Em 2 de setembro de 2014 no Rio de Janeiro, e em 1º de outubro em São Paulo, a equipe de pesquisa do projeto Acervos Digitais do Centro de Tecnologia e Sociedade (CTS) da Fundação Getulio Vargas realizou dois workshops com participação total de mais de 50 profissionais de instituições de memória envolvidos com projetos de digitalização, do Brasil e de outros países da América Latina. Foram criados instrumentos abertos de acompanhamento e sistematização – as notas foram tomadas em pads públicos, que podiam ser atualizados por qualquer pessoa, e a sistematização foi, após envio aos participantes, publicada em uma página do projeto Wikimedia, que pode ser acessada e modificada por qualquer pessoa. Sistematizando os pontos trazidos nos workshops, percebemos que as questões problemáticas em torno da digitalização de acervos no Brasil podem ser divididas em quatro eixos: (1) tecnologia/padrões/metadados; (2) direito; (3) políticas institucionais e (4) financiamento.
A experiência tornou evidente o quanto pode ser frutífero o diálogo entre especialistas de diferentes frentes da mesma questão. Dessa experiência surgiu a ideia deste livro, organizado por Bruna Castanheira de Freitas e Mariana Giorgette Valente, que agrega os diferentes pontos de vista deste debate.
Memórias digitais: o estado da digitalização de acervos no Brasil, obra da Editora FGV em parceria com a FGV Direito Rio é um esforço de oferecer um panorama geral de questões de interesse a quem esteja refletindo sobre acervos digitais ou embrenhando‑se em um projeto de digitalização. Discutem‑se questões de financiamento às atividades de digitalização, de direito autoral, desafios técnicos e, ao final, três experiências de digitalização, em duas instituições nacionais e uma instituição sueca, são relatadas.
Confira as conclusões do primeiro capítulo ‘Financiamento de acervos no Brasil’:
“No Brasil, ainda existe uma grande dependência de recursos públicos para a criação, manutenção e expansão dos acervos de bibliotecas, museus e demais equipamentos de preservação e promoção do patrimônio, seja pelas leis de incentivo fiscal, pela atuação de instituições como o BNDES ou por editais de apoio direto. Se por um lado os fins constitucionais e as metas do Plano Nacional de Cultura exigem, de fato, uma postura ativa do poder público no apoio, por outro, verifica‑se um momento político‑econômico de arrocho orçamentário das contas públicas.
Nesse contexto, há uma necessidade de diversificar, quantitativa e qualitativamente, os instrumentos de financiamento de acervos existentes no país. Isso necessariamente deve passar pela reforma e restruturação dos modelos de gestão do patrimônio hoje existentes.
Mesmo em museus mundialmente conhecidos, como o Louvre, em Paris, o Metropolitan, em Nova York, ou o Guggenheim, em Bilbao, esse desafio existe. Tais instituições buscaram diversificar suas receitas com a criação de lojas de souvenir e restaurantes, ou mesmo de aluguel e venda de parte do acervo.
Conforme exposto, no caso brasileiro a grande dependência aos mecanismos de incentivo fiscal torna projetos de preservação e democratização de acervos pouco atraentes para a iniciativa privada, o que dificulta sua viabilização financeira. Instrumentos como editais públicos e privados voltados para a seleção de projetos, responsáveis por aporte direto de recursos, bem como linhas de apoio do BNDES, ajudam a corrigir essa ausência de incentivos.
Ainda existem, no entanto, muitos desafios a serem enfrentados.
Sendo a preservação de acervos uma ação contínua, editais pontuais abarcam apenas uma parte das necessidades relativa ao setor. As estruturas existentes voltadas a um apoio continuado de acervos são, muitas vezes, insuficientes, ficando a mercê de empresas privadas a decisão de aportar ou não recursos nesses projetos. E, portanto, de fundamental importância que se criem e ampliem mecanismos regulares de preservação e difusão de acervos, abarcando o projeto não apenas em sua fase inicial, mas que levem em consideração o aspecto prolongado das necessidades envolvendo esse setor.
A promoção e a proteção do patrimônio cultural brasileiro, por meio dos acervos, são mais que uma responsabilidade compartilhada entre o poder público e a sociedade; e uma determinação constitucional, além de um elemento essencial e indispensável ao desenvolvimento cultural do país. Como política cultural, as coleções públicas existem para preservar o patrimônio artístico nacional e permitir a fruição cultural pela população. É imprescindível, portanto, que existam as condições necessárias para que elas estejam ao alcance de todos.”
Memórias digitais: o estado da digitalização de acervos no Brasil
Organizadoras: Bruna Castanheira de Freitas e Mariana Giorgette Valente