É conhecida a importância intelectual e acadêmica que Gilberto Velho, eminente cientista social brasileiro, teve no seu país. Mas também é notável a influência singular que, ao longo das últimas décadas, teve nas ciências sociais em Portugal.
A relevância da obra e da atuação do antropólogo no meio acadêmico dos dois países contribui para o desenvolvimento da sociologia e da antropologia urbana em língua portuguesa - incentivando formas abertas de diálogo interdisciplinar, literário e artístico no seio dos estudos urbanos - e para a aproximação dos intelectuais brasileiros e portugueses, abrindo espaço para uma intensa troca de ideias e impressões pessoais.
No ano em que Gilberto Velho completaria 70 anos de vida, os professores Celso Castro (Brasil) e Graça Índias Cordeiro (Portugal) lançam a obra Mundos em mediação: ensaios ao encontro de Gilberto Velho. Trata-se de uma coletânea de ensaios de intelectuais de Brasil e Portugal impactados pela convivência com a produção e com a figura de Gilberto Velho. Os textos guardam não apenas uma visão abrangente da sua obra, como também focalizam, na visão de cada um deles, aspectos centrais da influência que teve em sua formação e seus trabalhos.
Selecionamos um trecho da obra com impressões portuguesas do capítulo 'Gilberto Velho e as ciências sociais em Portugal' - António Firmino da Costa e Maria das Dores Guerreiro - e um trecho de visões brasileiras do capítulo 'Um antropólogo de braços dados com a história e a literatura' - Alessandra El Far.
Confira:
Portugal:
"Não procuramos, de modo algum, ser exaustivos, nem quanto aos conceitos, nem quanto às obras, mas tão só dar conta de algumas das referências que têm feito parte da formação de antropólogos e sociólogos portugueses, e que por eles têm sido usadas em suas pesquisas e teses.
São referências aprendidas com Gilberto Velho, na leitura das suas obras, mas também diretamente, nas palestras, seminários, orientações e contatos pessoais que se foram multiplicando nas últimas décadas, nas visitas dele a Lisboa e nas visitas de muitos de nós ao Rio de Janeiro, em particular ao Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), onde Gilberto Velho tinha a sua sede acadêmica.
Importa sublinhar que a obra de Gilberto Velho tem âmbito geral e plena atualidade. Uma prova está, justamente, na diversidade de estudos e análises que nela se têm inspirado e a partir dela se têm desenvolvido, não só no Brasil mas também noutras partes do mundo, nomeadamente em Portugal — como se tem vindo a assinalar. Não pretendemos ser capazes de identificar todas as razões dessa capacidade continuada de inspiração intelectual.
Mas uma parte da explicação está, cremos, na maneira penetrante como conseguiu conectar observação fina de pequenos episódios do quotidiano com conceitos de grande alcance teórico, alicerçados em tradições intelectuais das mais relevantes.
Outra parte da explicação tem a ver, parece-nos, com a atenção que sempre escolheu dar ao caráter multifacetado dos universos urbanos e das vidas pessoais, aos cruzamentos de experiências e referências culturais, aos trânsitos e mediações entre diferentes contextos e papéis sociais. Desse modo, conseguiu elaborar instrumentos analíticos cognitivamente muito poderosos, utilizáveis em lugares variados e diversas situações, na decifração e interpretação de traços fundamentais da sociedade contemporânea, com a complexidade que ela assume, em particular nos quadros de vida urbanos."
Brasil:
"Como se sabe, Gilberto Velho foi também um admirador de Gilberto Freyre, que analisou a sociedade colonial e imperial brasileira imbuído das muitas leituras que fez durante sua diversificada formação internacional. No artigo que escreveu para a revista portuguesa Sociologia, problemas e práticas Gilberto Velho recuperou a trajetória do intelectual pernambucano, salientando o trânsito bem-sucedido de Freyre pelas diferentes disciplinas e áreas de interesse, tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos e Europa (Velho, 2008). Esse intercâmbio geográfico e interdisciplinar teria sido fundamental, segundo Gilberto Velho, na reflexão que verdadeiramente norteou todo o trabalho do autor de Casa-grande & senzala (1933): a interação entre indivíduo e sociedade.
Enfim, Gilberto Velho por décadas a fio dedicou-se à antropologia dos grandes centros urbanos. E, nessa vasta e complexa malha de agentes e manifestações culturais, encontrou uma diversidade de temas, priorizou conceitos, alargou os alcances da disciplina e incentivou as gerações nascentes a seguir pelo mesmo caminho. Estimulou também, com imensa generosidade, diálogos interdisciplinares e institucionais, estreitando, como bem mostrou esse colóquio, laços de amizade e reciprocidade."
Mundos em mediação: ensaios ao encontro de Gilberto Velho
Organizadores: Celso Castro e Graça Índias Cordeiro
Textos: António Firmino da Costa, Maria das Dores Guerreiro, João Teixeira Lopes, Graça Índias Cordeiro, Helena Bomeny, Alessandra El Faar, Julia O’Donnel, Lígia Ferro, Isis Martins, Ricardo Bento, Celso Castro e Rosa Maria Perez.