cultura

  • Postado por editora em em 31/05/2017 - 08:14

    Não é possível pensar a questão cultural do consumo sem levar em conta a materialidade que sustenta a cultura e que é, ao mesmo tempo, moldada por ela.
    Só assim entenderemos por que, nas décadas finais do século XX, a cultura havia se transformado na principal mercadoria do capitalismo. Somente assim, também, é possível compreender a cultura do consumo como um fenômeno que instiga nossa imaginação para reflexões profundas acerca do que somos e sobre a maneira como agimos.

    O livro Cultura do consumo: fundamentos e formas contemporâneas, de Isleide Fontenelle, trata exatamente da 'evolução' desta cultura, com análise de sua formação histórica, que evidencia que não estava escrito que ela se tornaria a forma hegemônica cultural do mundo contemporâneo.

    E para entender porque isso aconteceu, o livro aborda, entre outros fatores - como transformações econômicas, tecnológicas, políticas e culturais - duas teorias capazes de explicar sua lógica.

    Uma delas tem foco no capitalismo, que nos permite entender o papel fundamental do consumo na realização de valor para o capital; a seguda trata da teoria das paixões e revela o longo trade-off entre desejo e cultura. Assim, a cultura do consumo pode ser compreendida como a cultura do capitalismo e como uma cultura do gozo, regida pelo credo “satisfação garantida ou o seu dinheiro de volta”.

    Confira algumas palavras da autora sobre a obra:

    "Este livro foi escrito tendo por base uma disciplina que ministro na Escola de Administração Pública e de Empresas de São Paulo, da Fundação Getulio Vargas, desde 2007. Seu objetivo é apresentar uma visão sobre o lugar do consumo na sociedade contemporânea e no mundo dos negócios a partir de uma perspectiva que não seja a da gestão do marketing, da publicidade, nem a do comportamento do consumidor. Sem dúvida, a atual cultura do consumo não pode ser pensada sem a existência dessas disciplinas e técnicas, que tiveram um papel central na sua constituição. Mas a compreensão do que é cultura do consumo está além delas, extrapola seus domínios. Dessa perspectiva, o marketing, a publicidade e o comportamento do consumidor são tomados como parte do objeto de análise e não como um campo próprio de investigação.
    Minha primeira tentativa de entender as relações entre marketing e cultura do consumo se deu por ocasião do lançamento do livro Palavras-chave: um vocabulário de cultura e sociedade, do crítico cultural inglês Raymond Williams. Como no Brasil o livro foi lançado apenas em 2007, com um atraso de mais de 30 anos de sua publicação original em inglês, a editora que o publicou solicitou a acadêmicos brasileiros que escrevessem sobre termos que, na época do lançamento do original, não existiam, eram marginais ou simplesmente não foram contemplados pelo autor. A mim, coube a tarefa de definir “marketing e cultura do consumo”. Procurei mostrar a profunda relação que há entre o marketing e a cultura do século XX na modelagem de uma forma de vida conduzida pela lógica do consumo de mercadorias. Com isso, estavam criadas as bases do curso e, consequentemente, deste livro, que tem em Raymond Williams, assim como nos estudos culturais — o campo que teve nesse autor um dos principais fundadores —, uma referência central.
    Meu interesse pelo tema do consumo começou, porém, bem antes, quando, no meu doutoramento em sociologia na Universidade de São Paulo (USP), na segunda metade da década de 1990, decidi investigar o que, na época, denominei “sociedade das imagens”.
    Na tese, que deu origem ao meu primeiro livro — O nome da marca: McDonald’s, fetichismo e cultura descartável (publicado originalmente em 2002) —, argumentei que a sociedade das imagens era um desdobramento da sociedade do consumo que se iniciou nas décadas finais do século XIX, marcando um novo estágio do desenvolvimento capitalista, cuja concorrência se dava pelas imagens.
    O final da pesquisa, em 1999, apontava que essa nova forma na qual o consumo passava a operar na sociedade — que me levou a denominá-la “sociedade das imagens” — indicava um ponto de chegada no qual ciência e tecnologia estavam a serviço dessa lógica da produção de mercadorias; em que cultura e economia já estavam profundamente imbricadas e, finalmente, tratava-se de uma sociedade que forjava subjetividades guiadas pelo desejo da visibilidade, ou seja, um modo de organização social no qual estar na imagem é existir. Ainda não estávamos na era das mídias e redes sociais virtuais, que só viriam comprovar isso de forma mais radical.
    No ano 2000, iniciei um pós-doutoramento no Núcleo de Psicanálise e Sociedade da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) buscando entender a lógica interna desse processo que constitui subjetividades guiadas pelo desejo do consumo das imagens e da visibilidade. Isso me fez retornar a um estágio anterior, a fim de compreender a própria produção histórica do consumidor e o papel central que disciplinas emergentes nos séculos XIX e início do século XX — como as relações públicas e o marketing — tiveram na formatação dessa nova forma de vida forjada pelo consumo. Desde então, tenho desenvolvido pesquisas sobre como essa cultura do consumo vem se redesenhando na contemporaneidade, com a emergência de novos formatos que, à primeira vista, parecem até mesmo negar as origens dessa forma cultural, como é o caso do “consumo responsável”, conforme veremos.
    Assim, ao longo de seu funcionamento, o curso foi incorporando novos fenômenos, embora sua base não mude: inicio resgatando as raízes históricas da cultura do consumo que formataram o modo como vivemos hoje, o que constitui o primeiro capítulo deste livro. Busco, no capítulo seguinte, compreender seus desdobramentos históricos no segundo pós-guerra, quando a cultura do consumo, ao mesmo tempo que se caracterizou pela expansão exacerbada da sua primeira fase, sofreu sua primeira grande inflexão, nas décadas finais do século XX, quando seu modus operandi, fundamentado na pesquisa e no anúncio comercial, começou a se metamorfosear, e quando a cultura emergiu como a principal mercadoria do capitalismo. No terceiro capítulo, abordo algumas das transformações atuais da cultura do consumo, com a emergência de novos formatos, como o consumo da experiência, o prossumo e o consumo responsável. Finalmente, no quarto e último capítulo, trago a discussão teórica que embasa o curso, pois percebi, pela experiência em sala de aula, que era necessário entender primeiro a história da formação dessa cultura do consumo, o que torna a compreensão da teoria, ao final, mais clara.
    Desenvolvi esse formato por acreditar que somente munidos dessa base histórica os alunos são capazes de entender o sentido e o alcance das transformações contemporâneas ligadas ao tema.
    Por isso, sempre insisto na importância fundamental da parte inicial do curso, que permite a compreensão da configuração dessa cultura na qual vivemos. Do mesmo modo, permite também a compreensão do consumidor como um sujeito historicamente produzido. Enfim, essa perspectiva leva a uma “desnaturalização” dessa cultura na qual nossos jovens alunos já nasceram totalmente imersos. Munidos dessa compreensão, eles passam a dispor de um maior repertório para compreender a cultura contemporânea do consumo e sua lógica.
    Como procurei seguir uma configuração histórica, retomei os lugares e a literatura em que essa cultura do consumo emergiu e de onde ainda se irradia, em especial, os Estados Unidos. Certamente, haveria muito a dizer sobre como a cultura do consumo se constituiu — e vem se constituindo — em países asiáticos como China ou Emirados Árabes, assim como no Brasil. Nas aulas, procuro sempre apresentar exemplos e questões sobre como a cultura do consumo foi se formatando nesses espaços, em especial no Brasil, onde o consumo passou a ocupar um lugar central, inclusive no debate em torno da redefinição da noção de classe, em que se propôs a emergência de uma “nova classe média” (ou seria uma nova classe consumidora?).
    Mas ainda está para ser feita uma análise própria da cultura do consumo no Brasil a partir de uma perspectiva que não seja uma mera reprodução do modelo europeu ou norte-americano, buscando nossas especificidades culturais, que dão uma configuração muito própria às nossas relações com o consumo no contexto da lógica global da cultura do consumo como a cultura do capitalismo.
    É preciso também dizer que esse foi meu recorte, meu modo de ler a cultura do consumo, essa foi minha interpretação. Certamente, o leitor encontrará outras definições, outros autores e interpretações, enfim, outros olhares sobre as configurações históricas e contemporâneas relacionadas ao mundo do consumo. Algo importante a ser dito, nesse sentido, é que, em geral, os estudos acerca da cultura do consumo (consumer culture) tendem a privilegiar o que está circunscrito à esfera considerada “da cultura”: a relação com imagens, sons, símbolos, marcas e, portanto, sensações, emoções, experiências. Mas, como o leitor verá, ponho também a ênfase no econômico. Acredito não ser possível pensar a questão cultural do consumo sem levar em conta a materialidade que sustenta a cultura e que é, ao mesmo tempo, moldada por ela.
    Só assim entenderemos por que começou a ficar claro, nas décadas finais do século XX, que a cultura havia se transformado na principal mercadoria do capitalismo. Somente assim, também, é possível compreender a cultura do consumo como um fenômeno que instiga nossa imaginação para reflexões profundas acerca do que somos e sobre a maneira como agimos.
    Por estar baseado em um curso, o livro buscou adotar o estilo coloquial, para ser lido por quem está se iniciando na busca da compreensão do papel do consumo na cultura contemporânea.
    Considero que o entendimento desse assunto é fundamental para a formação de nossos jovens estudantes. E ensiná-los também foi fundamental para o formato que este livro tomou.
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    Cultura do consumo: fundamentos e formas contemporâneas

    Isleide Fontenelle

    Lançamento dia 13/6/17, na Livraria da Vila - SP.

  • Postado por editora em em 20/10/2016 - 08:46

    A pesquisa apresentada na obra de Igor Gastal Grill e Eliana Tavares dos Reis, Elites parlamentares e a dupla arte de representar, tem como problemática mais ampla a existência de intersecções entre diferentes lógicas e domínios do mundo social. Tais intersecções vêm sendo examinadas como resultantes e viabilizadoras dos potenciais de afirmação e de trânsito de vários segmentos de “elites”. Agentes, portadores de determinadas características sociais e empreendedores em certas atividades, inseridos em configurações históricas nas quais as fronteiras são fluidas e porosas, contam com condições propícias à ocupação de posições relativamente bem situadas e ao acúmulo de multinotabilidades. Os autores dão ênfase particularmente a intercruzamentos entre “política” e “cultura”, explorando distintos universos empíricos, períodos históricos e níveis de análises.

    Confira parte da introdução da obra:

    No Brasil, há muitas discussões sobre as interferências da “política” no trabalho intelectual que, não raro, são posicionamentos que ora as percebem pela falta (assumindo o caráter reivindicatório de uma “missão histórica”), ora pelo excesso (expressando o cunho denunciativo de um lamento cientificista). Porém, algumas pesquisas recentes têm privilegiado abordagens mais sócio-históricas para considerar os períodos de menor ou maior (in)distinção entre os domínios e registros políticos e culturais. A ênfase, nesse caso, geralmente recai, em um plano, sobre os processos históricos e os condicionantes sociais de maior ou menor diversificação e autonomização (sempre relativa) entre eles, e, em outro plano, sobre as lógicas de seleção e de hierarquização dos seus agentes.
    Esta última foi a trilha inicial seguida nas investigações que originaram os capítulos deste livro. No entanto, levando em conta que poucas são as pesquisas que têm aportado sobre a importância das inscrições culturais no trabalho político, invertemos o ponto de partida dominante. Isso se justifica pela constatação de que, não somente como estratégia de apropriação de produtos concebidos nos mundos culturais (literatura, ciência, filosofia, religião etc.), na luta pela conquista ou manutenção de posições relativamente bem alocadas no espaço público, a produção mesma de bens culturais e o reconhecimento como “intelectual” são dimensões significativas da própria atividade política e funcionam como trunfos de distinção contundentes.
    Há uma extensa bibliografia produzida por cientistas sociais brasileiros nas últimas décadas sobre carreiras e perfis de políticos. Grosso modo, a literatura — a despeito das divergências entre os autores que adotam perspectivas mais societais, organizacionais, de caráter mais objetivista ou perspectivista — lança luzes sobre os padrões de institucionalização das organizações políticas brasileiras, as clivagens partidárias e o recrutamento do pessoal político. Para o que está em pauta nos textos que compõem esta coletânea, desejamos esclarecer a primordialidade da noção de carreira política para abarcar os desdobramentos das apostas feitas por agentes desde suas entradas na política, nos termos apresentados por Michel Offerlé (1996). Ou seja, procurando apreender as modificações nos princípios de aferição de excelência humana e sua reconversão em critérios de hierarquização política e intelectual, bem como as gramáticas que fixam complementaridades entre os domínios políticos e culturais em diferentes conjunturas.
    Nesse caso, é importante realçar pelo menos quatro eixos analíticos, construídos ao longo das pesquisas realizadas, portanto, que estão na base das reflexões subsequentemente apresentadas. O primeiro se refere à verificação de um duplo e indissociável reconhecimento conquistado por agentes que se afirmam como porta-vozes de “causas” legítimas, contando com a notoriedade como “intelectual” e de estima por sua carreira política — sinalizando para as fronteiras fluidas, os princípios amalgamados, os perfis híbridos e os trânsitos possíveis de serem operados. O segundo diz respeito às modalidades de intersecção entre domínios políticos e domínios culturais orquestradas por agentes empenhados no trabalho de politização de bens culturais e de intelectualização das lógicas e práticas de intervenção política. O terceiro concerne mais diretamente às teorizações nativas acerca de regras, papéis e definições concorrentes nos jogos políticos e culturais, e que não raro deixam perceber a construção consagradora ou detratora de “etiquetas políticas”, de eventos e personagens, de códigos de conduta etc. E o último eixo trata do trabalho simbólico de autoapresentação e de administração de identidades estratégicas, levado a cabo por agentes com mandatos para gerir os bens políticos, com certificações para participar da disputa pela prescrição de princípios de visão e divisão do mundo social e dispostos a fabricar ou gerenciar imagens de si — conforme as posições ocupadas em determinados estágios das lutas políticas e culturais nas quais se encontram envolvidos.
    Tais aspectos convergem na percepção de que, no espaço social mais amplo, o acesso a determinados conhecimentos e ao trabalho de formulação intelectual (em oposição ao mundo prático, não reflexivo, pragmático, ordinário) legitima posições de poder, sedimentando reputações distintivas em e entre diversos segmentos de grupos dominantes (jurídicos, midiáticos, religiosos, universitários etc.). Particularmente no universo político, a capacidade de uso da “palavra” escrita e oral, certificada na mobilização de recursos multifacetados que sustentam a força ilocucionária dos discursos (Bourdieu, 1996a), deve ser investigada como condição e condicionante das entradas e como trunfo contundente para a construção de carreiras políticas reconhecidas como singulares.

    Elites parlamentares e a dupla arte de representar: Intersecções entre "política" e "cultura" no Brasil

    Igor Gastal Grill e Eliana tavares dos Reis

    R$35,00

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