Real

  • Postado por editora em em 02/06/2016 - 15:59

    No Brasil, a taxa de câmbio está — recorrentemente e por motivos variados — no primeiro plano do debate econômico nacional. Por vezes, a sobrevalo­rização cambial é o principal problema apontado sob pena da fragiliza­ção da indústria brasileira; por outras vezes, os rápidos processos de desva­lorização e seus efeitos inflacionários tornam-se o centro das preocupações, ou ainda, períodos de alta volatilidade são destaques ao provocar indefini­ção, incerteza e perplexidade nos analistas econômicos. Essa alternância de motivos para a centralidade do câmbio no debate econômico é também um sintoma das especificidades da formação da taxa de câmbio brasileira e da di­ficuldade da política cambial em dar um tratamento definitivo ao problema.

    O comportamento da taxa de câmbio no Brasil e o impacto de políticas cambiais são analisados na obra Taxa de câmbio e política cambial no Brasil, que lançaremos no dia 9/6, sob a perspectiva do quadro regulatório, da operacionalidade do mercado de câmbio, das mediações entre os mercados à vista e futuro, da estratégia de investimento dos agentes, dos ciclos especulativos e da existência de canais de arbitragem.

    O livro do economista Pedro Rossi não pretende discutir qual seria o nível adequado da taxa de câmbio no Brasil, e sim apontar como sua formação vem sendo siste­maticamente influenciada pelas forças do mercado financeiro e descrever os canais pelos quais as políticas públicas podem ser efetivas. Para isso, a obra apresenta as respostas para questões como: por que o fluxo cam­bial não explica a trajetória da taxa de câmbio real/dólar? Qual o papel do mercado de derivativos na formação da taxa de câmbio? Como a pressão especulativa é transmitida do mercado futuro para o mercado à vista? Quais os agentes responsáveis pela especulação e pela arbitragem? Entre outras.

    Confira um trecho do primeiro capítulo:

    TAXA DE CÂMBIO — ASPECTOS GERAIS
    Os movimentos da taxa de câmbio não são neutros e não deixam ninguém indiferente. Em sua essência, o câmbio é um preço relativo entre ativos sui generis: as moedas, que são alicerces das economias modernas e constituem a referência para a formação dos preços de bens, dos serviços e também dos preços financeiros. A variação na taxa de câmbio é, portanto, a variação do preço de uma moeda medida em relação a outra moeda e, consequentemente, é a variação de toda uma estrutura de preços relativos que tem impacto nos ganhos de setores econômicos e classes sociais. Nesse sentido, a estrutura produtiva e a distribuição de renda são influenciadas pelos movimentos da taxa de câmbio.
    Dada a sua importância, este capítulo propõe apresentar de forma introdutória e didática algumas questões gerais sobre o tema da taxa de câmbio e seu impacto macroeconômico. O capítulo está organizado em torno da problematização de seis pontos: 1) as especificidades do conceito de taxa de câmbio, 2) a relação entre o câmbio e a competitividade externa, 3) os impactos da variação cambial na inflação, 4) nos salários reais e 5) na estrutura produtiva e distribuição de renda e, por fim, 6) a controvérsia entre poupança e taxa de câmbio. Alguns desses pontos parecem triviais, à primeira vista, mas quando discutidos em profundidade, revelam pormenores importantes para o debate econômico e ajudam a desconstruir mitos.

    1. SOBRE O CONCEITO DE TAXA DE CÂMBIO
    Como medida de valor, a moeda é a referência para todas as mercadorias e contratos em um território nacional, e o preço de mercadorias e contratos é expressão monetária do valor dos mesmos. Em uma economia hipoteticamente fechada, a moeda nacional não tem preço, pois teria que se referir a si
    própria, como equivalente de si mesma. Contudo, no mundo em que vivemos, as moedas nacionais têm preço quando comparadas a outras moedas; a esse preço específico dá-se o nome de taxa de câmbio.
    Logo, a taxa de câmbio é o preço de uma moeda — equivalente geral de um espaço econômico e referência de uma estrutura de preços relativos — em relação a outra moeda. Ou seja, a taxa de câmbio expressa a quantidade necessária de uma moeda para se adquirir outra moeda. Nesse sentido, o câmbio é o elemento que permite comparar estruturas de preços relativos de espaços monetários distintos. Como argumenta Flassbeck (2001), a taxa de câmbio é um conceito bilateral, uma vez que sempre depende da comparação entre duas moedas. Não existe, portanto, a taxa de câmbio de um país e, a rigor, a expressão “taxa de câmbio brasileira” é um equívoco conceitual, trata-se da taxa de câmbio real/dólar, real/euro etc.

    2. CÂMBIO E COMPETITIVIDADE EXTERNA
    As tarifas de comércio externo têm impacto direto na competitividade dos setores produtivos domésticos. Uma alteração da tarifa sobre importação tende a modificar diretamente a competitividade dos produtos estrangeiros nos mercados nacionais, enquanto uma variação da tarifa sobre exportações altera a competitividade do produto doméstico no plano internacional.
    No que se refere à competitividade, o movimento da taxa de câmbio tem efeito análogo a uma combinação de políticas tarifárias, por exemplo, uma desvalorização cambial equivale a um aumento das tarifas de importação somado à redução das tarifas de exportação. Com isso, amplia-se a competitividade dos produtos domésticos simultaneamente nos mercados interno e internacional. Por outro lado, uma valorização cambial equivale à combinação de redução de tarifas de importação e de aumento das tarifas de exportação e, portanto, prejudica a produção de bens domésticos transacionáveis nos mercados interno e internacional.
    Apesar de causar impactos semelhantes sobre a competitividade do setor produtivo, as tarifas são amplamente reconhecidas como instrumento de política econômica, enquanto o mesmo não ocorre para a taxa de câmbio. No plano da política doméstica são debatidas, formuladas e explicitadas estratégias de política tarifária. Também no plano internacional há um fórum específico para discussão dessas políticas e para acordos multilaterais acerca das tarifas de comércio: a Organização Mundial do Comércio. Já a taxa de câmbio é um instrumento de política menos considerado tanto no debate doméstico quanto nos fóruns multilaterais onde faltam espaços para uma discussão normativa acerca dos desajustes cambiais, seus efeitos sobre os desequilíbrios de balanço de pagamento e sobre as diferentes estruturas produtivas domésticas.

    3. CÂMBIO E INFLAÇÃO
    É frequente, no debate econômico, a afirmação de que não se deve desvalorizar artificialmente a taxa de câmbio, pois o efeito esperado será essencialmente uma taxa de inflação maior e uma menor eficiência na alocação de recursos. Adicionalmente, argumenta-se que a desvalorização é ineficaz, pois a inflação provocada neutraliza o efeito nominal e resulta em uma taxa de câmbio real estável. Esses argumentos, apesar de comuns, são parciais e devem ser relativizados. A desvalorização cambial não deve ser entendida como uma simples geradora de pressão inflacionária, mas como uma fonte de alteração dos preços relativos no âmbito de uma economia nacional.
    Há três grupos de preços de produtos na economia: os preços monitorados, os preços de bens não comercializáveis e os preços de bens comercializáveis. A dinâmica do primeiro grupo de preços é definida por contratos e, portanto, independe da taxa de câmbio — exceto em casos específicos em que esses contratos são indexados à variação cambial.
    Já os preços de bens comercializáveis, onde se incluem os produtos agrícolas e industriais, são diretamente afetados pelas variações cambiais pelos motivos já conhecidos: a alteração dos preços relativos dos produtos domésticos vis-à-vis os produtos estrangeiros. Ou seja, a valorização cambial torna os produtos domésticos menos competitivos no mercado doméstico e internacional, enquanto a desvalorização cambial tem o efeito reverso.
    No caso dos preços de bens não comercializáveis, onde se classifica a maior parte dos serviços, não há dependência direta da taxa de câmbio. Por natureza, a concorrência no setor de serviços tradicional é uma concorrência limitada ao espaço doméstico/local, uma vez que não há possibilidade de substituição desses tipos de produtos por produtos estrangeiros. Ou seja, não se muda o filho para uma escola nos EUA porque a taxa de câmbio valorizou, ou não se vai ao cabeleireiro em Paris pelo mesmo motivo.
    Visto isso, o efeito de uma desvalorização cambial deve ser entendido no contexto desses três grupos de preços. Essa corresponde a um ajuste de preços relativos que aumenta os preços dos bens comercializáveis em relação aos preços de serviços e aos preços monitorados, e o efeito inflacionário direto é restrito a esse primeiro grupo de bens. Adicionalmente, esse efeito inflacionário também é restrito no tempo, pois os preços só aumentam enquanto durar o processo de ajustamento da economia à nova configuração de preços relativos. Nesse sentido, a desvalorização cambial não provoca a aceleração da inflação e sim um aumento localizado de uma categoria de preços e restrito no tempo.
    Essa desvalorização cambial pode aumentar indiretamente os preços de serviços por um “efeito custo”, mas também pode reduzir indiretamente esses preços por um “efeito demanda”. Esse último efeito é mediado pela redução da demanda por serviços causada por um comprometimento maior da renda doméstica com os bens comercializáveis. Ou seja, enquanto o câmbio valorizado pode aumentar a demanda por serviços causando uma inflação de serviços acima da média, a desvalorização cambial tende a conter o aumento de preços nesse setor. Esse processo completa o ajustamento da economia
    para um novo patamar de preços relativos, onde o setor produtor de bens (industriais e agrícolas) tem um ganho em relação ao setor de serviços.
    Nesses termos, é um equívoco associar o ajuste cambial à inflação de preços generalizada uma vez que esse constitui, em sua essência, um ajuste de preços relativos dos preços domésticos vis-à-vis os preços internacionais e entre diferentes grupos de preços domésticos.

    4. CÂMBIO E SALÁRIOS REAIS
    Uma desvalorização cambial é frequentemente vista como politicamente impopular, uma vez que pode reduzir o poder de compra da população no curto prazo. Apesar de relativamente correta, pode-se desmitificar essa ideia, a começar pelo seguinte argumento: a desvalorização cambial só provoca uma redução dos salários reais se a taxa de inflação foi superior ao aumento de salário nominal no período em questão.
    Pela ótica da renda, que trata da remuneração dos fatores de produção, o produto (y) é igual aos salários (w), lucros (l) e rendas (i) medidos em termos reais. Uma visão simplificada atribui à desvalorização cambial o efeito de redistribuir a renda nacional prejudicando os salários e favorecendo os lucros. Isso porque o câmbio mais desvalorizado por um lado aumenta o preço dos bens de consumo do trabalhador e, por outro lado, dá ganhos de competitividade ao setor produtivo, o que permite a recomposição das margens de lucro. Contudo, esse efeito não ocorre se a variação nos preços dos bens de consumo do trabalhador foi inferior ao aumento de salários nominais. Ou seja, a parcela dos salários reais na renda pode ser mantida e até aumentada diante de uma desvalorização cambial. Por exemplo, quando uma desvalorização cambial ocorre simultaneamente a uma queda nos preços de commodities, a mudança cambial pode não gerar pressões inflacionárias e assim não reduzir o poder de compra do trabalhador. (CONTINUA)

     

    O lançamento do livro será no dia 9/6, às 19h, na Livraria da Travessa de Botafogo.

    Taxa de câmbio e política cambial no Brasil: teoria, institucionalidade, papel da arbitragem e da especulação

    Autor: Pedro Rossi

  • Postado por editora em Atualidades, Destaques, Opinião em 01/07/2014 - 12:57

    Em 1º de julho de 1994 o Brasil deixava de calcular uma inflação de três dígitos e atualizações diárias de preços com a implementação do Plano Real.

    Após diversas tentativas de controle da hiperinflação e crescimento econômico, que teve início 30 anos antes, em 1964 com o Paeg, o Brasil passou por cerca de sete moedas até chegar ao Real.

    real

     

    De acordo com Samy Dana, professor de economia da FGV, O Plano Real foi diferente dos planos econômicos anteriores pois "foi pensando e preparado com um ano de antecedência: desde 1993 para sua implementação em 1994. Não foi simplesmente uma plano emergencial como os planos Cruzado (1986), Bresser (1987), Verão (1989) e Brasil Novo, que ficou mais conhecido como Plano Collor, em 1990. (...) Uma das medidas para alinhar os preços da economia foi a implementação da URV (Unidade Real de Valor), que vigorou de março a junho de 1994. Os preços passaram a ser cotados em URV, que equivalia à cotação do dólar do dia."

    Samy ainda comenta que "Naquela época não houve apenas corte de três zeros da moeda imediatamente anterior, como observado nos planos passados. Houve uma substituição de todo o dinheiro em circulação no país. Já em junho daquele ano (1994) a inflação caiu para 7% e manteve uma trajetória de queda ao longo do segundo semestre de 1994."

    Apesar desse sucesso inicial, a significativa perda do valor durante essas duas décadas, facilmente percebida em comparações corriqueiras, mostra que R$1 de 1994 equivalem hoje a R$0,20.

    O economista e professor José Julio Sena, autor do artigo sobre 'política monetária no Brasil antes e depois da crise', do livro Ensaios IBRE de economia brasileira - 1, faz um pequeno histórico da implementação da moeda, conforme trecho deste artigo a seguir:

    "No projeto de reforma monetária que caracterizou o chamado Plano Real, não estava claro o regime cambial que acabaria vigorando. Quando a unidade de conta (URV) introduzida na fase preliminar do Plano foi transformada em real, em primeiro de julho de 1994, a ideia inicial era a de que a relação entre o dólar e a nova moeda fosse de um para um. A confortável situação do balanço de pagamentos, porém, abriu espaço para que se permitisse a apreciação da moeda nacional. O fortalecimento nominal do real durou até outubro do mesmo ano, quando atingiu R$ 0,83 por dólar. A partir desse ponto, começaram as intervenções oficiais no mercado de câmbio. A crise do México e ajustes promovidos pelo Banco Central enfraqueceram o real, cuja cotação chegou a R$ 0,95/US$ 1 em setembro de 1995. Desse ponto em diante, e até meados de janeiro de 1999, funcionou uma espécie de minibanda, de natureza móvel. E a volatilidade da taxa cambial foi muito modesta."

    A estabilização alcançada com a moeda proporcionou a diminuição da desigualdade social e a formalização do mercado de trabalho, mas a economia brasileira ainda precisa avançar com reformas fiscal e política e redução dos índices atuais da inflação que, desde 2010, vem aumentando sensivelmente.

    20 anos após o plano que transformou 11.000.000,00 (onze milhões de cruzeiros reais) em R$ 4.000,00 (quatro mil reais), a alta de preços, mesmo que muito longe dos quase 50% de junho de 1994, ainda é uma realidade no país.

     

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    Samy Dana é professor de economia da FGV e colunista da Folha de São Paulo com o blog 'Caro dinheiro'. Autor do livro VBA para administradores e economistas da Editora FGV.

    José Julio Senna foi diretor do Banco Central e é membro do Conselho Diretor da FGV. Autor do livro Política monetária: idéias, experiências e evolução e do artigo citado contido no livro Ensaios IBRE de economia brasileira - 1, ambos da Editora FGV.

     

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