Viagem na primeira classe

Este livro foi a saída encontrada por seu autor/narrador, para escapar produtivamente da solidão impiedosa durante a pandemia de Covid-19. Isto, porque ler um bom livro nos leva a muitos e muitos lugares físicos, sociais, culturais, existenciais. O autor declara que ler e/ou reler os clássicos foi seu projeto e prática, por mais de cinquenta anos. Fizesse o que fizesse, estivesse onde estivesse, a leitura de autores clássicos sempre foi o seu foco. E durante o recolhimento da pandemia foi também um projeto de saúde mental. Misto de ficção e documentário, o livro é um belo achado de criatividade, inteligência narrativa e consistência de informações históricas, literárias, filosóficas. A edição conta ainda com o prefácio de autoria de Carlos José Fontes Diegues, o respeitadíssimo intelectual Cacá Diegues.

Confira o prefácio:

Para se ler um texto como este, como convém, não se deve correr atrás das frases e das palavras como animais que acabam de escapar do cercadinho em que vivem. E não convém correr, não adianta correr. As citações se impõem independente das relações delas com o que as antecedeu.
Curioso que, na jovem literatura brasileira, há uma evidente tendência de fabricar mistérios no que é simples, mas este texto fabrica uma emoção literária bem oposta – o que é simples reage criando complexidades nos vocábulos que se articulam em frases aparentemente comuns.
O que serve de alimento para suas citações, interpretações e aparentes conflitos não é, muitas vezes, o que deseja o autor original, tentando explicar o que não consegue entender no mundo diante dele. Uma espécie de negação daquilo que se foi buscar nos textos, o aproveitamento de palavras/ideias que não são as do autor para ilustrar sua angústia, iluminar pelo oposto o que se sente de verdade diante do mundo e das dificuldades que ele constrói para nós, quando menos esperamos. E nós não esperamos nada, nunca; embora isso dependa do momento em que vivemos.
A literatura de Mauricio Murad é a fonte em que ele vai buscar suas ideias para hoje e para sempre. Um aproveitamento que se deseja contaminado pelo que ele pensou, até aqueles autores originais surgirem em sua vida.
Como nem sempre é possível explicar por que aqueles desenhos de vida estão lhe interessando, o rompimento com o que é dito pelos outros pensadores se transforma numa manipulação muito bem-sucedida, enriquecendo com a soma disso tudo, o que para o autor devia ser só dele. O homem é sempre o resultado daquilo que ele pensa, somado ao que não quer pensar.
Não sei se o que escrevi acima serve de algum modo ao leitor. Embora leia muito e de tudo um pouco, não tenho o direito de me meter em certos campos da ficção literária, não fui convenientemente preparado para isso.
No fundo de seu coração, Mauricio Murad acha que podia transformar tudo isso numa espécie de filme. Mas o texto, como está, não me parece cinematográfico. É impossível filmar só ideias. Mas tudo no mundo pode virar cinema, inclusive esse passeio pela filosofia dos tempos modernos e os sonhos (ou pesadelos) que ela provoca. Para fazer isso, basta esquecer o que está feito em benefício dos sonhos que estão por trás das frases escritas. Aí elas têm que virar imagem e o resto do filme, frases afogadas em ideias que as construíram. Isso é que é arte. Ou a arte que interessa fazer.
Para simplificar tudo isso, sugiro que quem lê comece essa tentativa de adaptação de uma arte para outra, pela última citação shakespeariana, uma bela e esperta síntese do que se encontra no clímax do texto. Shakespeare é sempre uma boa síntese de tudo, com um sorriso no canto da boca.

 

Viagem na primeira classe: (re)encontrando autores imortais, suas obras e personagens

Autor: Mauricio Murad

Lançamento da obra dia 16 de dezembro, às 16h00, na Livraria FGV.

Este conteúdo foi postado em 07/11/2022 - 12:55 categorizado como: sem categorias. Você pode deixar um comentário abaixo.

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