Os livros didáticos se tornaram notícia na mídia impressa e televisiva. De tempos em tempos, seus autores são colocados na berlinda, acusados de trazerem aos leitores informações inadequadas. Tais críticas se tornam mais preocupantes porque os livros didáticos são avaliados pelo Estado brasileiro por meio do Programa Nacional do Livro Didático. Este livro se debruça sobre a problemática do livro didático de história, analisando as políticas que os estabelecem e as narrativas que eles trazem a seu público.
Confira parte da introdução da obra:
Os livros didáticos em nosso país se tornaram notícia na mídia impressa e televisiva. De tempos em tempos, seus autores são colocados na berlinda, acusados de trazerem aos leitores informações erradas, defasadas ou tendenciosas. Sabe-se que tais problemas podem ocorrer em qualquer publicação, não sendo exclusividade dos livros escolares.
Mas tais críticas se tornam mais graves e preocupantes porque os livros didáticos fazem parte de um aparato educativo, são voltados à formação de crianças e jovens, e, além disso, são avaliados e adquiridos pelo Estado brasileiro por meio do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD). Por conseguinte, as críticas feitas na imprensa aos livros didáticosrepercutem diretamente sobre os governantes e as políticas públicas de educação, pondo em xeque até mesmo a validade e os métodos adotados em tais políticas.
A imprensa não é a única a colocar os livros didáticos sob suspeição.
Os especialistas de cada área de conhecimento que não participam do processo de avaliação do PNLD, quando têm a oportunidade de tecer considerações sobre os livros didáticos, muitas vezes se espantam com o descompasso entre a produção acadêmica de sua área e o que encontram nos livros, em seu ponto de vista, ainda sujeitos a distorções sem justificativa.
Entre os professores do Ensino Básico, as opiniões se dividem de acordo com sua formação acadêmica. Entre as críticas mais presentes, a da legibilidade dos textos, que segundo esses mesmos professores pode estar acima da capacidade de compreensão de seus alunos, exigindo maior ou menor intervenção por parte do docente (Munakata, 2001).
Já para os alunos, muitas vezes os livros são enfadonhos, com muitos e longos textos, incompreensíveis, o que coloca em dúvida se o problema está no livro, nas características do fugaz leitor contemporâneo ou dos conteúdos programáticos a ensinar e aprender.
Esse não é um fenômeno apenas nacional (Choppin, 2002). Cada um de nós possui um ponto de vista diferenciado sobre o livro didático, de acordo com nossa proximidade pessoal, geracional e ocupacional — entre outras variáveis. Se somos alunos da escola, ou ex-alunos de muito tempo atrás; pais ou jornalistas; professores do Ensino Básico ou especialistas da universidade; gestores de políticas públicas ou donos de editoras que irão submeter obras ao PNLD. Cada um desses lugares sociais, junto com as demandas que nos colocam, vai nos aproximar
ou fazer repelir afetiva, econômica, política ou intelectualmente determinada obra didática ou o tratamento que confere a um tema, em seus textos, imagens e exercícios.
Os livros didáticos de história estão entre os mais visados pela crítica pública, em especial a jornalística, que representa a posição de determinados segmentos da sociedade. Tais livros elaboram uma narrativa sobre o passado remoto, mas também sobre o passado recente, que tende a repercutir de forma mais apaixonada e direta sobre nós. Não é casual que parte da crítica aos livros didáticos se dê pela acusação de viés ideológico. Os livros de história, pelos assuntos de que tratam, são plenos em ideologia, por mais que se busque isentá-los de proselitismo.
Tais livros não apenas retratam a sociedade em sua história (Choppin, 2002). Por terem uma finalidade educativa, eles narram essa história destacando aspectos que podem bonificar a sociedade de que tratam e silenciar sobre aspectos que representariam demérito, por meio dos temas, enfoques, sujeitos, eventos e processos escolhidos para serem narrados. Essa narrativa escolar que compõe os textos do livro didático de história é, também, portadora de uma memória social com valor formativo, como afirmam Guyon, Mousseau e Tutiaux-Guillon (1994:47):
A memória seleciona os grandes episódios do passado, transforma os atores em heróis, oculta os eventos que prejudicaram a coesão do grupo (como guerras civis, grandes conflitos sociais, repressão do poder central, ocupação estrangeira...). A memória do grupo legitima o presente, constitui uma visão ideal do grupo, alimenta seu imaginário.
A face memorial da narrativa escolar, em tempos de busca de direitos assentados em disputas da memória, aprofunda um problema constitutivo do livro didático em sua função social quanto à correção dos conteúdos que tratam de temas sensíveis à memória: que narrativa é a correta? Podemos afirmar com segurança que os livros didáticos de história se tornaram objeto de disputa social pela narrativa válida, especialmente no que se refere ao tratamento conferido a determinados conteúdos curriculares.
Em síntese, de um lado da crítica social, temos as políticas públicas para o livro didático que precisam considerar tais críticas como expressão da sociedade para a formulação de suas ações. De outro, o objeto concreto das diferentes críticas: o que dizem os livros didáticos de história.
Esses dois lados consolidam os eixos estruturantes deste livro e do projeto que o originou: as políticas públicas para o livro didático e as narrativas que constituem os textos dos livros didáticos de história. (Continua
Livros didáticos de história: entre políticas e narrativas
Helenice Rocha, Luiz Reznik, Marcelo de Souza Magalhães
O lançamento será dia 17 de agosto, às 19h00, na Blooks Livraria