Arquivo de Novembro 2022

  • Postado por editora em em 22/11/2022 - 08:28

    A II FESTA DO LIVRO NA UFF ou II FLUFF acontece em sua segunda edição, entre os dias 29, 30 de novembro e 1 de dezembro.

    A primeira edição realizada em 2019 foi um sucesso. Reuniu 40 editoras nacionais e mais de 5 mil títulos.

    A II FLUFF vai acontecer nas dependências da Universidade Federal Fluminense (UFF), no Campus Gragoatá, nos Pilotis dos Blocos B, e C.
    Endereço: Rua Prof. Marcos Waldemar de Freitas Reis, Bairro São Domingos, Niterói - RJ. Entre 9hs e 20hs.

    Confira as demais editoras participantes em www.iifluff.wordpress.com

  • Postado por editora em em 10/11/2022 - 11:55

    "A elite política não era contrária ao Exército. Ela, na verdade, elaborou e pôs em prática um vasto projeto de reforma militar. Considerando que as forças militares herdadas do Primeiro Reinado foram desmobilizadas pelos liberais de 1831, é possível afirmar que essa reforma de 1837 dá origem ao Exército brasileiro. Projeto que foi organizado a partir de diretrizes políticas específicas - o Exército brasileiro foi estruturado seguindo uma orientação do Partido Conservador [?], cuidando com zelo de preservar no Brasil uma herança colonizadora: a de uma monarquia assentada na grande propriedade e na escravidão."

    Confira o prefácio para a 2ª edição do livro de Adriana Barreto de Souza 'O Exército na consolidação do Império', escrito pela professora Keila Grinberg.

     

    Não poderia ser mais oportuna a publicação da segunda edição de O Exército na consolidação do Império, da historiadora Adriana Barreto de Souza. Lançado originalmente em 1999, o livro faz parte de uma intensa produção historiográfica que vem criticando e desconstruindo mitos importantes sobre a história das Forças Armadas no Brasil. A despeito dessa renovação, ainda encontram ressonância pública idealizações sobre as origens do Exército e seu papel nas décadas posteriores à independência do país.
    Uma delas é a alusão ao Exército imperial pelo nome de seu patrono, o duque de Caxias (1803-1880), que ainda em vida recebeu a alcunha de o “Pacificador do Brasil”. Guiado por Caxias, o Exército brasileiro desempenhou papel fundamental na desproporcional repressão às revoltas ocorridas ao longo das décadas de 1830 e 1840, como a Balaiada, no Maranhão, e a Farroupilha, no Rio Grande do Sul. Anos mais tarde, durante a Guerra do Paraguai (1865-1870), Caxias foi designado comandante máximo das Forças do Império. Quase cem anos depois, foi oficialmente nomeado Patrono do Exército Brasileiro. A associação da imagem do Exército à figura de Caxias, elogiando a ideia de “pacificação” e naturalizando a violência das ações militares desde então, é um dos mais poderosos e longevos mitos sobre a suposta vocação do Exército na mediação de conflitos.

    Originalmente dissertação de mestrado defendida no Departamento de História da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), sob orientação do professor Manoel Salgado Guimarães, e uma das vencedoras do Prêmio Arquivo Nacional de Pesquisa 1997, O Exército na consolidação do Império é obra fundamental justamente porque se contrapõe a essas visões tradicionais sobre a história militar brasileira.

    Adriana Barreto demonstra como a fundação do Exército nacional em 1831 fez parte de um projeto conservador que se tornou hegemônico a partir do chamado Regresso, em 1837, quando os membros do Partido Conservador, representantes dos proprietários escravistas, assumiram o poder. Para além da atuação no combate às revoltas que então ocorriam em várias províncias do país, a própria estrutura interna da corporação reproduzia em sua burocracia os valores hierárquicos próprios da sociedade imperial, reservando a oficialidade aos membros das elites locais e as posições de soldados a pessoas como os pardos libertos, vistas como pouco idôneas e que colocavam riscos à tranquilidade pública. Isso não significa, no entanto, que o processo de formação do Exército brasileiro tenha espelhado a sociedade e o Estado brasileiros. Ao contrário, ele ocorreu de forma tensa, plena de interesses díspares e projetos opostos. Ao estudar o contexto mais amplo da formação do Exército e ao mesmo tempo a historicidade de seus interesses e tensões internas, a autora enfatiza a importância de analisar o Exército a partir de suas dinâmicas internas próprias, apontando os problemas da generalização do termo “militares” e chamando a atenção para a necessidade “de um exame mais preciso da organização interna do próprio Exército”. O resultado desse exame preciso é justamente este livro.
    O Exército na consolidação do Império é uma defesa da História como campo do saber e da validade de seus métodos para a construção do conhecimento científico. Não há nele nenhuma afirmação que não seja baseada na leitura crítica da historiografia e na análise rigorosa das fontes. Como já notado no prefácio à primeira edição por Manoel Salgado Guimarães, não por acaso o orientador deste trabalho, Adriana Barreto interroga os símbolos fundadores da história do Exército e dessacraliza sua mitificação, que evidentemente não resiste ao confronto 
    com a pesquisa documental. Com elegância e firmeza, é como se ela afirmasse ao final: o Exército brasileiro, este que foi fundado em 1831 com a reorganização do poder realizada após a abdicação de d. Pedro I, não é nem nunca foi o “de Caxias”. Ele é mais complexo, mais diverso e, por isso mesmo, mais real do que a idealização que ainda o vê, na figura de seu “patrono”, como a salvação do Estado e da unidade do território brasileiros.

    Lido nos dias de hoje, este livro também é uma defesa da importância da História para fundamentar nosso olhar para o presente. Afinal, por incrível que pareça, ainda hoje o Poder Executivo tenta usar o Exército como milícia própria e braço de apoio. São comuns variações da frase “nas mãos das Forças Armadas, o poder moderador [é] a certeza da garantia da nossa liberdade, da nossa democracia, e o apoio total às decisões do presidente para o bem da sua nação”.2 Ela é baseada em uma clara distorção das funções do Exército tal como estabelecidas pela Constituição em vigor. Ao Exército nunca coube dar “apoio total” a nenhum presidente, muito menos exercer poder moderador entre os demais poderes. Essa perspectiva corrobora a ideia bastante controversa de que, ao longo de sua existência, ao Exército caberia moderar os conflitos sociais, sem intervir na política. Ao procederem dessa maneira, nossos contemporâneos realizam a mesma projeção conservadora e mitológica sobre o passado empreendida pelos estadistas do Império, quando atribuíram ao Exército o papel da garantia da ordem e da unificação do território brasileiro.

    “Que se aproveitem as lições do passado para a segurança do futuro”, afirmou o líder conservador Paulino José Soares de Sousa, o visconde do Uruguai, em 1843. É com essa citação que Adriana Barreto abre a conclusão de seu livro, demonstrando como, já no século XIX, essa leitura do passado era, em si, um projeto hierárquico, centralizador, autoritário. A publicação da segunda edição deste livro, em 2022, é um apelo à urgência do combate às interpretações que falseiam a História e usam o passado para legitimar perspectivas igualmente hierárquicas, centralizadoras e autoritárias do nosso futuro.

     

    O Exército na consolidação do Império: um estudo sobre a política militar conservadora (1831-1850)

    Autora: Adriana Barreto de Souza

    2ª edição

  • Postado por editora em em 07/11/2022 - 16:24

    Este livro apresenta uma história conectada a múltiplas histórias da América Latina, na luta dos povos indígenas em defesa de suas terras, de sua cultura, de seu estilo de vida, de seus valores e princípios éticos. O historiador Alberto del Castillo Troncoso mapeia a trajetória da célebre fotografia "As mulheres de X'oyep", de Pedro Valtierra, que captou o instante em que duas mulheres 'tsotsiles' investem contra um dos militares em X'oyep após o massacre no povoado de Acteal. A obra apresenta as condições da produção da imagem, a busca documental empreendida por Valtierra e seu trabalho de edição. O autor analisa ainda os múltiplos aspectos que constituem o complexo processo de construção de uma imagem poderosa que, transcendendo a si mesma, se tornou um dos símbolos mais representativos da resistência indígena na América Latina.

    Confira o prefácio de Regina Beatriz Guimarães Neto e Antonio Torres Montenegro para esta versão em português, traduzida por Pablo F. de A. Porfirio e publicada por nós.

     

    O historiador Alberto del Castillo Troncoso é bastante conhecido na comunidade acadêmica do Brasil pelos artigos em diversas revistas, pela participação em congressos da Associação Nacional de História (Anpuh) e da Associação Brasileira de História Oral (Abho) e pela parceria com distintos grupos de pesquisa nacionais.
    Porém, foram seus livros direcionados com grande competência para a história de fotógrafos latino-americanos — privilegiando determinados conjuntos de fotografias produzidos sobre certos eventos — associada à metodologia da história oral que engendraram e consolidaram os laços com os historiadores do Brasil.
    A FGV Editora, ao publicar As mulheres de X’oyep, obra que recebeu o Prêmio Nacional de Ensaio sobre Fotografia, no México, concorre para ampliar as relações desse historiador com os leitores brasileiros.

    É importante destacar, além das qualidades analíticas excepcionais que o autor apresenta em seus livros e artigos, sua postura intelectual generosa — pois não se furta a sempre nomear os(as) diversos(as) colegas que têm colaborado com seu trabalho de historiador. No caso específico deste livro, destaca os significativos debates ocorridos em seminários de que participou em universidades do Brasil, além de numerosos colegas no México.
    Alberto del Castillo Troncoso, ao eleger a fotografia de imprensa para análise, articula as imagens visuais ao campo social e político e à representação estética. Alinha-se aos estudiosos que rompem com abordagens tradicionais, consideradas “científicas”, que de praxe defendem os “registros reais” ou as descrições “coladas à realidade”, como muitas vezes ocorre com o fotojornalismo em seu objetivo de informar e “provar”. Mas, como afirma Didi-Huberman (2006:49, grifo nosso), tal condição incorre em grave limitação: “[…] quererá não ver outra coisa além do que vê presentemente”.

    O historiador dessacraliza, na trilha dessa perspectiva, a imagem-objeto e procura o que excede ou transborda no movimento multiplicador de signos e espaços sensíveis. Importa observar que, para Alberto del Castillo, ao problematizar a multiplicidade de signos imagéticos que emanam da experiência visual com a fotografia e o fotojornalismo, em particular, a compreensão de “estar com” a imagem é válida até certo ponto, pois a imagem “viaja” e movimenta-se “além do horizonte”. Não há “devoção positivista ao objeto” (Didi-Huberman, 2006:176); o fotógrafo, como o artista, tratará da “produção da imagem” — esse é o ponto no qual recairá a análise. Como historiador exemplar, sem nenhuma intenção de totalizar o sentido das imagens, Castillo realiza um trabalho de artesão para desvelar e reconstituir os passos da construção da imagem que irá encenar-se no espaço público ao pesquisar as variadas formas de recepção/apropriação/ressignificação. De maneira muito particular, narra as trilhas percorridas e relatadas pelos jornalistas para a produção do registro visual — uma fotografia particular — do surpreendente embate de As mulheres de X’oyep, a fim de conferir ao “objeto visual” a singularidade do evento como acontecimento, como quer o historiador.
    O trabalho de documentar os diversos relatos dos jornalistas que estiveram presentes fotografando a luta das mulheres de X’oyep projeta o registro imagético em uma rede de forças políticas e sociais, em acirrada disputa. Nessa trilha, a imagem produzirá grande clamor público nacional e internacional e, como tal, efeito político de impacto, mobilizador de outras lutas.

    A tarefa do historiador Alberto del Castillo segue o caminho da reflexão rigorosa ao partir para realizar uma análise semântica da fotografia, dedicando-se a uma espécie de “crônica da produção fotográfica”, com vários desdobramentos na linha da interação e do diálogo com o fotógrafo-autor. A análise biográfica de Pedro Valtierra passa a ser um imperativo da pesquisa, em que o nome próprio de Valtierra encontra sua função: o nome desloca-se para o coletivo e adentra o espaço público no universo dialógico do fotojornalismo. Alberto del Castillo ainda nos presenteia, nesse contexto, com as reflexões sobre as inovações da produção da fotografia no México nas últimas décadas do século XX.

    A pesquisa historiográfica, nessa rica moldura, para intelectuais como Castillo é uma experiência teórica e prática a cada passo, sempre uma aprendizagem. Novas incursões se delinearam com base na imagem fotográfica, centro de seu interesse, que configurou a luta presente dos indígenas chiapanecos, com destaque para suas mulheres, e múltiplas mobilizações em espaços diferenciados não apenas no México, mas em outros países da América Latina. Sobretudo, impulsionou o imaginário político das lutas pelos direitos dos indígenas e pela força das mulheres, que compõem imagens icônicas.

    Alberto del Castillo elaborou sofisticadas interconexões críticas entre passado e presente, movimento que produziu fecundas análises sobre memória e testemunho, em que pontua os inícios do movimento zapatista (entre 1994 e 1995), os deslocamentos políticos dessa luta e as diversas recepções da fotografia produzida por Valtierra. Não há nem presenteísmo nem finalismo em sua narrativa historiográfica. O presente não é narrado como sucedendo ao passado, mas nesse passado se encontram inflexões significativas de práticas de poder que se constituem em referenciais para o estudo do presente. Há, nesse sentido, a força da contemporaneidade “que demarca uma singular relação com o próprio tempo” e o “interpela” (Agamben, 2009:64). Inaugura-se, desse modo, outro percurso metodológico e narrativo.
    No âmbito dessa experiência, o autor contribui com o relato sobre a fotografia das mulheres indígenas barrando o avanço dos militares, publicada na primeira página de um jornal. O texto que opera como registro do fato dado a ver em imagem exige conhecer a história do México. Nesse sentido, o historiador não se furta a dizer da aliança de algumas lideranças indígenas com setores do governo que reforçam o neoliberalismo de fins do século passado na América Latina e que devem também ser consideradas no embate paradoxal do exército de mulheres indígenas, documentado nessa foto.

    Segundo Alberto, outro fator que concorreu para a força icônica da imagem fotojornalística de Valtierra em X’oyep é o fato de ela ter sido agraciada com o Prêmio Internacional de Jornalismo Rei da Espanha. Ao mesmo tempo, em outro nível de análise, numa perspectiva do tempo da longa duração, haveria de se considerar o fato de algumas pesquisas afirmarem “o reconhecimento histórico e a lealdade das comunidades indígenas à instituição da monarquia ibérica”, forjados ao longo dos três séculos de dominação da Coroa espanhola.

    O autor detalha, para maior compreensão contextual, uma breve história biográfica dos principais trabalhos realizados por Valtierra, como a cobertura guerrilheira sandinista na Nicarágua e na Guatemala. Explica, ainda, em razão do exercício de distintos editores que revolucionaram o fotojornalismo no México, como as agências fotográficas serviram de escolas para Valtierra e sua geração.

    A fotografia premiada, transformada em ícone da resistência indígena liderada pelas mulheres, foi também analisada por diferentes estudiosos que o historiador Castillo comentará e entrevistará. Apresenta-se, nesse caminho, a perspectiva do professor Ariel Arnal,1 do jornalista Rafael Cardona, da escritora Elena Poniatowska, bem como da professora Deborah Dorotinsky Alperstein. Ou seja, o autor se detém em uma cuidadosa reflexão acerca das diversas leituras que a fotografia engendrou. Ele observa:
    Talvez o mais relevante consista em poder situar o problema da constante mobilidade das interpretações e a maneira como distintas leituras dessa imagem seguirão contribuindo para um maior conhecimento das condições de vida das comunidades indígenas e sua luta para defender sua cultura a partir de sua projeção como um ícone fotográfico.

    Em continuidade à pesquisa, o autor desloca o foco para as formas de apropriação de distintos jornais e revistas: a revista Epoca, a revista de divulgação científica Bulletin of the Atomic Scientists, o semanário liberal norte-americano First of the Month. Alberto del Castillo conclui o capítulo “História de um ícone” assinalando que First of the Month, ao publicar a foto As mulheres de X’oyep, também coloca como legenda a pergunta “As fotografias mentem?”, atribuída ao subcomandante Marcos.
    Entretanto, o autor, em seu percurso narrativo, surpreende o leitor com um episódio inusitado. Em 2001, o subcomandante Marcos, em face da eleição do presidente Vicente Fox, que acenava com mudanças para amplos setores da população, deslocou-se da zona de Los Altos de Chiapas para a Cidade do México a fim de pressionar o governo pela reforma indígena que foi negociada nos Acordos de San Andrés. Ele se hospedou por 20 dias nas instalações da Escola Nacional de Antropologia e História (Enah), em Cuicuilco, ao sul da Cidade do México. Nesse período, realizou uma aula para os estudantes da Enah no maior auditório da escola, que esteve superlotado para ouvi-lo. E sua aula, para surpresa geral, teve como inspiração a fotografia de Valtierra, que Marcos abriu numa cartolina e colou num quadro, causando grande impacto e emoção. A fotografia foi a referência para a aula do comandante e “professor” Marcos. Segundo ele, ali estavam representados os dois blocos que se enfrentavam naquele momento na selva chiapaneca, fielmente representados na fotografia de Valtierra. Alberto conclui que “o principal líder do movimento zapatista conferiu, naquela singular ‘aula’ acadêmica da Enah, um reconhecimento explícito a essa fotografia como a referência visual mais notável do zapatismo em torno do conflito indígena”.

    Como é próprio aos historiadores de ofício, que não se deixam capturar pelas fronteiras dos campos do conhecimento, inspirados, talvez, no operar dos etnógrafos e dos antropólogos, Alberto decidiu visitar X’oyep. Tinham se passado quase 15 anos. Que marcas daquela experiência de confronto entre as mulheres indígenas e o Exército, registrada num átimo pelas lentes da câmera de Pedro Valtierra, estariam presentes na memória das pessoas do lugar?

    O leitor é surpreendido no último capítulo do livro com o relato dessa viagem, em que a paisagem vivenciada pelo historiador é conectada aos relatos das entrevistas concedidas a ele pelos jornalistas Valtierra e Balboa, quando documentaram o evento. Presente e passado, percepção e memória produzem em Alberto del Castillo Troncoso possibilidades de novas leituras, novas sensações, outros sentimentos, novas experiências, novos deslocamentos analíticos — a começar pelo inesperado encontro com o indígena Antonio López, que o recebe espontaneamente em sua casa para uma conversa/entrevista. Alberto descobre estar diante de um personagem central não apenas do evento que resultou na fotografia icônica As mulheres de X’oyep, mas do massacre de Acteal — em que foram alvo os indígenas em 22 de dezembro de 1997 —, homem com estreita conexão com o evento fotografado por Valtierra. Ao leitor, deixamos plantada a curiosidade para conhecer mais essa incursão do historiador e autor do livro nas plagas indígenas mexicanas do estado de Chiapas.

    Dessa forma, temos em mãos um livro de uma história conectada a múltiplas histórias da América Latina, na luta dos povos indígenas em defesa de suas terras, de sua cultura, de seu estilo de vida, de seus valores e princípios éticos. Uma obra de um historiador que apresenta análises sociais, políticas, econômicas, culturais e visuais que se atualizam em diversos níveis, produzindo a compreensão de que a história é movimento constante a reconstruir leituras e ressignificações de lutas e resistências.
    Desejamos instigantes leituras deste importante livro, que premiou um historiador incansável em sua trincheira de resistência.
     

     

    As mulheres de X'oyep: fotografia e memória

    Autor: Alberto del Castillo Troncoso

  • Postado por editora em em 07/11/2022 - 16:24

    Este livro apresenta uma história conectada a múltiplas histórias da América Latina, na luta dos povos indígenas em defesa de suas terras, de sua cultura, de seu estilo de vida, de seus valores e princípios éticos. O historiador Alberto del Castillo Troncoso mapeia a trajetória da célebre fotografia "As mulheres de X'oyep", de Pedro Valtierra, que captou o instante em que duas mulheres 'tsotsiles' investem contra um dos militares em X'oyep após o massacre no povoado de Acteal. A obra apresenta as condições da produção da imagem, a busca documental empreendida por Valtierra e seu trabalho de edição. O autor analisa ainda os múltiplos aspectos que constituem o complexo processo de construção de uma imagem poderosa que, transcendendo a si mesma, se tornou um dos símbolos mais representativos da resistência indígena na América Latina.

    Confira o prefácio de Regina Beatriz Guimarães Neto e Antonio Torres Montenegro para esta versão em português, traduzida por Pablo F. de A. Porfirio e publicada por nós.

     

    O historiador Alberto del Castillo Troncoso é bastante conhecido na comunidade acadêmica do Brasil pelos artigos em diversas revistas, pela participação em congressos da Associação Nacional de História (Anpuh) e da Associação Brasileira de História Oral (Abho) e pela parceria com distintos grupos de pesquisa nacionais.
    Porém, foram seus livros direcionados com grande competência para a história de fotógrafos latino-americanos — privilegiando determinados conjuntos de fotografias produzidos sobre certos eventos — associada à metodologia da história oral que engendraram e consolidaram os laços com os historiadores do Brasil.
    A FGV Editora, ao publicar As mulheres de X’oyep, obra que recebeu o Prêmio Nacional de Ensaio sobre Fotografia, no México, concorre para ampliar as relações desse historiador com os leitores brasileiros.

    É importante destacar, além das qualidades analíticas excepcionais que o autor apresenta em seus livros e artigos, sua postura intelectual generosa — pois não se furta a sempre nomear os(as) diversos(as) colegas que têm colaborado com seu trabalho de historiador. No caso específico deste livro, destaca os significativos debates ocorridos em seminários de que participou em universidades do Brasil, além de numerosos colegas no México.
    Alberto del Castillo Troncoso, ao eleger a fotografia de imprensa para análise, articula as imagens visuais ao campo social e político e à representação estética. Alinha-se aos estudiosos que rompem com abordagens tradicionais, consideradas “científicas”, que de praxe defendem os “registros reais” ou as descrições “coladas à realidade”, como muitas vezes ocorre com o fotojornalismo em seu objetivo de informar e “provar”. Mas, como afirma Didi-Huberman (2006:49, grifo nosso), tal condição incorre em grave limitação: “[…] quererá não ver outra coisa além do que vê presentemente”.

    O historiador dessacraliza, na trilha dessa perspectiva, a imagem-objeto e procura o que excede ou transborda no movimento multiplicador de signos e espaços sensíveis. Importa observar que, para Alberto del Castillo, ao problematizar a multiplicidade de signos imagéticos que emanam da experiência visual com a fotografia e o fotojornalismo, em particular, a compreensão de “estar com” a imagem é válida até certo ponto, pois a imagem “viaja” e movimenta-se “além do horizonte”. Não há “devoção positivista ao objeto” (Didi-Huberman, 2006:176); o fotógrafo, como o artista, tratará da “produção da imagem” — esse é o ponto no qual recairá a análise. Como historiador exemplar, sem nenhuma intenção de totalizar o sentido das imagens, Castillo realiza um trabalho de artesão para desvelar e reconstituir os passos da construção da imagem que irá encenar-se no espaço público ao pesquisar as variadas formas de recepção/apropriação/ressignificação. De maneira muito particular, narra as trilhas percorridas e relatadas pelos jornalistas para a produção do registro visual — uma fotografia particular — do surpreendente embate de As mulheres de X’oyep, a fim de conferir ao “objeto visual” a singularidade do evento como acontecimento, como quer o historiador.
    O trabalho de documentar os diversos relatos dos jornalistas que estiveram presentes fotografando a luta das mulheres de X’oyep projeta o registro imagético em uma rede de forças políticas e sociais, em acirrada disputa. Nessa trilha, a imagem produzirá grande clamor público nacional e internacional e, como tal, efeito político de impacto, mobilizador de outras lutas.

    A tarefa do historiador Alberto del Castillo segue o caminho da reflexão rigorosa ao partir para realizar uma análise semântica da fotografia, dedicando-se a uma espécie de “crônica da produção fotográfica”, com vários desdobramentos na linha da interação e do diálogo com o fotógrafo-autor. A análise biográfica de Pedro Valtierra passa a ser um imperativo da pesquisa, em que o nome próprio de Valtierra encontra sua função: o nome desloca-se para o coletivo e adentra o espaço público no universo dialógico do fotojornalismo. Alberto del Castillo ainda nos presenteia, nesse contexto, com as reflexões sobre as inovações da produção da fotografia no México nas últimas décadas do século XX.

    A pesquisa historiográfica, nessa rica moldura, para intelectuais como Castillo é uma experiência teórica e prática a cada passo, sempre uma aprendizagem. Novas incursões se delinearam com base na imagem fotográfica, centro de seu interesse, que configurou a luta presente dos indígenas chiapanecos, com destaque para suas mulheres, e múltiplas mobilizações em espaços diferenciados não apenas no México, mas em outros países da América Latina. Sobretudo, impulsionou o imaginário político das lutas pelos direitos dos indígenas e pela força das mulheres, que compõem imagens icônicas.

    Alberto del Castillo elaborou sofisticadas interconexões críticas entre passado e presente, movimento que produziu fecundas análises sobre memória e testemunho, em que pontua os inícios do movimento zapatista (entre 1994 e 1995), os deslocamentos políticos dessa luta e as diversas recepções da fotografia produzida por Valtierra. Não há nem presenteísmo nem finalismo em sua narrativa historiográfica. O presente não é narrado como sucedendo ao passado, mas nesse passado se encontram inflexões significativas de práticas de poder que se constituem em referenciais para o estudo do presente. Há, nesse sentido, a força da contemporaneidade “que demarca uma singular relação com o próprio tempo” e o “interpela” (Agamben, 2009:64). Inaugura-se, desse modo, outro percurso metodológico e narrativo.
    No âmbito dessa experiência, o autor contribui com o relato sobre a fotografia das mulheres indígenas barrando o avanço dos militares, publicada na primeira página de um jornal. O texto que opera como registro do fato dado a ver em imagem exige conhecer a história do México. Nesse sentido, o historiador não se furta a dizer da aliança de algumas lideranças indígenas com setores do governo que reforçam o neoliberalismo de fins do século passado na América Latina e que devem também ser consideradas no embate paradoxal do exército de mulheres indígenas, documentado nessa foto.

    Segundo Alberto, outro fator que concorreu para a força icônica da imagem fotojornalística de Valtierra em X’oyep é o fato de ela ter sido agraciada com o Prêmio Internacional de Jornalismo Rei da Espanha. Ao mesmo tempo, em outro nível de análise, numa perspectiva do tempo da longa duração, haveria de se considerar o fato de algumas pesquisas afirmarem “o reconhecimento histórico e a lealdade das comunidades indígenas à instituição da monarquia ibérica”, forjados ao longo dos três séculos de dominação da Coroa espanhola.

    O autor detalha, para maior compreensão contextual, uma breve história biográfica dos principais trabalhos realizados por Valtierra, como a cobertura guerrilheira sandinista na Nicarágua e na Guatemala. Explica, ainda, em razão do exercício de distintos editores que revolucionaram o fotojornalismo no México, como as agências fotográficas serviram de escolas para Valtierra e sua geração.

    A fotografia premiada, transformada em ícone da resistência indígena liderada pelas mulheres, foi também analisada por diferentes estudiosos que o historiador Castillo comentará e entrevistará. Apresenta-se, nesse caminho, a perspectiva do professor Ariel Arnal,1 do jornalista Rafael Cardona, da escritora Elena Poniatowska, bem como da professora Deborah Dorotinsky Alperstein. Ou seja, o autor se detém em uma cuidadosa reflexão acerca das diversas leituras que a fotografia engendrou. Ele observa:
    Talvez o mais relevante consista em poder situar o problema da constante mobilidade das interpretações e a maneira como distintas leituras dessa imagem seguirão contribuindo para um maior conhecimento das condições de vida das comunidades indígenas e sua luta para defender sua cultura a partir de sua projeção como um ícone fotográfico.

    Em continuidade à pesquisa, o autor desloca o foco para as formas de apropriação de distintos jornais e revistas: a revista Epoca, a revista de divulgação científica Bulletin of the Atomic Scientists, o semanário liberal norte-americano First of the Month. Alberto del Castillo conclui o capítulo “História de um ícone” assinalando que First of the Month, ao publicar a foto As mulheres de X’oyep, também coloca como legenda a pergunta “As fotografias mentem?”, atribuída ao subcomandante Marcos.
    Entretanto, o autor, em seu percurso narrativo, surpreende o leitor com um episódio inusitado. Em 2001, o subcomandante Marcos, em face da eleição do presidente Vicente Fox, que acenava com mudanças para amplos setores da população, deslocou-se da zona de Los Altos de Chiapas para a Cidade do México a fim de pressionar o governo pela reforma indígena que foi negociada nos Acordos de San Andrés. Ele se hospedou por 20 dias nas instalações da Escola Nacional de Antropologia e História (Enah), em Cuicuilco, ao sul da Cidade do México. Nesse período, realizou uma aula para os estudantes da Enah no maior auditório da escola, que esteve superlotado para ouvi-lo. E sua aula, para surpresa geral, teve como inspiração a fotografia de Valtierra, que Marcos abriu numa cartolina e colou num quadro, causando grande impacto e emoção. A fotografia foi a referência para a aula do comandante e “professor” Marcos. Segundo ele, ali estavam representados os dois blocos que se enfrentavam naquele momento na selva chiapaneca, fielmente representados na fotografia de Valtierra. Alberto conclui que “o principal líder do movimento zapatista conferiu, naquela singular ‘aula’ acadêmica da Enah, um reconhecimento explícito a essa fotografia como a referência visual mais notável do zapatismo em torno do conflito indígena”.

    Como é próprio aos historiadores de ofício, que não se deixam capturar pelas fronteiras dos campos do conhecimento, inspirados, talvez, no operar dos etnógrafos e dos antropólogos, Alberto decidiu visitar X’oyep. Tinham se passado quase 15 anos. Que marcas daquela experiência de confronto entre as mulheres indígenas e o Exército, registrada num átimo pelas lentes da câmera de Pedro Valtierra, estariam presentes na memória das pessoas do lugar?

    O leitor é surpreendido no último capítulo do livro com o relato dessa viagem, em que a paisagem vivenciada pelo historiador é conectada aos relatos das entrevistas concedidas a ele pelos jornalistas Valtierra e Balboa, quando documentaram o evento. Presente e passado, percepção e memória produzem em Alberto del Castillo Troncoso possibilidades de novas leituras, novas sensações, outros sentimentos, novas experiências, novos deslocamentos analíticos — a começar pelo inesperado encontro com o indígena Antonio López, que o recebe espontaneamente em sua casa para uma conversa/entrevista. Alberto descobre estar diante de um personagem central não apenas do evento que resultou na fotografia icônica As mulheres de X’oyep, mas do massacre de Acteal — em que foram alvo os indígenas em 22 de dezembro de 1997 —, homem com estreita conexão com o evento fotografado por Valtierra. Ao leitor, deixamos plantada a curiosidade para conhecer mais essa incursão do historiador e autor do livro nas plagas indígenas mexicanas do estado de Chiapas.

    Dessa forma, temos em mãos um livro de uma história conectada a múltiplas histórias da América Latina, na luta dos povos indígenas em defesa de suas terras, de sua cultura, de seu estilo de vida, de seus valores e princípios éticos. Uma obra de um historiador que apresenta análises sociais, políticas, econômicas, culturais e visuais que se atualizam em diversos níveis, produzindo a compreensão de que a história é movimento constante a reconstruir leituras e ressignificações de lutas e resistências.
    Desejamos instigantes leituras deste importante livro, que premiou um historiador incansável em sua trincheira de resistência.
     

     

    As mulheres de X'oyep: fotografia e memória

    Autor: Alberto del Castillo Troncoso

  • Postado por editora em em 07/11/2022 - 12:55

    Este livro foi a saída encontrada por seu autor/narrador, para escapar produtivamente da solidão impiedosa durante a pandemia de Covid-19. Isto, porque ler um bom livro nos leva a muitos e muitos lugares físicos, sociais, culturais, existenciais. O autor declara que ler e/ou reler os clássicos foi seu projeto e prática, por mais de cinquenta anos. Fizesse o que fizesse, estivesse onde estivesse, a leitura de autores clássicos sempre foi o seu foco. E durante o recolhimento da pandemia foi também um projeto de saúde mental. Misto de ficção e documentário, o livro é um belo achado de criatividade, inteligência narrativa e consistência de informações históricas, literárias, filosóficas. A edição conta ainda com o prefácio de autoria de Carlos José Fontes Diegues, o respeitadíssimo intelectual Cacá Diegues.

    Confira o prefácio:

    Para se ler um texto como este, como convém, não se deve correr atrás das frases e das palavras como animais que acabam de escapar do cercadinho em que vivem. E não convém correr, não adianta correr. As citações se impõem independente das relações delas com o que as antecedeu.
    Curioso que, na jovem literatura brasileira, há uma evidente tendência de fabricar mistérios no que é simples, mas este texto fabrica uma emoção literária bem oposta – o que é simples reage criando complexidades nos vocábulos que se articulam em frases aparentemente comuns.
    O que serve de alimento para suas citações, interpretações e aparentes conflitos não é, muitas vezes, o que deseja o autor original, tentando explicar o que não consegue entender no mundo diante dele. Uma espécie de negação daquilo que se foi buscar nos textos, o aproveitamento de palavras/ideias que não são as do autor para ilustrar sua angústia, iluminar pelo oposto o que se sente de verdade diante do mundo e das dificuldades que ele constrói para nós, quando menos esperamos. E nós não esperamos nada, nunca; embora isso dependa do momento em que vivemos.
    A literatura de Mauricio Murad é a fonte em que ele vai buscar suas ideias para hoje e para sempre. Um aproveitamento que se deseja contaminado pelo que ele pensou, até aqueles autores originais surgirem em sua vida.
    Como nem sempre é possível explicar por que aqueles desenhos de vida estão lhe interessando, o rompimento com o que é dito pelos outros pensadores se transforma numa manipulação muito bem-sucedida, enriquecendo com a soma disso tudo, o que para o autor devia ser só dele. O homem é sempre o resultado daquilo que ele pensa, somado ao que não quer pensar.
    Não sei se o que escrevi acima serve de algum modo ao leitor. Embora leia muito e de tudo um pouco, não tenho o direito de me meter em certos campos da ficção literária, não fui convenientemente preparado para isso.
    No fundo de seu coração, Mauricio Murad acha que podia transformar tudo isso numa espécie de filme. Mas o texto, como está, não me parece cinematográfico. É impossível filmar só ideias. Mas tudo no mundo pode virar cinema, inclusive esse passeio pela filosofia dos tempos modernos e os sonhos (ou pesadelos) que ela provoca. Para fazer isso, basta esquecer o que está feito em benefício dos sonhos que estão por trás das frases escritas. Aí elas têm que virar imagem e o resto do filme, frases afogadas em ideias que as construíram. Isso é que é arte. Ou a arte que interessa fazer.
    Para simplificar tudo isso, sugiro que quem lê comece essa tentativa de adaptação de uma arte para outra, pela última citação shakespeariana, uma bela e esperta síntese do que se encontra no clímax do texto. Shakespeare é sempre uma boa síntese de tudo, com um sorriso no canto da boca.

     

    Viagem na primeira classe: (re)encontrando autores imortais, suas obras e personagens

    Autor: Mauricio Murad

    Lançamento da obra dia 16 de dezembro, às 16h00, na Livraria FGV.