Este livro estabelece o claro contraste entre a improvisação do ensino médio no Brasil e a necessidade de pensar e planejar cientifi camente o futuro. Aliás, esse nível de ensino serve apenas como exemplo, porque tal contraste se estende a muitas outras áreas das políticas educacionais e públicas. No caso em tela, verifica-se que o ensino médio se expandiu nos interstícios da escola primária e do ensino fundamental, ocupando espaços disponíveis e valendo-se de escassos recursos, como se fosse um “puxadinho” da casa. O patinho feio, entretanto, como em grande parte do mundo, cresceu, expandiu-se signifi cativamente, atingiu novos estratos sociais, na qualidade de educação de massa, e se volta para atender a novas necessidades, ao constituir uma meta de Educação para Todos, a ser atingida em 2015, conforme o encontro da Unesco em Dacar.
Apesar de o Brasil, como outros países, continuar na inércia de acender os lampiões a gás, à sua volta quase tudo mudou. O ensino para poucos antes atendia a dois objetivos colidentes: formar para a educação superior ou para o trabalho, com os seus concluintes, neste último caso, renunciando tacitamente a continuar os seus estudos. Hoje, o ensino médio constitui legalmente uma etapa da educação básica, de modo que é impensável atender só a um desses objetivos históricos. Redimensionado e arejado, cabe-lhe constituir a escola formativa da adolescência e juventude, conferindo benefícios que justifiquem a permanência na escola por pelo menos mais três anos. Entretanto, mentalidades elitistas e conservadoras ainda o mantêm como um suplício para os jovens. Sem clara identidade, apresenta uma pletora crescente de componentes curriculares cada
vez mais especializados e compartimentados que, no caso dos alunos de altas posições sociais, se converte em preparatório ou amestragem para ingresso nas instituições de educação superior públicas e gratuitas, um dos raros funis da educação brasileira. Para os menos privilegiados, com frequência o ensino médio é um quebra-cabeça de conteúdos a montar, sem atingir objetivos mínimos como dominar razoavelmente a língua portuguesa, pelo menos uma língua estrangeira e outras áreas do conhecimento. Muitos consideram que os “piores” problemas educacionais do Brasil estão no ensino médio. Tomamos a liberdade de discordar. Grande parte desses problemas se origina nas primeiras etapas da educação básica, tão marcadas pelo insucesso escolar.
Essas dificuldades nos obrigam a tratar novos problemas com novas soluções, sob pena de resolvê-los. Que ensino médio queremos? Para onde vamos? Como os custos para a sociedade podem ser compensados com benefícios coletivos e individuais? Nada disso se improvisa. Não é possível perguntar, como Alice ao Gato, no país das maravilhas, de que modo ela podia sair do labirinto. Responde-lhe o Gato que depende de para onde ela quer ir. Isso ela não sabe: então qualquer caminho serve.
Ao ter a honra de participar da banca de doutoramento do professor doutor Alvaro Chrispino, verifiquei que o seu trabalho, aperfeiçoado nesta obra, buscava respostas precisas para o futuro, ao delinear diversos cenários, do vigenteao mais desejável. Da maior relevância ainda, ao aplicar os cenários, não traçou uma utopia no lugar da situação mais desejável, ao contrário, delineou-a com realismo, fundamentado no melhor da literatura e na análise lúcida das condições histórico-sociais. Afinal, filósofos em particular, bem como parte dos verdadeiros cientistas e artistas, são sensíveis antenas para captar os ambientes e analisar os desafios do presente e do futuro, propondo-lhes as respostas mais adequadas. Pode haver devaneadores entre essas pessoas, porém o filósofo, o cientista e o artista são capazes de sintonizar-se plenamente com o seu tempo, são dotados de impressionante realismo. Tanto que alguns deles antecipam ideias e situações a longo prazo e, gerações depois, verifica-se que a realidade prevista chegou, não raro inesperadamente. É que os critérios usuais de julgamento envolvem uma área de penumbra, onde o futuro delineado com realismo, na estreiteza das perspectivas de um lugar e época, se confunde com o delírio.
Para fazer e não só imaginar políticas públicas, cabe transitar entre o tacanho e a utopia, sem cair nos extremos. Quando apenas se administra opresente, os problemas emergentes de curto prazo, quando supomos fazer a política do possível esterilizamo-nos nas rotinas. Bem antes da nossa República se estabelecia a necessidade de prever para prover. Àquele tempo a história fluía como a areia de uma estreita ampulheta, muito mais lentamente que hoje. As comunicações estavam longe de construir sociedades em rede.
Nosso último imperador, segundo conta a história, homem muito “viajado” para aquele período, admirou-se com o telefone e chamou a atenção para o invento: “Isto fala”. Na estratificação do sistema internacional de hoje apresentam vantagens para tomar os poucos elevadores disponíveis os países capazes de prever a longo prazo e de agir velozmente, antecipando cenários e buscando-os coerentemente. Até nas batalhas da Antiguidade vence quem melhor conhece o presente e antecipa o futuro. Que país queremos ser dentro de 20 anos ou mais? Que educação nos será exigida? Podemos errar no traçado de cenários, faz parte das sociedades de risco, mas será pior se nem ousarmos delinear e construir o futuro.
Este livro, portanto, coloca à disposição dos educadores (mas não só deles) possibilidades para se mover do presente ao porvir. Acaso pretendemos desconhecer o fracasso escolar, semeado desde os primeiros anos de escolarização?
Pretendemos continuar a colher os frutos amargos muito antes do ensino médio? Pretendemos continuar ignorando o aborrecimento e o mal-estar dos jovens na escola? Esperaremos que até os alunos socialmente mais privilegiados se afastem da instituição escolar por não mais suportá-la? Buscaremos obrigatoriamente vinho velho com medo de romper os velhos odres? Todas estas questões são de profunda responsabilidade histórica.
Se for o caso de remeter a um exemplo atual, podemos formular uma pergunta: que faremos quando a produção de petróleo atingir o seu pico e começar a descer a ladeira? Os Emirados Árabes Unidos já se fizeram essa indagação. Por fazê-la, decidiram desde já preparar-se para o fim dessa riqueza mineral, tornando-se um centro financeiro internacional e estruturando a sociedade e a economia do conhecimento. Não se trata de sonhos de uma noite de verão, nas areias do deserto. Ao contrário, eles hoje plantam numerosas universidades no deserto, segundo estratégias de longo prazo. Para isso, contratam o que há de melhor em cada área do conhecimento, procurando ter pelo menos dois centros de excelência, originados do exterior, em cada uma delas. Por ora são importadores de conhecimentos e instituições, mas preveem dar o salto, a partir desse trampolim, para se tornarem criadores e inventores. Essa hora chegará, com relativa margem de certeza. E o Brasil, quando deixará de administrar crises para antecipá-las? E a educação, o que pretende a longo prazo? Neste ano letivo as crianças de seis anos ingressaram no primeiro ano do ensino fundamental. Elas só completarão a educação básica daqui a 12 anos. Se continuarem na educação superior, poderão “terminar” o seu preparo daqui a 14, 16 ou 18 anos. Em que Brasil e que mundo elas viverão? Como o seu preparo nunca termina, mas se projeta ao longo da educação continuada, quando elas tiverem 80 ou 90 anos de idade, em face do prolongamento da longevidade, num país de idosos, que farão elas? Esses não são apenas sonhos ou cenários desejáveis, são exigências históricas para sobreviver num mundo onde se comprimem tempo e espaço.
Este livro com certeza nos ajudará a responder a tais perguntas."
2009
Candido Alberto Gomes
Titular da cátedra Unesco de juventude, educação e sociedade da Universidade Católica de Brasília
Os cenários futuros para a educação
Alvaro Chrispino
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