do Estado Novo não inventou o colonialismo nem o seu uso político, que tem origens anteriores. Mas a ideologia colonial será intensificada e reformulada nos anos de afirmação do fascismo português, acompanhada de uma crescente imbricação entre as economias da metrópole e das colónias e de vagas migratórias, nomeadamente para Angola e Moçambique, que se vão prolongar até ao final do regime. Esta etapa derradeira será ainda marcada pelo redesenhar imagético da relação colonial, a partir dos tópicos do lusotropicalismo, e por uma guerra que duraria 13 longos anos. Desencadeada pelos povos colonizados, a descolonização comportou o reconhecimento nacional e internacional dos novos Estados independentes e uma vaga de “retorno” de portugueses e seus descendentes, ou de ida para outras paragens, como a África do Sul ou o Brasil.
    O livro que tem diante de si propõe um olhar multissituado, capaz de observar a guerra, os seus contextos e os seus legados a partir de Portugal, dos solos africanos então colonizados e também de outras geografias, como é o caso do Brasil, cujas articulações com esse passado comum, mesmo que diferidas, se tornam aqui evidentes. Ao mesmo tempo, a leitura global desta obra sugere que a compreensão ampla do fenómeno da guerra apenas é possível com um horizonte histórico, para que não se foque estritamente no tempo em que o conflito decorreu e que enquadre dinâmicas sociais mais abrangentes e diversas na sua explicação. Sem esse olhar, que extravasa necessariamente o mero domínio político-militar, ficaríamos com uma visão muito limitada das causas e dos efeitos de uma guerra que foi, simultaneamente, a etapa final de uma ordem colonial e o início de um processo de descolonização que não terminou com a consagração política das independências.

     

    Portugal e os 60 anos da guerra em África

    Organizadores: Francisco Carlos Palomanes Martinho, Helena Wakim Moreno, Marina Simões Galvanese

     

  • Postado por editora em em 13/03/2023 - 12:47

    Desde os anos 1990, as Forças Armadas foram recorrentemente utilizadas em ações de segurança pública no Brasil. Como elas se desenvolveram e que impacto tiveram para os militares? Para responder a essas questões, estão aqui reunidas 16 entrevistas com oficiais das Forças Armadas. Em seu conjunto, permitem conhecer a experiência e a visão de mundo de uma geração de oficiais que participaram dessas operações de emprego doméstico das Forças Armadas e para refletir tanto sobre os desafios que elas enfrentaram quanto sobre o legado que deixaram.

    Entrevistas com: General Roberto Jugurtha Camara Senna, Coronel Romeu Antonio Ferreira, General Franklimberg Ribeiro de Freitas, General José Elito Carvalho Siqueira, Almirante Carlos Chagas Vianna Braga, General Adriano Pereira Júnior, General Tomás Miguel Miné Ribeiro Paiva, Almirante Reinaldo Reis de Medeiros, General Joaquim Silva e Luna, General Sergio Westphalen Etchegoyen, General Walter Souza Braga Netto, General Sergio José Pereira, General Richard Fernandez Nunes, General Edson Massayuki Hiroshi, General Sergio Luiz Tratz, General Fernando Azevedo e Silva

    Confira parte da apresentação da obra: 

     

    Das GLO à guerra urbana: a trajetória do emprego doméstico dos militares no Brasil (1992-2022)

    Apesar de não ter se envolvido em conflitos interestatais desde a Segunda Guerra Mundial, o Brasil é o segundo país com maior contingente militar nas Américas, após os Estados Unidos, com aproximadamente 356 mil membros ativos nas Forças Armadas. Além disso, para um país que mantém relações pacíficas com seus vizinhos, o Brasil investe significativamente em defesa. Nos últimos anos, o orçamento brasileiro para as Forças Armadas foi o maior da América Latina e Caribe, representando cerca de 45% de todo dos gastos militares na região. O orçamento da Defesa também é vultoso se comparado com o de outros ministérios, sendo consistentemente um dos cinco ministérios que mais custam ao erário.
    Entre as atividades e competências do Ministério da Defesa, além do preparo para a defesa contra ameaças externas e do engajamento em operações de paz no exterior, inclui-se o emprego das Forças Armadas no âmbito doméstico, nos termos da Constituição. As forças podem realizar atribuições subsidiárias que contribuem para o desenvolvimento nacional e a defesa civil ao se engajarem em ações de natureza preventiva ou repressiva, por vezes em coordenação com outros órgãos governamentais. Especificamente, grande parte da atuação doméstica das Forças Armadas se dá no âmbito das chamadas Operações de Garantia da Lei e da Ordem (OpGLO). O emprego das Forças Armadas no âmbito das OpGLO concentra-se principalmente em atividades como o policiamento e o apoio logístico durante as eleições; na segurança de grandes eventos de escopo internacional; na atuação para prover segurança em casos de greves das polícias militares ou no policiamento e em operações interagências para reduzir a criminalidade nas grandes cidades brasileiras, nas chamadas GLO de violência urbana.
    Este livro é um resultado do projeto de pesquisa “Forças Armadas na Segurança Pública no Brasil”, desenvolvido entre 2020 e 2022. O projeto consistiu no levantamento de documentos oficiais do Ministério da Defesa e do Exército sobre o assunto, incluindo legislação e manuais doutrinários publicamente disponíveis, para a elaboração de uma cronologia dos principais eventos relacionados ao tema e, principalmente, para auxiliar a produção de um acervo de entrevistas realizadas entre abril de 2021 e fevereiro de 2022. Esse acervo possui um total de aproximadamente 30 horas de gravação em áudio e vídeo. Foram entrevistados 16 oficiais das Forças Armadas que ocuparam posições privilegiadas na decisão, planejamento ou condução de missões de segurança pública. A maioria dos entrevistados é do Exército, porque esta força é a mais envolvida nessas ações. Há, porém, dois entrevistados da Marinha, especificamente do corpo de fuzileiros navais, também utilizado nas OpGLO.
    Este foi um projeto conduzido durante a pandemia de Covid-19. A equipe envolvida nunca se reuniu toda pessoalmente. Também foi necessário adaptar o protocolo de entrevistas para que os entrevistados pudessem, com segurança, dar seus depoimentos. À exceção das entrevistas com o almirante Carlos Chagas e com os generais Braga Netto e Sergio, todas as demais foram realizadas remotamente, pela plataforma Zoom.
    Os entrevistados eram, em sua quase totalidade, oficiais-generais — militares que, portanto, chegaram ao escalão mais elevado da carreira. Eles ocupavam, no momento da entrevista, diferentes posições: na reserva, na ativa ou reconvocados para funções a pedido do Poder Executivo. É importante frisar que, apesar de algumas menções à pesquisa acadêmica com uma conotação negativa, como se seus resultados fossem geralmente contra a visão dos militares sobre as OpGLO, os entrevistados manifestaram conhecimento e respeito pela FGV e pelos pesquisadores/entrevistadores envolvidos no projeto. Num momento delicado das relações entre civis e militares na democracia brasileira, em que as Forças Armadas apresentam-se com um renovado protagonismo político, não houve, em momento algum, tensão entre os pesquisadores e os entrevistados, e foi possível entrevistar indivíduos com relevância política para além da caserna, como os generais Walter Braga Netto (então ministro da Defesa, ex-interventor federal no Rio de Janeiro e já potencial candidato à vice-presidência da República), Joaquim Silva e Luna (então presidente da Petrobras, ex-presidente da Itaipu Binacional e ex-ministro da Defesa no governo de Michel Temer) e Fernando Azevedo e Silva (ex-ministro da Defesa no governo de Jair Bolsonaro).
    O acervo constituído é bastante rico porque cobre temporalmente as OpGLO desde sua gênese até as mais recentes, e os entrevistados puderam nos fornecer informações sobre suas experiências como oficiais em pequenos escalões ou nos mais altos postos de comando; e sobre a formulação da política, da doutrina até as impressões de cunho mais operacional, que só os militares que estiveram no terreno poderiam conhecer. A maior parte dos entrevistados teve as OpGLO perpassando diferentes momentos de sua carreira e participou de várias ações.
    Nossas entrevistas indicam que as OpGLO impactaram profundamente as Forças Armadas do ponto de vista de sua doutrina de emprego. As fontes de mudança doutrinária advêm tanto do repetido emprego doméstico dos militares quanto das missões de cunho internacional, seja como observadores militares, seja como tropa empregada em operações de paz. Em especial, ao longo da década de 2010, as forças militares e sobretudo o Exército criaram um arcabouço doutrinário, adquiriram equipamentos e desenvolveram protocolos de treinamento para permitir e orientar sua atuação na segurança pública. Desde 2019, as OpGLO na segurança pública vêm declinando quantitativamente e as forças vêm igualmente adaptando sua doutrina.
    Traçaremos brevemente, nesta apresentação, o surgimento e o desenvolvimento das OpGLO no Brasil, avaliando seu impacto na evolução da doutrina do Exército brasileiro. Elas surgiram e evoluíram ao longo dos anos a partir de demandas do Executivo, foram colocadas em prática pelos militares no exercício de sua execução e impactaram substancialmente as Forças Armadas, o Exército em particular, do ponto de vista doutrinário.

    Forças Armadas na segurança pública: a visão militar

    Organizadores: Celso Castro, Adriana Marques, Verônica Azzi, Igor Acácio

     

     

     

  • Postado por editora em em 22/11/2022 - 08:28

    A II FESTA DO LIVRO NA UFF ou II FLUFF acontece em sua segunda edição, entre os dias 29, 30 de novembro e 1 de dezembro.

    A primeira edição realizada em 2019 foi um sucesso. Reuniu 40 editoras nacionais e mais de 5 mil títulos.

    A II FLUFF vai acontecer nas dependências da Universidade Federal Fluminense (UFF), no Campus Gragoatá, nos Pilotis dos Blocos B, e C.
    Endereço: Rua Prof. Marcos Waldemar de Freitas Reis, Bairro São Domingos, Niterói - RJ. Entre 9hs e 20hs.

    Confira as demais editoras participantes em www.iifluff.wordpress.com

  • Postado por editora em em 10/11/2022 - 11:55

    "A elite política não era contrária ao Exército. Ela, na verdade, elaborou e pôs em prática um vasto projeto de reforma militar. Considerando que as forças militares herdadas do Primeiro Reinado foram desmobilizadas pelos liberais de 1831, é possível afirmar que essa reforma de 1837 dá origem ao Exército brasileiro. Projeto que foi organizado a partir de diretrizes políticas específicas - o Exército brasileiro foi estruturado seguindo uma orientação do Partido Conservador [?], cuidando com zelo de preservar no Brasil uma herança colonizadora: a de uma monarquia assentada na grande propriedade e na escravidão."

    Confira o prefácio para a 2ª edição do livro de Adriana Barreto de Souza 'O Exército na consolidação do Império', escrito pela professora Keila Grinberg.

     

    Não poderia ser mais oportuna a publicação da segunda edição de O Exército na consolidação do Império, da historiadora Adriana Barreto de Souza. Lançado originalmente em 1999, o livro faz parte de uma intensa produção historiográfica que vem criticando e desconstruindo mitos importantes sobre a história das Forças Armadas no Brasil. A despeito dessa renovação, ainda encontram ressonância pública idealizações sobre as origens do Exército e seu papel nas décadas posteriores à independência do país.
    Uma delas é a alusão ao Exército imperial pelo nome de seu patrono, o duque de Caxias (1803-1880), que ainda em vida recebeu a alcunha de o “Pacificador do Brasil”. Guiado por Caxias, o Exército brasileiro desempenhou papel fundamental na desproporcional repressão às revoltas ocorridas ao longo das décadas de 1830 e 1840, como a Balaiada, no Maranhão, e a Farroupilha, no Rio Grande do Sul. Anos mais tarde, durante a Guerra do Paraguai (1865-1870), Caxias foi designado comandante máximo das Forças do Império. Quase cem anos depois, foi oficialmente nomeado Patrono do Exército Brasileiro. A associação da imagem do Exército à figura de Caxias, elogiando a ideia de “pacificação” e naturalizando a violência das ações militares desde então, é um dos mais poderosos e longevos mitos sobre a suposta vocação do Exército na mediação de conflitos.

    Originalmente dissertação de mestrado defendida no Departamento de História da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), sob orientação do professor Manoel Salgado Guimarães, e uma das vencedoras do Prêmio Arquivo Nacional de Pesquisa 1997, O Exército na consolidação do Império é obra fundamental justamente porque se contrapõe a essas visões tradicionais sobre a história militar brasileira.

    Adriana Barreto demonstra como a fundação do Exército nacional em 1831 fez parte de um projeto conservador que se tornou hegemônico a partir do chamado Regresso, em 1837, quando os membros do Partido Conservador, representantes dos proprietários escravistas, assumiram o poder. Para além da atuação no combate às revoltas que então ocorriam em várias províncias do país, a própria estrutura interna da corporação reproduzia em sua burocracia os valores hierárquicos próprios da sociedade imperial, reservando a oficialidade aos membros das elites locais e as posições de soldados a pessoas como os pardos libertos, vistas como pouco idôneas e que colocavam riscos à tranquilidade pública. Isso não significa, no entanto, que o processo de formação do Exército brasileiro tenha espelhado a sociedade e o Estado brasileiros. Ao contrário, ele ocorreu de forma tensa, plena de interesses díspares e projetos opostos. Ao estudar o contexto mais amplo da formação do Exército e ao mesmo tempo a historicidade de seus interesses e tensões internas, a autora enfatiza a importância de analisar o Exército a partir de suas dinâmicas internas próprias, apontando os problemas da generalização do termo “militares” e chamando a atenção para a necessidade “de um exame mais preciso da organização interna do próprio Exército”. O resultado desse exame preciso é justamente este livro.
    O Exército na consolidação do Império é uma defesa da História como campo do saber e da validade de seus métodos para a construção do conhecimento científico. Não há nele nenhuma afirmação que não seja baseada na leitura crítica da historiografia e na análise rigorosa das fontes. Como já notado no prefácio à primeira edição por Manoel Salgado Guimarães, não por acaso o orientador deste trabalho, Adriana Barreto interroga os símbolos fundadores da história do Exército e dessacraliza sua mitificação, que evidentemente não resiste ao confronto 
    com a pesquisa documental. Com elegância e firmeza, é como se ela afirmasse ao final: o Exército brasileiro, este que foi fundado em 1831 com a reorganização do poder realizada após a abdicação de d. Pedro I, não é nem nunca foi o “de Caxias”. Ele é mais complexo, mais diverso e, por isso mesmo, mais real do que a idealização que ainda o vê, na figura de seu “patrono”, como a salvação do Estado e da unidade do território brasileiros.

    Lido nos dias de hoje, este livro também é uma defesa da importância da História para fundamentar nosso olhar para o presente. Afinal, por incrível que pareça, ainda hoje o Poder Executivo tenta usar o Exército como milícia própria e braço de apoio. São comuns variações da frase “nas mãos das Forças Armadas, o poder moderador [é] a certeza da garantia da nossa liberdade, da nossa democracia, e o apoio total às decisões do presidente para o bem da sua nação”.2 Ela é baseada em uma clara distorção das funções do Exército tal como estabelecidas pela Constituição em vigor. Ao Exército nunca coube dar “apoio total” a nenhum presidente, muito menos exercer poder moderador entre os demais poderes. Essa perspectiva corrobora a ideia bastante controversa de que, ao longo de sua existência, ao Exército caberia moderar os conflitos sociais, sem intervir na política. Ao procederem dessa maneira, nossos contemporâneos realizam a mesma projeção conservadora e mitológica sobre o passado empreendida pelos estadistas do Império, quando atribuíram ao Exército o papel da garantia da ordem e da unificação do território brasileiro.

    “Que se aproveitem as lições do passado para a segurança do futuro”, afirmou o líder conservador Paulino José Soares de Sousa, o visconde do Uruguai, em 1843. É com essa citação que Adriana Barreto abre a conclusão de seu livro, demonstrando como, já no século XIX, essa leitura do passado era, em si, um projeto hierárquico, centralizador, autoritário. A publicação da segunda edição deste livro, em 2022, é um apelo à urgência do combate às interpretações que falseiam a História e usam o passado para legitimar perspectivas igualmente hierárquicas, centralizadoras e autoritárias do nosso futuro.

     

    O Exército na consolidação do Império: um estudo sobre a política militar conservadora (1831-1850)

    Autora: Adriana Barreto de Souza

    2ª edição

  • Postado por editora em em 07/11/2022 - 16:24

    Este livro apresenta uma história conectada a múltiplas histórias da América Latina, na luta dos povos indígenas em defesa de suas terras, de sua cultura, de seu estilo de vida, de seus valores e princípios éticos. O historiador Alberto del Castillo Troncoso mapeia a trajetória da célebre fotografia "As mulheres de X'oyep", de Pedro Valtierra, que captou o instante em que duas mulheres 'tsotsiles' investem contra um dos militares em X'oyep após o massacre no povoado de Acteal. A obra apresenta as condições da produção da imagem, a busca documental empreendida por Valtierra e seu trabalho de edição. O autor analisa ainda os múltiplos aspectos que constituem o complexo processo de construção de uma imagem poderosa que, transcendendo a si mesma, se tornou um dos símbolos mais representativos da resistência indígena na América Latina.

    Confira o prefácio de Regina Beatriz Guimarães Neto e Antonio Torres Montenegro para esta versão em português, traduzida por Pablo F. de A. Porfirio e publicada por nós.

     

    O historiador Alberto del Castillo Troncoso é bastante conhecido na comunidade acadêmica do Brasil pelos artigos em diversas revistas, pela participação em congressos da Associação Nacional de História (Anpuh) e da Associação Brasileira de História Oral (Abho) e pela parceria com distintos grupos de pesquisa nacionais.
    Porém, foram seus livros direcionados com grande competência para a história de fotógrafos latino-americanos — privilegiando determinados conjuntos de fotografias produzidos sobre certos eventos — associada à metodologia da história oral que engendraram e consolidaram os laços com os historiadores do Brasil.
    A FGV Editora, ao publicar As mulheres de X’oyep, obra que recebeu o Prêmio Nacional de Ensaio sobre Fotografia, no México, concorre para ampliar as relações desse historiador com os leitores brasileiros.

    É importante destacar, além das qualidades analíticas excepcionais que o autor apresenta em seus livros e artigos, sua postura intelectual generosa — pois não se furta a sempre nomear os(as) diversos(as) colegas que têm colaborado com seu trabalho de historiador. No caso específico deste livro, destaca os significativos debates ocorridos em seminários de que participou em universidades do Brasil, além de numerosos colegas no México.
    Alberto del Castillo Troncoso, ao eleger a fotografia de imprensa para análise, articula as imagens visuais ao campo social e político e à representação estética. Alinha-se aos estudiosos que rompem com abordagens tradicionais, consideradas “científicas”, que de praxe defendem os “registros reais” ou as descrições “coladas à realidade”, como muitas vezes ocorre com o fotojornalismo em seu objetivo de informar e “provar”. Mas, como afirma Didi-Huberman (2006:49, grifo nosso), tal condição incorre em grave limitação: “[…] quererá não ver outra coisa além do que vê presentemente”.

    O historiador dessacraliza, na trilha dessa perspectiva, a imagem-objeto e procura o que excede ou transborda no movimento multiplicador de signos e espaços sensíveis. Importa observar que, para Alberto del Castillo, ao problematizar a multiplicidade de signos imagéticos que emanam da experiência visual com a fotografia e o fotojornalismo, em particular, a compreensão de “estar com” a imagem é válida até certo ponto, pois a imagem “viaja” e movimenta-se “além do horizonte”. Não há “devoção positivista ao objeto” (Didi-Huberman, 2006:176); o fotógrafo, como o artista, tratará da “produção da imagem” — esse é o ponto no qual recairá a análise. Como historiador exemplar, sem nenhuma intenção de totalizar o sentido das imagens, Castillo realiza um trabalho de artesão para desvelar e reconstituir os passos da construção da imagem que irá encenar-se no espaço público ao pesquisar as variadas formas de recepção/apropriação/ressignificação. De maneira muito particular, narra as trilhas percorridas e relatadas pelos jornalistas para a produção do registro visual — uma fotografia particular — do surpreendente embate de As mulheres de X’oyep, a fim de conferir ao “objeto visual” a singularidade do evento como acontecimento, como quer o historiador.
    O trabalho de documentar os diversos relatos dos jornalistas que estiveram presentes fotografando a luta das mulheres de X’oyep projeta o registro imagético em uma rede de forças políticas e sociais, em acirrada disputa. Nessa trilha, a imagem produzirá grande clamor público nacional e internacional e, como tal, efeito político de impacto, mobilizador de outras lutas.

    A tarefa do historiador Alberto del Castillo segue o caminho da reflexão rigorosa ao partir para realizar uma análise semântica da fotografia, dedicando-se a uma espécie de “crônica da produção fotográfica”, com vários desdobramentos na linha da interação e do diálogo com o fotógrafo-autor. A análise biográfica de Pedro Valtierra passa a ser um imperativo da pesquisa, em que o nome próprio de Valtierra encontra sua função: o nome desloca-se para o coletivo e adentra o espaço público no universo dialógico do fotojornalismo. Alberto del Castillo ainda nos presenteia, nesse contexto, com as reflexões sobre as inovações da produção da fotografia no México nas últimas décadas do século XX.

    A pesquisa historiográfica, nessa rica moldura, para intelectuais como Castillo é uma experiência teórica e prática a cada passo, sempre uma aprendizagem. Novas incursões se delinearam com base na imagem fotográfica, centro de seu interesse, que configurou a luta presente dos indígenas chiapanecos, com destaque para suas mulheres, e múltiplas mobilizações em espaços diferenciados não apenas no México, mas em outros países da América Latina. Sobretudo, impulsionou o imaginário político das lutas pelos direitos dos indígenas e pela força das mulheres, que compõem imagens icônicas.

    Alberto del Castillo elaborou sofisticadas interconexões críticas entre passado e presente, movimento que produziu fecundas análises sobre memória e testemunho, em que pontua os inícios do movimento zapatista (entre 1994 e 1995), os deslocamentos políticos dessa luta e as diversas recepções da fotografia produzida por Valtierra. Não há nem presenteísmo nem finalismo em sua narrativa historiográfica. O presente não é narrado como sucedendo ao passado, mas nesse passado se encontram inflexões significativas de práticas de poder que se constituem em referenciais para o estudo do presente. Há, nesse sentido, a força da contemporaneidade “que demarca uma singular relação com o próprio tempo” e o “interpela” (Agamben, 2009:64). Inaugura-se, desse modo, outro percurso metodológico e narrativo.
    No âmbito dessa experiência, o autor contribui com o relato sobre a fotografia das mulheres indígenas barrando o avanço dos militares, publicada na primeira página de um jornal. O texto que opera como registro do fato dado a ver em imagem exige conhecer a história do México. Nesse sentido, o historiador não se furta a dizer da aliança de algumas lideranças indígenas com setores do governo que reforçam o neoliberalismo de fins do século passado na América Latina e que devem também ser consideradas no embate paradoxal do exército de mulheres indígenas, documentado nessa foto.

    Segundo Alberto, outro fator que concorreu para a força icônica da imagem fotojornalística de Valtierra em X’oyep é o fato de ela ter sido agraciada com o Prêmio Internacional de Jornalismo Rei da Espanha. Ao mesmo tempo, em outro nível de análise, numa perspectiva do tempo da longa duração, haveria de se considerar o fato de algumas pesquisas afirmarem “o reconhecimento histórico e a lealdade das comunidades indígenas à instituição da monarquia ibérica”, forjados ao longo dos três séculos de dominação da Coroa espanhola.

    O autor detalha, para maior compreensão contextual, uma breve história biográfica dos principais trabalhos realizados por Valtierra, como a cobertura guerrilheira sandinista na Nicarágua e na Guatemala. Explica, ainda, em razão do exercício de distintos editores que revolucionaram o fotojornalismo no México, como as agências fotográficas serviram de escolas para Valtierra e sua geração.

    A fotografia premiada, transformada em ícone da resistência indígena liderada pelas mulheres, foi também analisada por diferentes estudiosos que o historiador Castillo comentará e entrevistará. Apresenta-se, nesse caminho, a perspectiva do professor Ariel Arnal,1 do jornalista Rafael Cardona, da escritora Elena Poniatowska, bem como da professora Deborah Dorotinsky Alperstein. Ou seja, o autor se detém em uma cuidadosa reflexão acerca das diversas leituras que a fotografia engendrou. Ele observa:
    Talvez o mais relevante consista em poder situar o problema da constante mobilidade das interpretações e a maneira como distintas leituras dessa imagem seguirão contribuindo para um maior conhecimento das condições de vida das comunidades indígenas e sua luta para defender sua cultura a partir de sua projeção como um ícone fotográfico.

    Em continuidade à pesquisa, o autor desloca o foco para as formas de apropriação de distintos jornais e revistas: a revista Epoca, a revista de divulgação científica Bulletin of the Atomic Scientists, o semanário liberal norte-americano First of the Month. Alberto del Castillo conclui o capítulo “História de um ícone” assinalando que First of the Month, ao publicar a foto As mulheres de X’oyep, também coloca como legenda a pergunta “As fotografias mentem?”, atribuída ao subcomandante Marcos.
    Entretanto, o autor, em seu percurso narrativo, surpreende o leitor com um episódio inusitado. Em 2001, o subcomandante Marcos, em face da eleição do presidente Vicente Fox, que acenava com mudanças para amplos setores da população, deslocou-se da zona de Los Altos de Chiapas para a Cidade do México a fim de pressionar o governo pela reforma indígena que foi negociada nos Acordos de San Andrés. Ele se hospedou por 20 dias nas instalações da Escola Nacional de Antropologia e História (Enah), em Cuicuilco, ao sul da Cidade do México. Nesse período, realizou uma aula para os estudantes da Enah no maior auditório da escola, que esteve superlotado para ouvi-lo. E sua aula, para surpresa geral, teve como inspiração a fotografia de Valtierra, que Marcos abriu numa cartolina e colou num quadro, causando grande impacto e emoção. A fotografia foi a referência para a aula do comandante e “professor” Marcos. Segundo ele, ali estavam representados os dois blocos que se enfrentavam naquele momento na selva chiapaneca, fielmente representados na fotografia de Valtierra. Alberto conclui que “o principal líder do movimento zapatista conferiu, naquela singular ‘aula’ acadêmica da Enah, um reconhecimento explícito a essa fotografia como a referência visual mais notável do zapatismo em torno do conflito indígena”.

    Como é próprio aos historiadores de ofício, que não se deixam capturar pelas fronteiras dos campos do conhecimento, inspirados, talvez, no operar dos etnógrafos e dos antropólogos, Alberto decidiu visitar X’oyep. Tinham se passado quase 15 anos. Que marcas daquela experiência de confronto entre as mulheres indígenas e o Exército, registrada num átimo pelas lentes da câmera de Pedro Valtierra, estariam presentes na memória das pessoas do lugar?

    O leitor é surpreendido no último capítulo do livro com o relato dessa viagem, em que a paisagem vivenciada pelo historiador é conectada aos relatos das entrevistas concedidas a ele pelos jornalistas Valtierra e Balboa, quando documentaram o evento. Presente e passado, percepção e memória produzem em Alberto del Castillo Troncoso possibilidades de novas leituras, novas sensações, outros sentimentos, novas experiências, novos deslocamentos analíticos — a começar pelo inesperado encontro com o indígena Antonio López, que o recebe espontaneamente em sua casa para uma conversa/entrevista. Alberto descobre estar diante de um personagem central não apenas do evento que resultou na fotografia icônica As mulheres de X’oyep, mas do massacre de Acteal — em que foram alvo os indígenas em 22 de dezembro de 1997 —, homem com estreita conexão com o evento fotografado por Valtierra. Ao leitor, deixamos plantada a curiosidade para conhecer mais essa incursão do historiador e autor do livro nas plagas indígenas mexicanas do estado de Chiapas.

    Dessa forma, temos em mãos um livro de uma história conectada a múltiplas histórias da América Latina, na luta dos povos indígenas em defesa de suas terras, de sua cultura, de seu estilo de vida, de seus valores e princípios éticos. Uma obra de um historiador que apresenta análises sociais, políticas, econômicas, culturais e visuais que se atualizam em diversos níveis, produzindo a compreensão de que a história é movimento constante a reconstruir leituras e ressignificações de lutas e resistências.
    Desejamos instigantes leituras deste importante livro, que premiou um historiador incansável em sua trincheira de resistência.
     

     

    As mulheres de X'oyep: fotografia e memória

    Autor: Alberto del Castillo Troncoso

  • Postado por editora em em 07/11/2022 - 16:24

    Este livro apresenta uma história conectada a múltiplas histórias da América Latina, na luta dos povos indígenas em defesa de suas terras, de sua cultura, de seu estilo de vida, de seus valores e princípios éticos. O historiador Alberto del Castillo Troncoso mapeia a trajetória da célebre fotografia "As mulheres de X'oyep", de Pedro Valtierra, que captou o instante em que duas mulheres 'tsotsiles' investem contra um dos militares em X'oyep após o massacre no povoado de Acteal. A obra apresenta as condições da produção da imagem, a busca documental empreendida por Valtierra e seu trabalho de edição. O autor analisa ainda os múltiplos aspectos que constituem o complexo processo de construção de uma imagem poderosa que, transcendendo a si mesma, se tornou um dos símbolos mais representativos da resistência indígena na América Latina.

    Confira o prefácio de Regina Beatriz Guimarães Neto e Antonio Torres Montenegro para esta versão em português, traduzida por Pablo F. de A. Porfirio e publicada por nós.

     

    O historiador Alberto del Castillo Troncoso é bastante conhecido na comunidade acadêmica do Brasil pelos artigos em diversas revistas, pela participação em congressos da Associação Nacional de História (Anpuh) e da Associação Brasileira de História Oral (Abho) e pela parceria com distintos grupos de pesquisa nacionais.
    Porém, foram seus livros direcionados com grande competência para a história de fotógrafos latino-americanos — privilegiando determinados conjuntos de fotografias produzidos sobre certos eventos — associada à metodologia da história oral que engendraram e consolidaram os laços com os historiadores do Brasil.
    A FGV Editora, ao publicar As mulheres de X’oyep, obra que recebeu o Prêmio Nacional de Ensaio sobre Fotografia, no México, concorre para ampliar as relações desse historiador com os leitores brasileiros.

    É importante destacar, além das qualidades analíticas excepcionais que o autor apresenta em seus livros e artigos, sua postura intelectual generosa — pois não se furta a sempre nomear os(as) diversos(as) colegas que têm colaborado com seu trabalho de historiador. No caso específico deste livro, destaca os significativos debates ocorridos em seminários de que participou em universidades do Brasil, além de numerosos colegas no México.
    Alberto del Castillo Troncoso, ao eleger a fotografia de imprensa para análise, articula as imagens visuais ao campo social e político e à representação estética. Alinha-se aos estudiosos que rompem com abordagens tradicionais, consideradas “científicas”, que de praxe defendem os “registros reais” ou as descrições “coladas à realidade”, como muitas vezes ocorre com o fotojornalismo em seu objetivo de informar e “provar”. Mas, como afirma Didi-Huberman (2006:49, grifo nosso), tal condição incorre em grave limitação: “[…] quererá não ver outra coisa além do que vê presentemente”.

    O historiador dessacraliza, na trilha dessa perspectiva, a imagem-objeto e procura o que excede ou transborda no movimento multiplicador de signos e espaços sensíveis. Importa observar que, para Alberto del Castillo, ao problematizar a multiplicidade de signos imagéticos que emanam da experiência visual com a fotografia e o fotojornalismo, em particular, a compreensão de “estar com” a imagem é válida até certo ponto, pois a imagem “viaja” e movimenta-se “além do horizonte”. Não há “devoção positivista ao objeto” (Didi-Huberman, 2006:176); o fotógrafo, como o artista, tratará da “produção da imagem” — esse é o ponto no qual recairá a análise. Como historiador exemplar, sem nenhuma intenção de totalizar o sentido das imagens, Castillo realiza um trabalho de artesão para desvelar e reconstituir os passos da construção da imagem que irá encenar-se no espaço público ao pesquisar as variadas formas de recepção/apropriação/ressignificação. De maneira muito particular, narra as trilhas percorridas e relatadas pelos jornalistas para a produção do registro visual — uma fotografia particular — do surpreendente embate de As mulheres de X’oyep, a fim de conferir ao “objeto visual” a singularidade do evento como acontecimento, como quer o historiador.
    O trabalho de documentar os diversos relatos dos jornalistas que estiveram presentes fotografando a luta das mulheres de X’oyep projeta o registro imagético em uma rede de forças políticas e sociais, em acirrada disputa. Nessa trilha, a imagem produzirá grande clamor público nacional e internacional e, como tal, efeito político de impacto, mobilizador de outras lutas.

    A tarefa do historiador Alberto del Castillo segue o caminho da reflexão rigorosa ao partir para realizar uma análise semântica da fotografia, dedicando-se a uma espécie de “crônica da produção fotográfica”, com vários desdobramentos na linha da interação e do diálogo com o fotógrafo-autor. A análise biográfica de Pedro Valtierra passa a ser um imperativo da pesquisa, em que o nome próprio de Valtierra encontra sua função: o nome desloca-se para o coletivo e adentra o espaço público no universo dialógico do fotojornalismo. Alberto del Castillo ainda nos presenteia, nesse contexto, com as reflexões sobre as inovações da produção da fotografia no México nas últimas décadas do século XX.

    A pesquisa historiográfica, nessa rica moldura, para intelectuais como Castillo é uma experiência teórica e prática a cada passo, sempre uma aprendizagem. Novas incursões se delinearam com base na imagem fotográfica, centro de seu interesse, que configurou a luta presente dos indígenas chiapanecos, com destaque para suas mulheres, e múltiplas mobilizações em espaços diferenciados não apenas no México, mas em outros países da América Latina. Sobretudo, impulsionou o imaginário político das lutas pelos direitos dos indígenas e pela força das mulheres, que compõem imagens icônicas.

    Alberto del Castillo elaborou sofisticadas interconexões críticas entre passado e presente, movimento que produziu fecundas análises sobre memória e testemunho, em que pontua os inícios do movimento zapatista (entre 1994 e 1995), os deslocamentos políticos dessa luta e as diversas recepções da fotografia produzida por Valtierra. Não há nem presenteísmo nem finalismo em sua narrativa historiográfica. O presente não é narrado como sucedendo ao passado, mas nesse passado se encontram inflexões significativas de práticas de poder que se constituem em referenciais para o estudo do presente. Há, nesse sentido, a força da contemporaneidade “que demarca uma singular relação com o próprio tempo” e o “interpela” (Agamben, 2009:64). Inaugura-se, desse modo, outro percurso metodológico e narrativo.
    No âmbito dessa experiência, o autor contribui com o relato sobre a fotografia das mulheres indígenas barrando o avanço dos militares, publicada na primeira página de um jornal. O texto que opera como registro do fato dado a ver em imagem exige conhecer a história do México. Nesse sentido, o historiador não se furta a dizer da aliança de algumas lideranças indígenas com setores do governo que reforçam o neoliberalismo de fins do século passado na América Latina e que devem também ser consideradas no embate paradoxal do exército de mulheres indígenas, documentado nessa foto.

    Segundo Alberto, outro fator que concorreu para a força icônica da imagem fotojornalística de Valtierra em X’oyep é o fato de ela ter sido agraciada com o Prêmio Internacional de Jornalismo Rei da Espanha. Ao mesmo tempo, em outro nível de análise, numa perspectiva do tempo da longa duração, haveria de se considerar o fato de algumas pesquisas afirmarem “o reconhecimento histórico e a lealdade das comunidades indígenas à instituição da monarquia ibérica”, forjados ao longo dos três séculos de dominação da Coroa espanhola.

    O autor detalha, para maior compreensão contextual, uma breve história biográfica dos principais trabalhos realizados por Valtierra, como a cobertura guerrilheira sandinista na Nicarágua e na Guatemala. Explica, ainda, em razão do exercício de distintos editores que revolucionaram o fotojornalismo no México, como as agências fotográficas serviram de escolas para Valtierra e sua geração.

    A fotografia premiada, transformada em ícone da resistência indígena liderada pelas mulheres, foi também analisada por diferentes estudiosos que o historiador Castillo comentará e entrevistará. Apresenta-se, nesse caminho, a perspectiva do professor Ariel Arnal,1 do jornalista Rafael Cardona, da escritora Elena Poniatowska, bem como da professora Deborah Dorotinsky Alperstein. Ou seja, o autor se detém em uma cuidadosa reflexão acerca das diversas leituras que a fotografia engendrou. Ele observa:
    Talvez o mais relevante consista em poder situar o problema da constante mobilidade das interpretações e a maneira como distintas leituras dessa imagem seguirão contribuindo para um maior conhecimento das condições de vida das comunidades indígenas e sua luta para defender sua cultura a partir de sua projeção como um ícone fotográfico.

    Em continuidade à pesquisa, o autor desloca o foco para as formas de apropriação de distintos jornais e revistas: a revista Epoca, a revista de divulgação científica Bulletin of the Atomic Scientists, o semanário liberal norte-americano First of the Month. Alberto del Castillo conclui o capítulo “História de um ícone” assinalando que First of the Month, ao publicar a foto As mulheres de X’oyep, também coloca como legenda a pergunta “As fotografias mentem?”, atribuída ao subcomandante Marcos.
    Entretanto, o autor, em seu percurso narrativo, surpreende o leitor com um episódio inusitado. Em 2001, o subcomandante Marcos, em face da eleição do presidente Vicente Fox, que acenava com mudanças para amplos setores da população, deslocou-se da zona de Los Altos de Chiapas para a Cidade do México a fim de pressionar o governo pela reforma indígena que foi negociada nos Acordos de San Andrés. Ele se hospedou por 20 dias nas instalações da Escola Nacional de Antropologia e História (Enah), em Cuicuilco, ao sul da Cidade do México. Nesse período, realizou uma aula para os estudantes da Enah no maior auditório da escola, que esteve superlotado para ouvi-lo. E sua aula, para surpresa geral, teve como inspiração a fotografia de Valtierra, que Marcos abriu numa cartolina e colou num quadro, causando grande impacto e emoção. A fotografia foi a referência para a aula do comandante e “professor” Marcos. Segundo ele, ali estavam representados os dois blocos que se enfrentavam naquele momento na selva chiapaneca, fielmente representados na fotografia de Valtierra. Alberto conclui que “o principal líder do movimento zapatista conferiu, naquela singular ‘aula’ acadêmica da Enah, um reconhecimento explícito a essa fotografia como a referência visual mais notável do zapatismo em torno do conflito indígena”.

    Como é próprio aos historiadores de ofício, que não se deixam capturar pelas fronteiras dos campos do conhecimento, inspirados, talvez, no operar dos etnógrafos e dos antropólogos, Alberto decidiu visitar X’oyep. Tinham se passado quase 15 anos. Que marcas daquela experiência de confronto entre as mulheres indígenas e o Exército, registrada num átimo pelas lentes da câmera de Pedro Valtierra, estariam presentes na memória das pessoas do lugar?

    O leitor é surpreendido no último capítulo do livro com o relato dessa viagem, em que a paisagem vivenciada pelo historiador é conectada aos relatos das entrevistas concedidas a ele pelos jornalistas Valtierra e Balboa, quando documentaram o evento. Presente e passado, percepção e memória produzem em Alberto del Castillo Troncoso possibilidades de novas leituras, novas sensações, outros sentimentos, novas experiências, novos deslocamentos analíticos — a começar pelo inesperado encontro com o indígena Antonio López, que o recebe espontaneamente em sua casa para uma conversa/entrevista. Alberto descobre estar diante de um personagem central não apenas do evento que resultou na fotografia icônica As mulheres de X’oyep, mas do massacre de Acteal — em que foram alvo os indígenas em 22 de dezembro de 1997 —, homem com estreita conexão com o evento fotografado por Valtierra. Ao leitor, deixamos plantada a curiosidade para conhecer mais essa incursão do historiador e autor do livro nas plagas indígenas mexicanas do estado de Chiapas.

    Dessa forma, temos em mãos um livro de uma história conectada a múltiplas histórias da América Latina, na luta dos povos indígenas em defesa de suas terras, de sua cultura, de seu estilo de vida, de seus valores e princípios éticos. Uma obra de um historiador que apresenta análises sociais, políticas, econômicas, culturais e visuais que se atualizam em diversos níveis, produzindo a compreensão de que a história é movimento constante a reconstruir leituras e ressignificações de lutas e resistências.
    Desejamos instigantes leituras deste importante livro, que premiou um historiador incansável em sua trincheira de resistência.
     

     

    As mulheres de X'oyep: fotografia e memória

    Autor: Alberto del Castillo Troncoso

Páginas