Cidade é patrimônio

Esta viagem guiada por Lucia Lippi trata das reformas urbanas de Barcelona, Viena, Paris e Londres explorando a relação entre reforma, preservação e diferentes vertentes de restauração. No caso do Brasil, explora o nacionalismo arquitetônico representado pelo estilo Neocolonial, que teve na Exposição Internacional no Centenário em 1922 seu apogeu. Faz um contraponto entre antigas e novas capitais tais como Belo Horizonte e Ouro Preto e Brasília e Rio de Janeiro do início do século XX e do XXI.

Conheça a apresentação da obra, mas antes, confira duas indicações importantes registradas na orelha do livro:

"A cidade é o maior artefato da cultura. E a cidade contemporânea é um fenômeno em dimensões tais que supera todas as experiências sociais precedentes". Sérgio Magalhães

"Preservar não é tombar, renovar não é pôr tudo abaixo". Carlos Nelson Ferreira dos Santos

 

O presente livro resulta de uma dupla paixão. Paixão por viagens e paixão pelas cidades do Velho e do Novo Mundo. E foi pensado como a oportunidade de interligar estes dois amores.
Desde que organizei o seminário “Cidade: urbanismo, patrimônio e cidadania” em 2001, em que foram apresentadas contribuições de importantes especialistas sobre o tema publicadas no livro Cidade: história e desafios (2002), meu interesse pelo tema só tem aumentado. Logo a seguir tive a oportunidade de ser convidada por Américo Freire a participar de dois projetos de entrevistas. Foi quando pudemos ouvir e aprender muito com os depoimentos de arquitetos e urbanistas que atuaram e pesquisaram o campo do urbanismo no espaço da cidade do Rio de Janeiro. Tais entrevistas deram ocasião a dois livros: Memórias do urbanismo carioca (2002) e Novas memórias do urbanismo carioca (2008).
Motivada por tudo isto, montei um curso intitulado “Cidade e Patrimônio” que tive a oportunidade de ministrar para três turmas do mestrado profissional em Bens Culturais e Projetos Sociais, do mestrado acadêmico e do doutorado em História, Política e Bens Culturais no Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC) da Fundação Getulio Vargas (FGV) em 2014, 2016 e 2018. Apresentar e discutir os temas sobre reforma urbana e patrimônio em sala de aula, selecionar em uma imensa bibliografia textos que possam nos ajudar a compreender o assunto, tentar transmitir às novas gerações tais paixões é igualmente estimulante. A orientação de dissertações e teses a respeito também apresenta desafios particulares.
A pesquisa realizada para a elaboração do livro envolveu basicamente o levantamento, a leitura e a seleção de artigos, livros, teses que apresentam argumentos pertinentes ao tema de cada um dos capítulos do livro. Isto teve que ser feito em um universo bibliográfico enorme que se origina em múltiplos campos do saber — urbanismo, arquitetura, geografia, sociologia, antropologia, ciência política — e que cresce continuamente. Esta atividade contou com a ajuda de uma bolsa de produtividade do CNPq durante os anos de 2014 até 2018.
Sei que há na academia certa “má vontade” com o que é considerado divulgação de um conhecimento. Por outro lado, é muito gratificante poder repassar para um público mais amplo as descobertas, as conexões que puderam ser feitas ao longo da leitura da enorme bibliografia que existe a respeito de cidade e que, como já mencionei, está sendo continuadamente alimentada. Assim, o livro está voltado para um público universitário e para todos os interessados na história as reformas urbanas de algumas cidades nos séculos XIX e XX e nos desafios
e soluções atualmente em voga.
Este é o livro que gostaria de ter lido quando comecei a me interessar intelectualmente sobre o tema. Já disse isto a propósito de um livro anterior, Cultura é patrimônio: um guia (2008), publicado com a mesma finalidade — divulgação de um saber.
No mais, só tenho a agradecer aos alunos que foram os primeiros a tomar conhecimento dos temas e das questões apresentadas no curso e a responder aos desafios que a literatura sobre cidade apresenta ao leitor. E aos colegas e amigos que leram capítulos e, partilhando de paixão similar, deram sugestões a respeito.
Entre eles quero mencionar Bernardo Buarque de Hollanda, Helena Bomeny e Lucia Klein que aceitaram ler e fazer comentários pertinentes às primeiras versões de alguns dos capítulos. Lucia Klein pôde atualizar inúmeras informações a respeito de muitas cidades que visitamos juntas. Acima de tudo, tenho que agradecer àqueles que pesquisaram, escreveram e publicaram sobre as cidades. Sem eles não teria sido possível fazer o que fiz, ou seja, eu não teria o que “traduzir”.
Não foi nem é possível tratar de todas as transformações sofridas pelas cidades nos séculos XIX e XX. Tive que fazer escolhas entre aquelas que passaram por importantes reformas urbanas no século XIX. Escolhi algumas que a literatura já consagrou, como os casos de Barcelona, Viena e Paris. Tratei também o caso de Londres que seguiu trajetória particular. Simultâneo ao processo de reforma, se apresentou o dilema sobre o que preservar e o que destruir. Procurei apresentar também os diferentes modelos de restauração e suas conexões com a restauração praticada na Inglaterra e na França.
Ao chegar às cidades brasileiras tive também que fazer escolhas. Tratei de Belo Horizonte e de Ouro Preto como verso e reverso da decisão de transferir a capital e de construir uma nova capital para o estado de Minas Gerais. Aproximei a reforma da Pampulha em Belo Horizonte à construção de Brasília, cidade do futuro que confrontei com o que aconteceu com o Rio de Janeiro nos anos seguintes à transferência da capital. E assim cheguei ao Rio de Janeiro, cidade que passou por extensa reforma no início do século XX e no início do XXI, quando teve sua zona portuária como objeto de renovação.
Ouvi muitas vezes a demanda pela inclusão do caso do Recife. Não tenho conhecimento suficiente que permita me sentir segura a respeito. Também gostaria muito de ter incluído um capítulo sobre São Paulo; entretanto, a quantidade e a qualidade das pesquisas existentes a respeito desta cidade me desencorajaram.
Ao procurar associar cidade e patrimônio, pude apresentar questões relacionadas com a história da constituição do campo do patrimônio no Brasil e pude destacar o neocolonial como primeira proposta de valorização do passado colonial.
O desenho de cada capítulo foi pensado como um artigo com relativa autonomia, daí o livro poder ser lido em qualquer ordem. Pode-se ver que há alguns temas que estão presentes em um momento e que retornam em outros. Não é necessário ler o capítulo anterior para compreender o que está sendo apresentado a seguir.
Se esta é a história acadêmica deste livro, há uma outra motivação que se relaciona com a minha vida. Nascida no interior do estado do Rio, cresci tendo um fascínio pela cidade grande mesmo avisada desde muito cedo sobre “os perigos da metrópole”.
Visitei a praia de Copacabana pela primeira vez em 1954. Cheguei a pé atravessando o túnel Novo. Fiquei encantada. Visitei a Barra da Tijuca quando para se chegar lá era necessário subir pela estrada do Joá e lá do alto ver ao longe aquele imenso espaço de mar, de praia e de vazio, rasgado pela presença de umas barraquinhas onde se comprava milho cozido e caldo de cana.
Vim morar no Rio nos anos 1960, quando a cidade não era mais a capital do país. Vivenciei os engarrafamentos derivados das imensas obras que o governo Lacerda realizava no estado da Guanabara. Assim pude compreender de perto o que diz a música: “Rio de Janeiro, cidade que me seduz/ De dia falta água, de noite falta luz”.
Tive por longo tempo um encantamento por esta cidade intercalado por momentos de descrença diante do que vem acontecendo desde os anos 1990. 
Posso dizer que, consciente e inconscientemente, o que estudei e li sobre cidades tem a ver com esta paixão originária pelo Rio.
Por outro lado, nunca pude imaginar que escreveria sobre cidade em um momento em que estamos afastados da vida nas ruas da cidade! A quarentena que a Covid-19 me (nos) obrigou a enfrentar ficou menos pesada já que pude viajar virtualmente por cidades que visitei no passado ou pelas que ainda sonho visitar.
O enfrentamento da pandemia que atingiu o mundo em 2020 se apresentou como uma experiência nova no mundo atual. Isto se contrapõe às demandas de mobilidade e de consagração da interação social nos espaços públicos enquanto arena fundamental da sociedade humana.
O isolamento e o distanciamento social forçam as pessoas a trabalhar, a comprar, a estudar e a se divertir em casa. Alterações na vida cotidiana com o trabalho remoto virtual alterando ritmo e horário de trabalho, assim como a maior atenção aos hábitos sanitários incorporando o álcool gel e o lavar as mãos, isto só para mencionar experiências individuais no espaço do cotidiano.
O uso da máscara também se apresenta como desafio já que a máscara esconde, desfigura o rosto. Seu uso positivo se contrapõe ao ditado “tire a máscara da face”. O rosto aparece, ou melhor, aparecia como lugar de reconhecimento mútuo permitindo a comunicação.
A barreira ao fluxo de pessoas com a interrupção dos transportes e, consequentemente, do turismo despertou medos, preconceitos e paranoias. Por outro lado, também valorizou a produção, a agricultura e o comércio locais, assim como o fechamento da economia, das fronteiras, produzindo um certo tipo de desglobalização.
Quando imaginava quais seriam as grandes questões do século XXI, eu pensava no lixo produzido pelo alto padrão de vida e na questão das novas migrações que atingem e ameaçam o mundo rico! Ainda que tais questões permaneçam, a pandemia criou outra ordem de problemas e de demandas.
O vírus reduziu a circulação de automóveis, de aviões, de navios e, ao fazer isto, levou à diminuição da poluição ambiental, o que permitiu que animais, golfinhos e pássaros retomassem parte de seus espaços no planeta terra.
Ou seja, estamos vivendo uma transmutação inimaginável!

 

Cidade é patrimônio: uma viagem | Lúcia Lippi

 

Este conteúdo foi postado em 03/02/2022 - 19:03 categorizado como: sem categorias. Você pode deixar um comentário abaixo.

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