Alberto Guerreiro Ramos foi um dos intelectuais mais influentes do Brasil, tendo contribuído signifi cativamente para estabelecer as bases da sociologia brasileira. Precursor de uma perspectiva sociológica pós-colonial e, sobretudo, de uma epistemologia do hemisfério sul, adotou em seus trabalhos uma perspectiva crítica pioneira, antecipando discussões que estão na ordem do dia das ciências sociais. Este livro resgata algumas de suas contribuições mais importantes e ajuda a (re)pensar o Brasil de ontem, hoje e amanhã.
Confira a apresentação da obra Guerreiro Ramos: entre o passado e o futuro
Morto em 1982, as apreciações de Guerreiro Ramos hoje, neste primeiro quartel do século XXI, são cada vez mais atuais e necessárias à compreensão e à mudança organizacional, imprescindíveis de serem amplamente compartilhadas por todos aqueles que se dedicam à formulação teórica e à prática da gestão das organizações.
Guerreiro Ramos pôs a nu os sofismas e as falsas concepções da teoria hoje prevalecente, cujo passamento – por ele atestado – não é de ser lamentado; é, ao contrário, um acontecimento auspicioso.
A teoria organizacional existente já não pode esconder seu paroquialismo. É paroquial porque focaliza os temas organizacionais de ponto de vista de critérios inerentes a um tipo de sociedade em que o mercado desempenha o papel de padrão e força abrangentes e integrativos. Torna-se muda, quando desafiada por temas organizacionais comuns a todas as sociedades. É também paroquial, porque se alimenta da fantasia da localização simples, isto é, da ignorância da interligação e da interdependência das coisas no universo; lida com as coisas como se elas estivessem confinadas em seções mecânicas de espaço e tempo.
Uma visão mais atenta à trajetória da humanidade ao longo dos tempos nos leva à constatação de que a sociedade de mercado não é necessariamente inarredável. O seu protagonismo é bem recente, não tem mais do que 300 anos de história, a partir da Revolução Industrial. E mais ainda: não se aplica a todas as formas de atuação humana hoje existentes, ou mesmo que já existiram ou que existirão possivelmente no futuro. E, assim, a teoria das organizações não pode se circunscrever essencialmente à lógica do mercado, concentrando-se apenas em um tipo especial de ação do homem em sociedade: a que temos hoje no mundo das organizações empresariais e na mundialização de uma economia de consumo e de crédito.
A presente teoria das organizações se encontra num beco sem saída. A humanidade constata no cotidiano que o aumento indefinido da produção de mercadorias e o progresso tecnológico indiscriminado não conduzem, necessariamente, ao desenvolvimento do potencial do homem. Nos limites dos interesses dominantes que prevaleceram no decurso dos três últimos séculos, a atual teoria das organizações já desempenhou o seu papel e cumpriu a missão que lhe cabia. A compreensão desse fato abre caminho para a elaboração de uma nova ciência multidimensional das organizações. Qualquer futuro que se visualize como um desenvolvimento linear da sociedade centrado no mercado será, necessariamente, pior do que o presente. A teoria das organizações deveria libertar-se de sua obsessão com o desenvolvimento e começar a compreender que cada sociedade contemporânea está potencialmente apta a se transformar numa boa sociedade se escolher se despojar da visão linear da história.
A teoria das organizações consiste no uso consciente e deliberado de um conjunto de conceitos e sistemas operacionais cuja finalidade é levar as pessoas a interpretarem e agirem na realidade organizacional na direção e no sentido que os agentes dominantes do mercado desejam. As organizações são essencialmente instrumentais ou funcionais para o mercado. Não são substantivas, mas fundamentalmente adjetivas e complementares, funcionais. E, assim, a racionalidade instrumental da teoria das organizações se torna racionalidade geral, indistinta, aplicada sempre a quaisquer situações em que se integram pessoas se relacionando com pessoas, por meio de distintos usos de hierarquia, para a consecução de determinados objetivos.
Nesse sentido, esta coletânea nos sugere, ou talvez até mesmo nos imponha, uma necessária reedição da obra seminal de Guerreiro Ramos, A nova ciência das organizações: uma reconceituação da riqueza das nações.
Por ocasião da primeira edição, os círculos intelectuais da gestão das organizações em todo o mundo foram abalados, mas praticamente não teve repercussões relevantes nas ações do cotidiano dos executivos e dos operadores no mundo das empresas e no universo da sociedade. Pensado e publicado originalmente em inglês, no Brasil ficou restrito a um pequeno círculo de discussão. Augura-se, agora, melhor oportunidade, tanto no Brasil como no exterior, para esse pequeno texto de incomensurável envergadura e densidade intelectual, na linha de uma teoria crítica das organizações. Talvez as comunidades acadêmica e profissional estejam mais preparadas para recebê-la e dela se beneficiarem.
Guerreiro Ramos: entre o passado e o futuro
Organizadores: Bianor Scelza Cavalcanti, Frederico Lustosa da Costa
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