Ateliê do pensamento social

O tema da terceira edição do Ateliê do pensamento social — Métodos e modos de leitura com textos literários — voltou-se para a relação mais geral entre literatura, história e ciências sociais. O interesse específico incidiu na narrativa de textos literários e na historiografia das práticas de leitura, tal como desenvolvida nas últimas décadas por sociólogos, antropólogos e historiadores.

Entre as formas de abordagem, enfatizaram-se os métodos de tratamento de arquivos literários, não apenas como fonte, mas também como condição de constructo epistêmico e de artefato histórico. Com base neles, interrogou-se a respeito da emergência da figura do autor na história moderna europeia e postulou-se a interlocução entre escritores por meio de cartas, de impressos e toda sorte de manuscritos privados.

Confira a apresentação da obra:

"A presente coletânea é fruto da terceira edição de um evento acadêmico promovido anualmente pelo Laboratório do Pensamento Social (Lapes), espaço de estudos vinculado ao Programa de Pós-Graduação em História, Política e Bens Culturais (PPHPBC) e integrante do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil, o CPDOC/FGV.
O Ateliê foi realizado entre os dias 22 e 23 de agosto de 2013, nas dependências da Fundação Getulio Vargas, no Rio de Janeiro, reunindo convidados internacionais e docentes de universidades brasileiras.
O alvo principal do encontro são os discentes de pós-graduação de todo o país, nas áreas de ciências sociais e história.
A iniciativa partiu de algumas motivações daqueles envolvidos na subárea da sociologia conhecida como pensamento social. Em primeiro lugar, os organizadores foram motivados por uma aposta: a ampliação da escala de reflexão. Esta tradicionalmente se atém a estudos de
caso brasileiros e inclui determinadas linhagens intelectuais, matrizes institucionais e obras de pensadores nacionais.
Pareceu importante aos idealizadores do encontro propor um debate de viés transnacional, com questões, vertentes e um elenco de autores menos usuais, mediante convite a professores estrangeiros para participar de mesas-redondas temáticas, ao lado de pesquisadores brasileiros.
O segundo estímulo foi a proposição de um espaço alternativo à estrutura mais tradicional dos Grupos de Trabalho (GTs), tal como ocorrem nos encontros das Associações Nacionais de Pós-Graduação.
É perceptível nos últimos anos o aumento da demanda e o crescimento dessas entidades associativas da comunidade científica, o que torna mais difícil a participação de pós-graduandos. Essa constatação diz respeito não apenas ao tempo de apresentação dos trabalhos de pesquisa dores em fase de formação — mestrado ou doutorado — como à possibilidade de dar ênfase a um dos fundamentos mais caros da atividade científica, qual seja: a metodologia.
Por fim, a proposta do Ateliê foi motivada por essa que é hoje uma de suas marcas: ser um evento capaz de oferecer uma ambiência por assim dizer artesanal, propícia à discussão das estratégias de leitura e voltada para um público-alvo determinado, a saber, mestrandos e doutorandos que lidam com a história das ideias, com a história intelectual e com a sociologia da cultura, entre outros subcampos interdisciplinares afins. Dos fundamentos da atividade acadêmica, a pergunta metodológica pelo “como ler” e pelo “como fazer” continua a ser um dos mais importantes e necessários parti pris científicos.
Após alguns anos de experiência com o evento, chegou-se ao formato que vem sendo desde então adotado. Dos dois dias de evento, o primeiro é composto por uma conferência e por duas mesas integradas por scholars que sejam referência nacional e internacional. Já o segundo dia é dedicado exclusivamente aos projetos dos inscritos e aprovados para o Ateliê, sob a supervisão e a dinâmica de grupo propostas por professores externos.
Em 2013, por exemplo, participaram do segundo dia de atividade os professores Antônio Herculano (Casa de Rui Barbosa), João César de Castro Rocha (Uerj), Leopoldo Waizbort (USP) e Válter Sinder (Uerj), convidados especialmente para dialogar com os 34 alunos selecionados acerca do recorte e dos pressupostos metodológicos apresentados em seus projetos.
O tema do III Ateliê, cujos resultados ora apresentamos, voltou-se à relação mais geral entre literatura, história e ciências sociais. O interesse específico incidiu na narrativa de textos literários e na historiografia das práticas de leitura, tal como desenvolvida nas últimas décadas por sociólogos, antropólogos e historiadores.
Entre as formas de abordagem, enfatizaram-se os métodos de tratamento de arquivos literários, não apenas como fonte, mas também como condição de constructo epistêmico e de artefato histórico. Com base neles, interrogou-se a respeito da emergência da figura do autor na
história moderna europeia e postulou-se a interlocução entre escritores por meio de cartas, de impressos e toda sorte de manuscritos privados.
A reflexão sobre esse tópico, que circunscreve a história intelectual e a literatura epistolar, foi debatida na mesa de abertura pelo professor Roger Chartier (Collège de France), a que se seguiu a apresentação do paper do pesquisador brasileiro Marcos Antônio de Moraes (IEB/USP).
O primeiro expositor inquiriu as formas de comunicação facultadas pelas correspondências no alvorecer da Idade Moderna europeia e indagou a tensão das formas literárias com a relação emissor/receptor, na esteira do advento da tipografia e da imprensa, nos séculos XV e
XVI. Chartier analisou a irrupção, em dicção bourdieusiana, da figura autônoma do Autor na chamada República das Letras francesa, entre os séculos XVII e XIX, e levou em consideração para tanto seus corolários imediatos, quais sejam, a consagração da ideia de indivíduo e a conversão da noção de autoridade em autoria intelectual individualizada na Era Moderna.
Na sequência, o contexto histórico, editorial e tipográfico brasileiro nos séculos XIX e XX foi o pano de fundo para a apreensão genético-textual das cartas como meio de conhecimento da vida de personalidades literárias nacionais. A partir da exegese de um vasto corpo de missivas endereçadas entre literatos brasileiros, essa mesma história contextual reconstitui o panorama histórico das letras no Brasil, em um recorte diacrônico proposto pelo professor do Instituto de Estudos Brasileiros da USP.
Outra vertente explorada no encontro disse respeito às formas “textualistas” de apreensão dos romances e das novelas ditas clássicas ou universais. Isso foi feito a partir da experiência com a literatura russa, por um pesquisador brasileiro, e com a literatura brasileira, por um
pesquisador alemão.
A mesa “Tradição e tradução do romance: como ler Anna Karenina e Grande sertão: veredas?” contou com a presença dos convidados Berthold Zilly e Bruno Gomide. Enquanto Zilly é conhecido por verter consagradas obras literárias brasileiras para a língua germânica — de
Euclides da Cunha a Raduan Nassar —, Gomide é doutor em teoria e história literária pela Unicamp e um dos renovadores dos estudos da língua russa no Brasil contemporâneo. Atualmente, coordena o programa de Pós-Graduação em Cultura e Literatura Russa (USP), é autor da opulenta tese Da estepe à caatinga: o romance russo no Brasil, transformada em livro em 2011, além de organizador da Nova antologia do conto russo (2012), entre outras publicações. Sua pesquisa em andamento versa sobre a recepção da literatura russa, com interesse temporal específico na vigência do regime do Estado Novo varguista.
A segunda mesa tematizou dessa forma menos os interstícios “internalistas” e mais as margens contextuais dos estudos literários. Seu foco direcionou-se à análise das políticas de tradução e dos modos de transplantação de romances entre cenários e culturas díspares, entre línguas e paisagens distantes. Sem deixar de valorizar aspectos conteudísticos dos romances, os palestrantes apontaram alguns condicionantes sociais importantes nas formas de verter e de traduzir textos literários no Brasil e no exterior.
A contextualização recaiu em obras consideradas magnas da tradição romanesca ocidental, a exemplo de Guerra e paz (1869), de Liev Tolstoi, e de Grande sertão: veredas (1956), de Guimarães Rosa. Para além de reforçar simplesmente a importância do contexto e das bordas do texto, a estratégia das exposições salientou tanto a microanálise mais técnica que envolve a tarefa do tradutor quanto a dissecação dos fundamentos filosóficos, sociológicos e transliterários que embasam o ofício da tradução, este último desde uma visada por assim dizer mais benjaminiana.
As mesas tinham a previsão de serem antecedidas por uma conferência de abertura. Em razão de um impedimento de saúde do professor convidado, ela teve de ser postergada e foi afinal realizada no ano seguinte, com um paper inédito — “O direito romano na constituição
de Macondo: como ler um clássico latino-americano?”. A apresentação foi feita pelo crítico de origem cubana Roberto González Echevarría, em abril de 2014, em um auditório da FGV.
Nascido em 1943, no povoado de Sagua la Grande, ao norte da ilha de Cuba, Echevarría teve sua formação acadêmica no ambiente universitário norte-americano. Interessado pelo barroco, pelo picaresco e por todo o Siglo de Oro hispânico, sua tese foi consagrada à peça La vida es sueño (1635), de Calderón de La Barca. Durante os anos 1970, valeu-se das bibliotecas estadunidenses para se aprofundar na bibliografia sobre a literatura colonial latino-americana.
No ano de 2011, o catedrático recebeu diretamente do presidente Barack Obama, na Casa Branca, a Medalha Nacional de Artes e Humanidades, título honorífico mais alto nos Estados Unidos, referente à cultura e às artes em geral. Há décadas professor da Universidade de Yale, Echevarría deslocou-se especialmente ao Rio de Janeiro para proferir a palestra sobre a obra-prima de Gabriel García Márquez, Cem anos de solidão (1967). O escritor colombiano, por coincidência, viera a falecer poucos dias antes da data da apresentação do convidado na cidade do Rio.
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Os artigos a seguir foram encomendados aos autores na sequência da realização do encontro, sendo entregues no início de 2014. Dos cinco convidados, apenas um, em razão de outros compromissos profissionais, não pôde enviar sua contribuição no prazo estipulado. A redação foi feita originalmente em diferentes línguas — francês, inglês, espanhol e português. Em seguida, os textos foram submetidos ao laborioso processo de tradução e de preparação editorial, no decorrer dos anos de 2015 e 2016.
Em conjunto, os capítulos ensaísticos procuram dar a um público mais amplo a oportunidade de compartilhar os principais eixos de discussão em tela durante os dois dias do Ateliê. Ao pôr em relevo as fronteiras das narrativas histórica e literária, ao tensionar a díade literatura-
ciências sociais, ao refletir sobre os limites da intencionalidade do autor vis-à-vis a “estética da recepção” do leitor e ao recolocar a querela em torno do par texto-contexto, os quatro ensaios aqui reunidos convidam os leitores a explorar a imaginação literária que se irradiou em
escala intercontinental, da Península Ibérica à América Latina, e desta àquela, desde os tempos coloniais até a contemporaneidade.
Chartier, Zilly, Echevarría e Moraes oferecem-nos aqui um exercício instigante de leitura tanto das obras principais quanto da marginália de escritores consagrados, como Cervantes, Shakespeare, Sarmiento, García Márquez e Lobato. Cada um a seu modo, os autores deste volume enfatizam maneiras plurais de ler cartas e romances, de entender seus fundamentos ficcionais e de perscrutar os condicionantes materiais que permitem sua edição e publicação."
 

O lançamento do livro Ateliê do pensamento social: métodos e modos de leituras com textos literários será na Livraria FGV, dia 9/6.

Ateliê do pensamento social: métodos e modos de leituras com textos literários

Este conteúdo foi postado em 09/06/2016 - 08:43 categorizado como: sem categorias. Você pode deixar um comentário abaixo.

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