Dificilmente se compreenderá o país de hoje sem que se perceba o verdadeiro alcance do 31 de março de 1964.
Há exatos 50 anos, quando o presidente João Goulart foi deposto, não era possível prever que esse evento inauguraria os 21 anos do regime militar no Brasil.
O golpe não pressupunha, necessariamente, a ditadura que se seguiu. Com o apoio de expressiva parte da sociedade, principalmente da classe média urbana, da imprensa e da Igreja Católica que, anos depois, se tornariam fortes opositoras do regime, a tomada do poder pelos militares representou a expressão mais contemporânea do persistente autoritarismo brasileiro, que já havia se manifestado em tantas outras ocasiões – como no outro regime autoritário republicano, o Estado Novo (1937-45).
Por que tantos apoiaram o golpe? Como o golpe se transformou em uma ditadura? Estaria Goulart planejando impor as reformas independentemente do Congresso Nacional por meio de um golpe de Estado? Em que consistiu o apoio norte-americano ao golpe de 1964?
Essas e outras diversas perguntas têm suas respostas no livro 'O golpe de 1964: momentos decisivos', do professor Carlos Fico.
Outras questões foram levantadas em um pequena entrevista que o professor Fico nos concedeu. Confira:
1. É possível afirmar que às vésperas de março de 1964 o Brasil realmente caminhava para o socialismo?
Analistas importantes, como Jacob Gorender, consideram que o Brasil vivia, na época, uma situação pré-revolucionária. Isso não me parece correto. Havia, de fato, uma dinâmica social intensa, marcada por muitas greves e reivindicações de trabalhadores. O fato de Goulart estar no poder e propor as chamadas “reformas de base” trouxe para o centro do debate político a questão da pobreza, da injustiça social. De algum modo, pode-se dizer que o golpe de 1964 decorreu do medo das elites e de outros setores sociais em relação a essa conjuntura, mas não se tratava de uma circunstância pré-revolucionária.
2. 1968 é conhecido como o ano “do golpe dentro golpe”. A decretação do AI-5 realmente pode ser encarada como uma “revolução”? Como o senhor avalia o regime no período entre o golpe e o decreto desse Ato Institucional?
A expressão “revolução dentro da revolução” foi usada pelo general Costa e Silva. Ela não me agrada não apenas por causa disso, mas também porque não creio que tenha havido uma mudança de natureza do regime. Com o AI-5 houve, com certeza, uma mudança de escala da repressão, mas havia violência desde 1964. O AI-5 representou a vitória definitiva do grupo que, desde o golpe, reclamava mais punições e a continuidade do regime militar. Insatisfeitos, em 1964, com as cassações de mandatos e suspensões de direitos políticos, esses militares radicais exigiam a reabertura da temporada de punições, o que acabaram conseguindo parcialmente com o AI-2 (1965) e definitivamente com o AI-5.
3. Como o senhor avalia a criação e a atuação da Comissão da Verdade?
A Comissão Nacional da Verdade foi uma boa iniciativa, algo tardia, do processo que chamamos de Justiça de Transição. Não tenho muitas informações sobre sua atuação, mas temo que a insistência em tratar dos casos mais conhecidos não seja uma boa estratégia para despertar a atenção da sociedade. Muitas pessoas que não atuavam na esquerda foram atingidas pela repressão. Se esses casos se tornassem conhecidos, talvez a sociedade se mostrasse mais interessada em conhecer aquele período. Torço para que a comissão produza um relatório impactante e revelador.
O golpe de 1964: momentos decisivos
Carlos Fico
Coleção FGV de Bolso | Série História
Impresso: R$22 | eBook: 15
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