Para ler os clássicos do pensamento político

  • Postado por editora em Destaques em 28/07/2014 - 14:56

    Para ler os clássicos do pensamento político: um guia historiográfico, do professor Marcos Antônio Lopes, apesar de passados mais de dez anos de sua publicação, permanece uma obra atual que apresenta ao leitor a trajetória da história do pensamento político ao longo do século XX, suas mudanças de enfoque e sua atualização recente, especialmente nas obras de Quentin Skinner e J. G. Pocock.

    A obra continua a ser uma importante referência para os estudiosos dedicados ao pensamento político e, ao mesmo tempo, um estímulo para o desenvolvimento de estudos dessa natureza nesse meio acadêmico.

    Confira a introdução:

    A história intelectual possui interesses diversificados e originais suficientemente capazes de lhe garantir, há pelo menos um século, as suas cartas de nobreza. Entre outras formas de caracterização, esse vasto campo de estudos pode ser concebido da maneira como Jean-François Sirinelli o definiu há mais de uma década: uma região de fronteiras entre a história dos intelectuais, a história da cultura política e, em sentido mais amplo, a história das ideias. Região de fronteiras, certamente encoberta até então por uma cortina de fumaça. Assim é que, para Sirinelli, resulta em equívocos o fato de que “...a história dos intelectuais, a das ideias políticas e a da cultura política eram três domínios totalmente estranhos entre si. A obra de Jean Touchard prova exatamente o contrário. (...) As pesquisas de Raoul Girardet sobre o nacionalismo francês e, mais recentemente, sobre o imaginário político constituem outra prova gritante: a história das ideias políticas é inseparável da história de uma sociedade e de uma cultura”.
    Nessa ampla área de pesquisa, as décadas de 1970/80 foram definidoras, em virtude de uma importante injeção de consciência histórica nos estudos sobre o pensamento político. Contudo, muitas das propostas de historiadores de inegável relevo como Quentin Skinner e John Pocock já eram elementos disseminados na historiografia contemporânea, pelo menos desde os anos 1920. Isso parece apontar para o fato de que enfoques acerca de elementos constitutivos da relação texto/contexto — intencionalidade autoral/atos do discurso, por exemplo —, bem como sobre problemas relacionados à linguagem política — vocabulário normativo de uma época/polissemia de expressões-chave, entre outros —, haviam sido lançados desde as primeiras décadas desse século, ainda que esparsa e pontualmente, por um conjunto considerável de historiadores das ideias políticas. Mas é certo que a própria noção de contexto histórico é algo que se alterou significativamente de geração para geração — ou inclusive numa mesma geração de historiadores —, o que acentua ainda mais as contribuições inovadoras das mais recentes tendências da história intelectual.
    Em 1974 o historiador inglês Quentin Skinner publicava seu importante texto “Some problems in the analysis of political thought and action” — artigo que citamos em reedição de 1988 —, no qual afirmava algumas de suas considerações metodológicas: “A percepção do sentido histórico de um determinado texto é uma condição necessária para sua compreensão, e este processo jamais será alcançado simplesmente ao estudarmos apenas o texto”.
    Trata-se, com toda certeza, de um horizonte teórico que apresentou inovações consideráveis. A visada contextualista desenvolvida por Quentin Skinner e outros historiadores intelectuais foi responsável pelo grande vigor e prestígio de que desfruta a história intelectual na atualidade, apesar dos ataques da crítica, sobretudo aqueles da história intelectual de outra extração, desferidos principalmente do campo do pós-estruturalismo. Sem desconsiderar as virtudes das várias correntes de interpretação de textos — com todas as propostas que anunciam como a novidade do dia —, é preciso recordar, com W. H. Greenleaf, que aquilo que se apresenta como novidade é, em certos aspectos, apenas o velho, sob uma outra forma. Avaliando por esse ângulo, ao desenvolvermos os temas deste livro, nossa perspectiva encontra-se bem próxima à de Jacques Le Goff que, empreendendo um amplo estudo sobre o desenvolvimento da historiografia contemporânea, não identificou necessariamente avanço qualitativo com o simples desenvolvimento cronológico do saber histórico.
    Ignorar esse saudável relativismo talvez possa dar margem a perspectivas maniqueístas acerca do avanço da historiografia contemporânea, com um sabor anacrônico de “batalha dos livros” — título da impiedosa obra de Swift (1697), que tomou o partido dos antigos —, para recordar o famoso debate histórico-literário entre os antigos e os modernos, que se iniciou na Itália do século XVII, alastrando-se por toda a Europa, até a época do Iluminismo. Nas Gulliver’s travels into several remote nations of the world (1726), por exemplo — sátira aos costumes de seu tempo e que, curiosa e paradoxalmente, tornou-se desenho animado e título consagrado da literatura infantil em edições edulcoradas —, Jonathan Swift ainda repercute o estado de ânimo dos europeus em relação aos paralelismos que conjeturavam acerca da superioridade das artes e das ciências dos antigos sobre a engenhosidade dos modernos, e vice-versa. Na sátira Battle of books Swift havia afirmado a superioridade dos antigos através da comparação destes com as abelhas. Já os modernos eram equiparados às aranhas, que retiram do próprio corpo os materiais de suas construções.
    Ao analisarmos algumas correntes da historiografia do pensamento político ao longo do século XX, nossa reflexão não pretende realçar comparações do tipo “antigos versus modernos”, como se a exposição de um debate historiográfico — no curso diacrônico de seu movimento — levasse inexoravelmente à superioridade das abordagens mais recentes. Sem negar a natureza cumulativa do conhecimento histórico, os “antigos” e os “modernos” possuem valor equitativo, porque avaliados em seus respectivos tempos históricos. Parafraseando uma máxima acerca das várias faces da política, que citamos de memória por não recordarmos exatamente de sua autoria — mas deve tratar-se da famosa reflexão de Clausewitz sobre a guerra —, o moderno talvez não seja muito mais que a continuação do antigo, por outros meios.
    Sendo assim, alguns dos méritos das novas tendências na área devem-se menos ao que acrescentaram — a título de contribuição própria e original — do que àquilo que recuperaram da tradição anterior, como um conjunto diversificado e eficaz de pistas teóricas no intrincado ofício de dialogar com as ideias daqueles que só deixaram seus livros, como enfatizou Hobbes há séculos. Isso pode significar que, no interior da grande tradição interpretativa em torno dos textos políticos, há espaço de sobra para a continuidade, para a novidade, e, muito mais ainda, para a recriação.
    Este livro é uma breve introdução a algumas das correntes que influenciaram o desenvolvimento da história do pensamento político ao longo do século XX. Pretende-se apenas definir e sintetizar os pressupostos centrais de determinadas teorias da interpretação de textos políticos. Assim sendo, o trabalho não tem a pretensão de constituir-se num histórico da história intelectual do político, ainda que se tenha optado por uma exposição cronológica de seu desenvolvimento.
    Mas como definir um campo de estudos tão vasto? Tarefa árdua, e muito arriscada, pela simples evidência de que não há uma história do pensamento político. A sua trajetória — tão diversificada em correntes teóricas — demonstra apenas que ela não possui uma essência eterna. Tendo em mente os principais riscos desse tipo de abordagem, o propósito é refletir acerca de algumas tendências da história do pensamento político, bem como analisar as formas pelas quais determinados autores as instrumentalizaram em suas pesquisas, e de que maneira elas têm-se refletido na interpretação dos textos políticos.
    Trata-se, portanto, de uma incursão panorâmica pelo campo teórico definido pela historiografia anglo-americana como história intelectual. Expressões aqui empregadas, como história intelectual, história das ideias e história das ideias políticas, salvaguardadas algumas nuanças, referem-se a um objeto comum de reflexão: a história do pensamento político. Pretende-se apontar para as diversas formas postas em prática pelos historiadores — em diferentes contextos da produção historiográfica do século passado —, no trabalho de compreensão das obras políticas.

    Para ler os classicos do pensamento politico - um guia historiog

     

     

     

    Para ler os clássicos do pensamento político: um guia historiográfico

    Marcos Antônio Lopes

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