O elo perdido

Confira parte da introdução do livro O elo perdido, organizado por Carmen Migueles e Marco Tulio Zanini.

"Este livro, de muitas maneiras, é o resultado da busca por compreender e desvendar o enigma da baixa competitividade do Brasil no cenário global e a dificuldade de resolver problemas internos às nossas organizações que se apresentam como entraves à prosperidade. É a “busca pelo elo perdido” que possa conectar nosso potencial como nação a nossa capacidade de produzir riquezas com resultados desejados por todos. Há uma grande interrogação sobre o país: temos abundantes riquezas naturais, uma grande quantidade de pessoas com excelente qualificação, mas amargamos posições ruins nos rankings globais de competitividade, produtividade e inovação.

Vivemos nos perguntando sobre a razão, sobre as causas, em busca de explicações e saídas. Recentemente, a ideia de que o problema estaria na qualidade da educação e nos baixos investimentos em infraestrutura dominaram e ainda dominam nossa imaginação, e parecemos tão convencidos disso que não investigamos outras possibilidades. Mas o fato é que outros países, com menos gente qualificada, menos recursos para investimentos e com desafios climáticos e geográficos muito maiores que os nossos, vêm avançando mais rapidamente. Uma breve olhada nos rankings globais de inovação e de competitividade revela isso.

Na última edição do ranking global de inovação 2018, o Brasil aparece em 66o lugar no índice de eficiência da inovação em um comparativo de 129 países, ou seja, bem no meio da tabela. Mas temos uma população educada muito maior do que muitos que estão em nossa frente, uma economia com mais recursos e uma infraestrutura de pesquisa maior. Temos um grande número de mestres e doutores e uma grande parcela da população com educação de nível superior. Apenas cursando a graduação no Brasil, em 2018 tínhamos 8,3 milhões de estudantes, o que corresponde a uma vez e meia a população da Finlândia, que aparece em 11o lugar no ranking, com um número absoluto de registros de patentes aprovadas muito maior do que o nosso. Comparado com esse pequeno país, nosso número de mestres e doutores equivale a mais de 20% de sua população total. Como pode um país com uma população de 5.513.000 habitantes, ou seja, menor do que o município do Rio de Janeiro, produzir mais patentes do que um país com quase 210 milhões de pessoas e com muito mais cientistas? Ficamos atrás de países como Grécia, Rússia, Chile, Índia, México, Irã, Uruguai e África do Sul.

De 2017 para 2018, o Brasil não avançou. Ficamos em 21o lugar em número absoluto de patentes. Na comparação com os países de renda média para alta, ficamos em 16o lugar, atrás da China, Índia e Rússia; 5o na região da América Latina e Caribe, atrás do Uruguai, México, Costa Rica e Chile.

No ranking de competitividade, estamos em 8o lugar na América Latina. Sim! Oitavo na América Latina e na 71a posição global. O primeiro lugar no continente é do Chile, na 33a posição. O que mais nos mantém nessa posição é a baixa qualidade das nossas instituições. A pergunta que não quer calar é: por quê? Seguida de: o que podemos fazer sobre isso? O índice compara países por meio de vários indicadores, que são: instituições, capital humano, infraestrutura, sofisticação do mercado, sofisticação dos negócios, resultados de conhecimento e tecnologia e resultados criativos. O Brasil vai bem em sofisticação de negócios e no capital humano, mal em instituições, sofisticação do mercado e em produção de criatividade (marcas registradas e produtos culturais). O índice de eficiência mostra que gastamos muito dinheiro para produzir pouco conhecimento. Há ilhas de excelência: a USP é uma das 10 universidades mundiais que mais registram patentes. Por que não aprender com o que dá certo com ela?

Há algum tempo, correu um texto na internet: uma piada daquelas que fazemos sobre nós mesmos. Era sobre o que aconteceria com o Brasil se trocássemos de território com os japoneses. Na brincadeira, a conclusão era a de que em pouco tempo o Brasil seria um país riquíssimo. Mas o Japão andaria para trás. A “graça” da piada está no fato de que muitos concordam. Temos isso de bom: somos capazes de rir dos nossos problemas. Esse exemplo é uma evidência de que reconhecemos, formal e informalmente, a relevância “dos fatores humanos” e da “cultura” como determinantes do sucesso das nações e das organizações dentro delas. De alguma forma, reconhecemos que há algo na forma como pensamos e trabalhamos que traz resultados indesejáveis. Mas não investimos tempo e esforço em compreender isso melhor. E esse talvez seja o fator que mais nos prenda nessa posição. Se entendermos claramente o que nos prende, poderemos agir sobre isso. Este livro pretende ser uma contribuição nessa direção.

Ora, se há fatores dessa natureza que têm o poder de manter uma nação inteira presa a círculos viciosos que impedem os avanços, precisamos compreendê-los! Poucos esforços nos parecem mais relevantes do que esse. Ganhos de produtividade, competitividade e inovação significam mais dinheiro para resolver nossos problemas de pobreza persistente, da falta de acesso à saúde, da exclusão de milhões de crianças de uma educação de qualidade e da redução da degradação do meio ambiente, que demanda investimentos no tratamento de esgotos e efluentes e novas tecnologias, abrindo espaço para o futuro que desejamos. Ao compreender de forma objetiva a natureza desses fatores, podemos ver como superá-los.

Sabemos que cultura faz diferença. Sabemos que japoneses, alemães, ingleses, mexicanos e brasileiros são muito diferentes entre si. Sabemos que há uma relação direta, inegável, entre cultura, instituições e desenvolvimento econômico. Mas avançamos pouco em entender as relações de causalidade. Há uma série de paradigmas de pensamento em pesquisa que dificultam esse avanço. E há também o fato de que países que estão indo melhor estão convencidos de que têm a cultura certa e que, se melhorar a comunicação entre indivíduos, os poucos problemas restantes se resolverão. Há uma relação entre cultura e identidade muito grande. E, se as coisas estão dando certo, é fácil desenvolver certo tipo de “narcisismo cultural”, muito próximo da ideia de superioridade cultural e que dá uma sensação confortável de pertencer ao time certo. Mas um livro como este, voltado para o público em geral, de diferentes profissões e formações, com maior ou menor interesse acadêmico, não é o lugar para discutir esses paradigmas. Há um número muito grande de estudos sobre cultura, suas definições e os desafios da pesquisa aplicada sobre o tema. Para quem tiver interesse em um mergulho conceitual, disponibilizo aqui esses outros textos e completo com referências no fim deste capítulo (Migueles, 2004).

A nossa proposta aqui é construir um texto não para o especialista em estudos culturais, mas para os especialistas e interessados em gestão. Pensamos em algo análogo ao que fez o Yuval Noah Harari (2017) com seu livro Sapiens e demais trabalhos: compartilhar a macrovisão sobre o desafio da antropologia aplicada que, embora ancorada em pesquisas, se desprende desta para permitir um olhar mais geral. Aqui, proponho mergulhar naquilo que consideramos o maior desafio de cultura para ganhos de produtividade, competitividade, inovação e segurança: garantir o alinhamento necessário, dentro das organizações, que permita que a comunicação e a colaboração sejam efetivas, de modo que as pessoas possam, de fato, fazer o que é necessário para que o conjunto das ações traga mais resultados. E de modo que seja possível desenvolver o sentimento de pertencimento, que garanta o engajamento e comprometimento, e a clareza de que há ganhos para todos nos arranjos econômicos que impulsionam a cooperação para resultados melhores. Isso é fundamental para a capacidade de formular e agir de acordo com uma visão de médio e longo prazos, que é pré-requisito para a meritocracia que gera valor sustentável e melhor gestão de riscos, e que é também a base para o desenvolvimento das organizações e dos arranjos produtivos. Em síntese, a essa capacidade de gerar alinhamento pela formulação de uma visão comum no tempo, abrindo espaços para uma comunicação efetiva, e a subsequente capacidade de implementar as ações de forma eficiente, somando inteligências e esforços, chamamos de coordenação informal. Muitos chamam de cultura. Mas preferimos esse nome para dar foco no que realmente importa."
 

Encontre o livro AQUI

Este conteúdo foi postado em 11/05/2021 - 15:46 categorizado como: sem categorias. Você pode deixar um comentário abaixo.

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