Em outubro de 2009, uma jovem estudante de Turismo de uma universidade particular do interior de São Paulo foi hostilizada e humilhada pelos colegas ao chegar ao campus. Os jovens que a xingavam e agrediam verbalmente estavam indignados com a roupa usada pela estudante: um vestido rosa curto, considerado por eles impróprio para o ambiente acadêmico. A confusão foi enorme, e a jovem só conseguiu deixar o campus sendo escoltada por policiais militares, sob gritaria e insultos. Dias depois, a universidade expulsou a estudante, alegando que seu comportamento feria 'os princípios éticos, a dignidade acadêmica e a moralidade'. O caso ganhou projeção nacional em toda a mídia, e a decisão da universidade foi considerada por muitos como intolerante e preconceituosa.
Em maio de 2008, o então deputado Álvaro Lins (atualmente cassado) redigiu uma lei estadual aprovada pela Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj) que dispunha sobre a realização de 'festas rave' e 'bailes do tipo funk'. A lei determinava o cumprimento de inúmeras exigências para a autorização desses eventos (que deveria ser dada pela Polícia Militar local), praticamente impossibilitando a realização de bailes funk em favelas cariocas. Profissionais e apreciadores do gênero denunciaram que a lei estava sendo usada inconstitucionalmente por policiais para reprimir o funk nas favelas em qualquer tipo de execução: doméstica, em festas particulares, em sons de automóveis. Em setembro de 2009, após intensa mobilização de jovens funkeiros e profissionais do funk, a lei foi revogada. A discussão em torno da proibição de bailes funk é constante e acalorada na sociedade carioca. Para uns, o funk está sendo tratado preconceituosamente como caso de polícia, e não como manifestação cultural. Para outros, o funk deve ser proibido por fazer apologia ao tráfico de drogas e à pornografia. O debate envolve moradores de favelas, jovens funkeiros, policiais militares, professores universitários, jornalistas e políticos.
No carnaval de 2010, durante o desfile de um bloco carnavalesco em um bairro nobre da Zona Sul do Rio de Janeiro, um senhor aposentado se sentiu incomodado ao presenciar um beijo entre duas jovens, uma de 17 e outra de 18 anos, e chamou a polícia por suspeita de pedofilia. Ao chegar ao local e constatar do que se tratava efetivamente a denúncia, um dos policiais disse ao aposentado que a situação não configurava crime, e que a polícia não deveria intervir. O senhor não ficou satisfeito e acusou o policial de não querer 'cumprir o seu dever'. Os policiais levaram para a delegacia os envolvidos na confusão, que só depois de muitas horas foram liberados. O incidente, que ganhou destaque na mídia, causou muita confusão no local e bate-boca entre policiais, foliões e o aposentado, que foi acusado pelos presentes de homofobia.
Apesar de bem diferentes entre si, as situações descritas acima possuem um ponto em comum: todas envolvem a difícil convivência com o outro na cidade, e estão diretamente relacionadas a jovens. Palavras como 'intolerância', 'desrespeito', 'limites' e 'direitos' estiveram presentes na discussão da opinião pública e nas conversas em círculos privados que se seguiram a cada um desses acontecimentos. A tensão constante entre os grupos, os indivíduos e as instituições envolvidos foi o ingrediente principal, e não por acaso a força policial e a Justiça estiveram presentes nesses conflitos para encaminhar seus desfechos, nunca satisfazendo a todos os envolvidos. Vemos que a ideia de liberdade, em diferentes acepções, perpassa cada uma dessas histórias e toca cada um de seus participantes.
Liberdade é um valor central nas sociedades democráticas. Mas não apenas isso: nas sociedades democráticas modernas, 'ser livre' é direito almejado por todos e prazer a ser usufruído na esfera privada. Os embaraços que podem ocorrer no exercício da liberdade são marcados pelos conflitos originados a partir de atos que inevitavelmente envolvem outros indivíduos, perturbam limites, questionam convenções e costumes já estabelecidos. Dependendo de como se entenda 'ser livre', esses conflitos podem ser menosprezados, radicalizados, negociados, reconhecidos e, até mesmo, valorizados. A questão é que 'liberdade', ainda que seja uma palavra muito usada em nossa sociedade, está longe de possuir uma definição inequívoca.