José Carlos Reis

  • Postado por editora em em 17/05/2017 - 11:03

    Terceira incursão do historiador José Carlos Reis no projeto de mapeamento historiográfico das identidades do Brasil, este livro reivindica a necessidade de os brasileiros reavaliarem o próprio percurso histórico. O objetivo é problematizar a noção de uma “história geral”, de raiz universal, absoluta, unívoca, redigida pelo protagonismo narrativo europeu e norte-americano que, por meio do filtro etnocêntrico e homogeneizador, fixa nos compêndios a história do outro pelo olhar do eu. O autor, aqui, defende a ideia de uma história plural, “em que as diversas regiões do país contam diferentemente a história brasileira, mantêm relações diferentes com o passado e propõem projetos diferentes para o futuro”.

    Confira um trecho da apresentação da obra:

    "O objeto deste livro é a (re)escrita da história do Brasil, a construção e a reconstrução dos discursos sobre a história brasileira durante o século XX. É um estudo reflexivo, uma história intelectual, uma avaliação crítica da produção histórico-sociológico-antropológica sobre o Brasil. Vou diferenciar um “ponto de vista geral” de um “ponto de vista plural” e defender a necessidade de os cidadãos brasileiros começarem a ver a história brasileira diferentemente. O ponto de vista da “história geral” tem sua matriz na “história universal” escrita pelos europeus para legitimarem suas invasões e conquista do planeta. Os franceses, ingleses e alemães escrevem a história dos outros povos de tal maneira que eles se sintam resgatados, salvos da barbárie, do caos primitivo, do paganismo, com a chegada deles, os brancos cristãos europeus. O que os indígenas da América, os negros da África, os orientais pensam da sua própria história não importa, pois, ao entrarem em contato com os europeus, suas histórias ganharam um centro e passaram a ser decididas e dirigidas por protagonistas externos. Os norte-americanos deram continuidade a essa perspectiva histórica centralizadora, etnocêntrica, civilizadora, branqueadora, e, em suas obras de ficção, esse ponto de vista é estendido ao universo, aos planetas. O grupo da enterprise (empresa, companhia), dirigido pelo capitão James Tiberius Kirk, é um grupo de “exploradores”, de “conquistadores”, de “descobridores”, uma reedição das grandes navegações dos séculos XV e XVI.
    O objetivo é a homogeneização do universo, que deve ser submetido a um único governo, dominado por uma única cultura, habitado por um homem (os ETs serão humanizados!), enquadrado em um único padrão estético, lógico e ético. Os que não se adaptarem e não se integrarem a essa “história geral” não terão direito à sua experiência singular e à narração de sua história; serão esquecidos, excluídos, exterminados.
    Após a Independência, o Brasil precisava entrar nesse “concerto das nações ocidentais”, vencedoras; precisava inventar uma identidade reconhecível por elas; precisava adotar um ponto de vista geral integrador à grande história universal. Coube a Francisco Adolfo de Varnhagen, inspirado em um alemão, Carl Philipp von Martius, “inventar” essa “história geral do Brasil”, que se disseminou em compêndios que diziam narrar a “verdadeira história do Brasil”. Era uma visão centrada no Rio de Janeiro, na monarquia, que reivindicava a condição de “história nacional”, de narrativa única, geral, verdadeira, do Brasil. Esse ponto de vista geral fechou as possibilidades de interpretações diferentes da experiência brasileira, os fatos eram sempre os mesmos; os protagonistas, sempre os mesmos; os grandes eventos eram os ligados ao Estado; as datas eram incontornáveis, indiscutíveis; o enredo, sempre o mesmo; o sentido, único e incontestável. Predominava uma única “ordem do tempo”, que a população devia aprender, memorizar e repetir. Havia um “abuso da memória”, no sentido de que se deviam lembrar sempre as vivências brasileiras de uma única forma e em uma única perspectiva. O ponto de vista dessa história geral era etnocêntrico, branco, elitista; era a generalização do olhar de um grupo e de uma região, o ponto de vista de uma parte que se tomava como centro do todo. Essa história geral expressava um projeto político de conquista e colonização de uma região, que se considerava superior às outras. Desde a Independência, a Corte fluminense se representava como o núcleo branco, cristão e ocidental do Brasil, que tinha a missão heroica de “salvar o país”, levando ao interior bárbaro, com violência, se fosse necessário, os valores da civilização ocidental.
    Este livro visa problematizar essa noção de “história geral do Brasil” e propor uma “história plural do Brasil”, não etnocêntrica, em que as diversas regiões do país contam diferentemente a história brasileira, mantêm relações diferentes com o passado e propõem projetos diferentes para o futuro. Com esse ponto de vista plural, sustento que não deve haver uma narração única e ideal da experiência bra sileira, porque as regiões brasileiras viveram ou repercutiram diferentemente essa experiência. Há “experiências brasileiras”, no plural, há “tempos brasileiros”, múltiplos, que geram “narrações plurais” do Brasil. Para explorar essa multiplicidade de histórias brasileiras, selecionei seis clássicos do pensamento histórico brasileiro, que, embora tenham também ambições gerais, expressam o ponto de vista de vários estados da Federação. Por um lado, esta pesquisa quer romper com o ponto de vista da “história geral” como perspectiva única e ideal; por outro, mantém-se ligada a “histórias gerais”, mas, agora, múltiplas, várias, regionais, produzidas a partir de pontos diversos do território, gerando uma percepção prismática da vidabrasileira.
    Essa “história plural do Brasil” que proponho, posicionando-se entre a história regional e a história geral, irá explorar as visões fluminense, paulista, gaúcha, pernambucana, paraense e mineira do Brasil, mostrando como esses estados narram o passado brasileiro, a experiência geral brasileira, como se situam nela, como avaliam seus impasses e o que fariam para resolver as dificuldades brasileiras no futuro. Cada região avalia diferentemente o percurso da história brasileira, situando- se de forma central nela, e propõe seu próprio caminho para a solução dos impasses. Ao sugerir essa “história plural do Brasil”, esta pesquisa quer substituir o olhar centralizador, etnocêntrico, autoritário, unificador, branqueador e homogeneizador por um novo olhar, descentralizador, heterogeneizador, federativo, republicano, democrático, revelando as diversas faces da história do Brasil, as diversas avaliações e projetos de construção da nação. Não estou propondo a desintegração do país, fomentando separatismos, mas indicando uma direção de “unificação e diferenciação”, uma dialética de todo/partes, em que as partes se sintam o todo e o todo integre as partes. Posso dizer, metaforicamente, que substituirei o olhar predador da onça ou do leão pelo olhar sofisticado, sutil, múltiplo, facetado desses insetos que têm um “olhar composto” (omatídios), olhos que cobrem quasetoda a sua cabeça e lhes dão uma visão detalhada ao seu redor. Seus olhos, quase esferas completas, formados de pequenos olhinhos, são considerados os melhores olhos existentes, pois conseguem enxergar em todos os ângulos possíveis. Graças a essa capacidade excepcional de “visões”, a libélula e a abelha conseguem detectar padrões de movimento e rapidamente reagir a eles. Inspirado nesse olhar da natureza, este livro visa construir “visões do Brasil”, uma percepção poliédrica da realidade brasileira, que pode ampliar o conhecimento do passado e levar ao encontro de soluções democráticas. Esses insetos são “construtores”, conseguem construir laços de sociabilidade, ao contrário de leões e onças, animais que andam solitários ou em pequenos grupos, que só têm tanto prestígio por serem a referência de reis e elites, que não são minhas referências. Minha pretensão é conduzir o pensamento histórico brasileiro a uma “consulta oftalmológica” ou ao “consultório psicanalítico”, para sair de lá com novos óculos ou com uma nova linguagem, que expresse uma visão e representação ao mesmo tempo mais aberta e mais integrada de si.
    Formularei os seguintes problemas: pode-se narrar a experiência brasileira sempre da mesma forma e com o mesmo conteúdo? A história brasileira possui uma verdade imutável e absoluta, tal como aparecia na história geral fluminense do século XIX? Quais as formas, os estilos, os modos de escrever a história brasileira? Como os principais estados escrevem sobre a sua experiência brasileira? Quais os riscos de uma história geral e quais as vantagens de uma história plural? Qual é o lugar e a contribuição dos autores selecionados à historiografia brasileira do século XX? Qual é a concepção de “tempo histórico brasileiro” desses historiadores? Quais são os conceitos de “identidade/alteridade”, “evento”, “sociedade”, “ação”, “luta”, “projeto social”, “justiça social”, “utopia”, enfim, qual é o conceito de “história” desses historiadores e cientistas sociais? Quais são os “sentidos históricos” possíveis da nação brasileira? Como a sociedade brasileira recebeu e se apropriou ou pode ainda receber e se apropriar dessas obras?
    Minha hipótese mais geral: uma abordagem plural da vida brasileira é uma necessidade urgente, tanto do ponto de vista científico, se queremos ampliar e refinar o conhecimento do nosso passado, quanto do ponto de vista político, se queremos ampliar o exercício da cidadania, se queremos construir uma identidade brasileira consciente das suas diferenças republicanas e democráticas. Precisamos nos opor a visões centralizadoras e autoritárias, geralmente ensinadas no ensino fundamental e divulgadas pela mídia, para ter uma atitude realmente crítica em relação ao passado brasileiro e abrir nosso horizonte de expectativa para uma experiência comum de liberdade e democracia. Vou procurar demonstrar minha hipótese com o estudo e a análise de grandes intérpretes do Brasil, que mantêm entre si uma relação ao mesmo tempo de enfrentamento, de divergência radical e de complementaridade,de fecunda interlocução, pois os olhares divergentes trazem sempre novasinformações e constroem outras soluções para o Brasil. Vou construir uma nova narrativa do Brasil, procurando “fazer aparecer” a pluralidade dos “tempos brasileiros”: o tempo saquarema (fluminense), o tempo bandeirante (paulista), o tempo farroupilha (gaúcho), o tempo confederador (pernambucano), o tempo amazônida/ igaraúna (paraense) e o tempo inconfidente (mineiro). Esses “tempos brasileiros” aparecem em “narrativas do Brasil” muito diferentes, e conhecê-los significa ampliar, aprofundar, intensificar nosso conhecimento das identidades do Brasil.
    Para reconstruir a visão fluminense do Brasil, analisarei o livro de José Murilo de Carvalho 'A construção da ordem: a elite política imperial; Teatro de sombras:a política imperial (2012)', obra polêmica, vista como um elogio ao Império e a Pedro II, o conquistador do Brasil, enfatizando a construção do Estado e ignorandoa construção da nação, que expressa o “tempo saquarema”. Para reconstruir a visão paulista do Brasil, analisarei a obra de Fernando Henrique Cardoso 'Empresário industrial e desenvolvimento econômico do Brasil (1964)', o importante sociólogo-historiador paulista que se tornou, depois, presidente da República, que suponho expressar com forte atualidade o “tempo bandeirante” em seu esforço de conquista e domínio das outras regiões do Brasil. Para avaliar a visão gaúcha do Brasil, analisarei a obra do jurista-historiador Raymundo Faoro 'Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro (1975 [1958])', que, para mim, atualiza'o “tempo farroupilha” ao questionar o Estado brasileiro desde as origens — obra extremamente importante, original, sempre citada e analisada por historiadores ecientistas sociais, uma referência incontornável do pensamento histórico brasileiro. Para reconstruir a visão pernambucana do Brasil, analisarei a obra de Evaldo Cabral de Mello 'Rubro veio: o imaginário da Restauração pernambucana (1986)','que suponho representar o “tempo confederador” pernambucano, em alusão à Confederação do Equador, de 1824, que sempre resistiu às lideranças fluminense e paulista, procurando restaurar a centralidade e o prestígio de Recife/Olinda na história brasileira. Para avaliar a visão paraense do Brasil, analisarei a obra de Raimundo Moraes 'Na planície amazônica (1926)', que, para mim, representa o “tempo amazônida/igaraúna” da região Amazônica, que sofre com o abandono e desinteresse do governo central e pede para ser reconhecida e integrada ao conjunto da nação brasileira. Para enfatizar a visão mineira do Brasil, analisarei a obra de Darcy Ribeiro 'O povo brasileiro: a formação e o sentido do Brasil (1995)', que revela o “tempo inconfidente”, que questiona os poderes hegemônicos de São Paulo e Rio de Janeiro, aliando-se a gaúchos, pernambucanos e paraenses, para fazer avançar o projeto republicano em “um movimento de unificação e diferenciação”, levando o Brasil a se tornar uma nação ao mesmo tempo unida e descentralizada, uma verdadeira “federação”, justa e democrática.
    Os próprios títulos de algumas dessas obras sintetizam o tema e a problemática da pesquisa: “a formação e os sentidos do Brasil”, “o desenvolvimento brasileiro”, “as regiões brasileiras”, “as paisagens brasileiras”, “os grandes eventos brasileiros”, “os sujeitos da história brasileira”. Esses temas foram narrados de forma muito própria pelas diversas regiões do Brasil que, suponho, esses autores representam. Em cada uma das obras selecionadas, e em seu conjunto, abordarei os seguintes problemas: como cada região brasileira interpreta o Brasil? Como a historiografia regional representou o Brasil ao longo do século XX? Como cada região brasileira articula, na historiografia, o “espaço da experiência” e o “horizonte de expectativa” dos brasileiros? Que experiências brasileiras são resgatadas e centralizam essas representações regionais e com vista a quais futuros?
    Como cada um desses autores reconstruiu o passado brasileiro e como cada um deles perscrutou o futuro do Brasil? O exame das fontes, a escolha dos conceitos, das teorias, dos temas de pesquisa, a organização da argumentação estão sempre articulados a uma experiência presente da história, que propõe uma determinada redescoberta do passado e uma determinada tendência em relação ao futuro. José Murilo de Carvalho, Fernando Henrique Cardoso, Raymundo Faoro, Evaldo Cabral de Mello, Raimundo Moraes e Darcy Ribeiro, em seu presente, articularam o passado do Brasil ao seu futuro de uma forma determinada; eles produziram “interpretações do Brasil”. A análise interna de cada uma dessas configurações do tempo brasileiro, e sua comparação, poderá revelar um conhecimento mais aprofundado das identidades brasileiras."

    As identidades do Brasil 3: de Carvalho a Ribeiro - História plural do Brasil

    Jose Carlos Reis

     

  • Postado por editora em Atualidades, Entrevistas, Vídeos em 22/04/2013 - 17:10

    José Carlos Reis, autor do livro ‘Teoria & história: tempo histórico, história do pensamento histórico ocidental e pensamento brasileiro’, fala sobre a obra em entrevista ao Interconexão Brasil.

     

    De acordo com o professor, o propósito desta produção é discutir, de forma mais densa e consistente, as relações entre a história e a teoria, fugindo um pouco do empirismo e do positivismo historiográficos e propondo uma história mais pensada e reflexiva que, em sua opinião “é a história que deve ser”.

    Nesta obra, que traz um texto fluente e didático, o leitor é levado à instigante tarefa de refletir sobre os diálogos entre teoria e história, através das dissecações das principais correntes historiográficas mais recentes e das discussões metodológicas que norteiam seu trabalho.

    A entrevista pode ser assistida, na íntegra, em http://www.youtube.com/watch?v=VG42tg_QUE8.

     

     

    José Carlos Reis é autor de diversas obras sobre o tema, todas publicadas pela Editora FGV, listadas a seguir:

    História e teoria: historicismo, modernidade, temporalidade e verdade

    As identidades do Brasil 1: De Varnhagem a FHC

    As identidades do Brasil 2: de Calmon a Bomfim

    O desafio historiográfico

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