Publicada originalmente em 2006, a obra Presidencialismo e governabilidade nas Américas, de Octavio Amorim Neto, traz um prefácio que bem poderia estar nos livros mais recentes sobre o tema, mesmo passados 10 anos.
Recuperamos esses arquivos e trouxemos, em formato digital, todo o conteúdo que discute o sistema presidencial de governo, particularmente o chamado “presidencialismo de coalizão”, principalmente no caso brasileiro e considerando que a maioria dos países latino-americanos tem sistemas multipartidários; além de exemplos das experiências mundiais com o parlamentarismo e o semipresidencialismo em busca de ilustrações e referentes comparativos.
O livro procura responder questões como: Quais são os principais objetivos dos presidentes?; Por meio de quais estratégias decisórias os presidentes tentam alcançar seus objetivos? Qual a relação entre a estratégia decisória escolhida pelo presidente e a formação do seu gabinete? Há um nexo entre, por um lado, a composição do gabinete e, por outro, a sua durabilidade e a estabilidade ministerial? Existe alguma relação entre a composição dos gabinetes presidenciais e o déficit fiscal? O presidencialismo precisa ser reformado nas Américas?
Confira o préfacio da obra:
"Este livro de Octavio Amorim Neto, um estudo aprofundado do sistema presidencial de governo, particularmente o chamado “presidencialismo de coalizão”, vem a lume em um momento crítico da democracia brasileira. Não foi, porém, pensado como uma análise conjuntural, centrado nos eventos deste final de quadriênio presidencial em nosso país. Ao contrário.
O texto expõe os resultados de uma ampla investigação, guiada por teoria e hipóteses, fundada em vasto material empírico, e concebida e realizada bem antes da crise em que o país ora se debate. Inscreve-se em uma linha de pesquisa que ganhou corpo nos últimos anos, a saber: o estudo comparado dos sistemas de governo, mediante a observação de numerosos casos e uso de rigorosa estatística. Além de contribuições originais à discussão do tema, o livro abre também promissoras trilhas para exploração futura.
Seu relevo para a interpretação de nossa conjuntura política advém, precisamente, de sua solidez e abrangência científica, que corrobora o dito: nada mais prático do que uma boa teoria. Mas as indagações de Amorim Neto almejam além da conjuntura; procuram elucidar as estratégias mediante as quais os sistemas presidenciais do hemisfério constroem os governos, mantêm-nos e os fazem funcionar na produção de políticas, sobretudo as de cunho fiscal. Assim, esses sistemas procuram contornar, com variável sucesso, a distância institucional entre os poderes Executivo e Legislativo. Tal distância, com seus desafios à governança, caracteriza o presidencialismo, mas não é desconhecida nos sistemas parlamentares, parecendo congênita às democracias contemporâneas.
Nos últimos 300 anos, mudaram as concepções de poder e as maneiras de as nações se organizarem politicamente. Algumas delas, como a Inglaterra e, desde a sua independência, os Estados Unidos, tomaram a dianteira na experimentação de novos arranjos e combinações das diferentes funções de governo.
A partir do final do século XVIII e ao longo do século XIX, surgiram o presidencialismo norte-americano, conhecido como “sistema de separação de poderes”, o parlamentarismo britânico, conhecido como governo de gabinete, no qual, dentro do Parlamento eleito, passaram a conviver tanto uma Assembléia quanto um Poder Executivo, formado pelo partido majoritário; e os parlamentarismos do continente europeu, sob as modalidades monárquica ou republicana, em geral com maior separação entre os poderes do que a do governo de gabinete britânico. Já no século XX, inventou-se o semipresidencialismo, na República de Weimar, com relançamento bem-sucedido na França gaullista.
As novas democracias têm-se inspirado, em suas escolhas constitucionais, nesses modelos, sobretudo no semipresidencialismo. São permanentes, contudo, em todos esses sistemas, os desafios do relacionamento entre os poderes Legislativo e Executivo, traduzidos, entre outras, nas questões relativas à iniciativa de leis, à formação do gabinete, à disciplina partidária no apoio parlamentar ao governo, aos poderes emergenciais do Executivo e à sua capacidade de agir e impor seus desígnios à Assembléia.
Amorim Neto explora em profundidade esse relacionamento para os sistemas presidenciais das Américas, com especial ênfase nos casos brasileiro e venezuelano.
Nos sistemas parlamentares, a maioria parlamentar, formada por um partido ou coalizão de partidos, normalmente embasa o Poder Executivo (e embasar significa, na prática, a presença dos partidos da coalizão no ministério). Todavia, mesmo havendo tal simbiose, são ainda precisos poderes de decreto, medidas provisórias, votes bloqués, e questões de confiança e guillotines, para que a vontade do Executivo possa prevalecer sobre a da Assembléia.
Na matriz presidencial norte-americana, o sistema partidário concentrase em duas grandes agremiações no plano nacional. Não há, pois, governos de coalizão. Conforme o partido que detenha a maioria parlamentar seja ou não o do presidente, teremos governos unificados ou divididos, com diferentes desempenhos nas suas estratégias de ação e políticas.
Como é a situação quando o sistema partidário é fragmentado, como no caso brasileiro? O desafio constante de nossos presidentes, desde a República de 1946, como bem mostrou Sérgio Abranches em influente artigo de 18 anos atrás, tem sido o de construir uma base de apoio parlamentar, mediante coalizões.
Nosso Poder Executivo dispõe, na Nova República, de poderes constitucionais ampliados, mas o uso deles sempre se condiciona a sua política de coalizão, que garante maior ou menor apoio parlamentar.
Nem todas as coalizões são bem-sucedidas. Há condições a preencher, que o presente livro enuncia e submete à prova empírica.
A investigação de Amorim Neto traz-nos conhecimento novo sobre o sistema de governo presidencial e permite-nos melhor entender seus dilemas presentes. O autor não se furta, inclusive, em seu capítulo final, de especulações normativas sobre possíveis correções de rumo do sistema de governo brasileiro e do de alguns de nossos vizinhos, na linha do semipresidencialismo.
Presidencialismo e governabilidade nas Américas constitui, sem dúvida, uma bela contribuição para o entendimento de nossa política e, mais amplamente, dos dilemas do presidencialismo de coalizão. Sua leitura muito aproveitará não apenas ao público acadêmico, mas, também, a todos os que queiram compreender e melhor avaliar a crise pela qual estamos passando, à luz de uma visão teórica consistente e respaldada pela prova empírica."
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