Mais de 1,25 milhão de pessoas nas ruas, pelo menos cem cidades em protesto, milhões de pessoas falando de um só assunto nas redes sociais, um jovem morto em SP, cerca de 50 feridos no Rio, vários confrontos incitados por uma minoria.
Esses são alguns números da maior onda de manifestações que cruzaram o Brasil na noite de ontem, desde o início dos protestos.
Foto sem crédito - internet.
O leque de reivindicações aumentou e a sociedade desligou a TV para ir às ruas contra o aumento das passagens de ônibus, gastos com a Copa, PEC 37, “cura gay”. Sob essa grande pressão, governos estaduais e municipais cederam, diminuindo os valores das passagens, e a votação da PEC 37 foi adiada - em ambos os casos, aparentemente para acalmar os ânimos.
Sem bandeiras políticas, de forma ordenada e pacífica (pela maioria dos participantes), o Brasil virou notícia no mundo e o movimento ganhou a simpatia de diversos países e dos próprios brasileiros, há muito desacreditados sobre possibilidades de mudanças.
Encontramos o cientista político, jornalista e assessor de direitos humanos da Anistia Internacional Brasil, Maurício Santoro, que, direto da Turquia, comentou essas ações especialmente para nosso Blog.
Mesmo de longe, num momento tão importante em nosso país, Maurício consegue esclarecer e analisar pontos importantes dessas manifestações, inclusive traçando paralelos com a Turquia.
Confira:
Brasil e Turquia criticam líderes eleitos democraticamente, que têm grande apoio popular, apesar de não viverem crises econômicas. O medo do peso crescente da religião para o Estado laico e a preocupação em como grandes obras e eventos prejudicam a qualidade de vida em cidades como Rio de Janeiro e Istambul são coincidentes em ambos os casos.
Sobre as manifestações do Brasil, o aumento nas passagens foi apenas o estopim. Os protestos, que no início se concentraram nas péssimas condições do transporte público brasileiro, também tiveram foco sobre as reações à fortíssima violência policial, a pior já vista na democracia, que atingiu não só os manifestantes como os jornalistas.
A violência policial foi brutal. Essas agressões são comuns no trato da polícia contra os pobres, mas raras em suas relações com a classe média, que tem muito poder político, e o usou para pressionar as autoridades.
Os movimentos ainda passaram a defender a liberdade de expressão e de associação e o direito de criticar o governo, além do ataque à falta de representatividade do sistema político, aos escândalos de corrupção e ao modo como se conduz a preparação da Copa e das Olimpíadas.
Essas são as maiores manifestações no Brasil em 20 anos, com protestos que acontecem fora de uma situação de crise econômica. Esta crise é, na essência, política: o choque entre as expectativas mais elevadas de uma nova geração - a primeira nascida e criada na democracia, em um ambiente de mais prosperidade - e um sistema político que não consegue atender a essas demandas.
Além disso, o uso inovador e criativo das redes sociais para divulgar denúncias, desmentir o governo e organizar protestos foram de extrema importância na articulação dos movimentos.
A política de mobilização social se tornou global e bem mais rápida. As novas tecnologias de informação difundem ideias, táticas e métodos de organização de modo quase instantâneo.
Ainda não está claro se as manifestações terão ou não um novo foco - isso será visível a partir dos próximos dias, diante das reações à diminuição da tarifa em São Paulo e no Rio de Janeiro, mas é possível imaginar protestos semelhantes pela má qualidade da saúde pública, por exemplo.
Mauricio Santoro é autor do livro ‘Ditaduras contemporâneas’, da Coleção FGV de Bolso – Série Entenda o mundo, lançado recentemente pela Editora FGV.