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  • Postado por editora em direito em 13/06/2016 - 10:14

    Exercício da advocacia e lavagem de capitais reúne textos sobre um tema cuja importância tem crescido paulatinamente nos últimos anos: a lavagem de dinheiro e o exercício da advocacia. O tema passou a ser discutido pela bibliografia especializada especialmente a partir de 2010 e, até a presente data, duas grandes tendências podem ser observadas: a ampliação do espectro das pessoas sujeitas às medidas de prevenção antilavagem e o crescimento de investigações dirigidas contra advogados por suspeita de envolvimento em operações de lavagem de capitais. Essas duas tendências são objeto da presente obra que publicamos, em parceria com a FGV Direito SP, e que será lançada dia 15 de junho, na Livraria Cultura.

    Confira parte da apresentação e em seguida as informações sobre o lançamento:

    Advocacia e lavagem de capitais: considerações sobre a conveniência da autorregulamentação:

    1. Introdução
    Os temas da lavagem de capitais e do exercício da advocacia tocam-se, principalmente, em três pontos principais: (a) a intervenção (criminosa ou não) do advogado na prática de crime de lavagem de capitais, (b) o dever de reportar operações suspeitas e sigilo profissional, e (c) o recebimento de honorários maculados. Cada um desses temas suscita questões próprias e quero aqui me limitar a alguns aspectos dos pontos “a” e “b”.

    2. Serviços legais e lavagem
    Que serviços legais podem compor processos de lavagem de capitais é um truísmo que, de tão amplamente reconhecido, levou o FATF/Gafi a incluir os legal professionals no âmbito de suas recomendações. Duas razões justificam o uso de serviços jurídicos para compor o processo de lavagem: a necessidade da participação de advogados na realização de certas operações e o acesso a ferramentas legais necessárias aos processos de ocultação e dissimulação da origem, destinação, localização, propriedade do capital criminoso.
    Não por outra razão, a União Europeia, desde a Diretiva 2005/60/CE, incluiu os advogados entre as pessoas obrigadas às medidas de prevenção contra a lavagem de capitais e financiamento do terrorismo, diretiva esta já incorporada por diversos países da EU, merecendo destaque a recente edição da Diretiva EU 2015/849, de 20 de maio de 2015, que reforça as medidas de prevenção à lavagem e tem particular impacto no setor da consultoria tributária. Nas Américas, não se tem notícia da instituição de tal obrigação, mas destacam-se Canadá e Estados Unidos da América como países que adotaram normas deontológicas ou de observância voluntária para a classe dos advogados.
    Em relatório publicado em 2013, o FATF/Gafi analisou mais de uma centena de casos nos quais serviços legais (e/ou notariais) foram utilizados em processos de lavagem de capitais,5 o que dá uma boa mostra da magnitude e da frequência de tais ocorrências.
    Em novembro de 2014, a International Bar Association (IBA), a American Bar Association (ABA) e o Council of Bars and Law Societies of Europe (CCBE) — as quais cobrem, juntas, mais de um milhão e meio de advogados — publicaram um guia para advogados detectarem e prevenirem a prática de lavagem de capitais no exercício da profissão, cujas recomendações estão assentadas no dever ético que pesa sobre tais profissionais de não darem suporte ou mesmo facilitarem qualquer atividade criminosa e nas específicas regulamentações, já adotadas em diversos países, estendendo a tais profissionais as medidas de prevenção antilavagem.
    No Brasil, sabe-se, formal ou informalmente, de dezenas de investigações e ações penais em curso envolvendo advogados e clientes em acusações de lavagem de capitais, algumas delas analisadas na segunda parte da presente obra. Em muitos casos, os advogados são investigados ou acusados em função de sua intervenção em determinadas transações financeiras, societárias ou imobiliárias.

    3. As Recomendações 22 e 23 do FATF/Gafi
    Em 2003, ao rever suas Recomendações,10 o FATF/Gafi incluiu os advogados no rol das pessoas obrigadas a adotar medidas de prevenção à lavagem de capitais e ao financiamento do terrorismo, em conformidade com as Recomendações 22 e 23. Nas notas explicativas a esta última recomendação, esclareceu que os advogados não estão obrigados a declarar as operações suspeitas, quando as informações que possuem hajam sido obtidas em situações sujeitas a segredo profissional ou cobertas por privilégio profissional estabelecido por lei,
    competindo a cada país determinar as matérias sujeitas a sigilo ou privilégio profissional. Tais áreas de proteção envolvem, normalmente, as informações recebidas dos clientes na apreciação jurídica de sua situação ou as recebidas quando os profissionais defendem ou representam o cliente em processos judiciais, administrativos, de arbitragem ou de mediação. Por fim, nos países cuja legislação obriga os advogados a reportarem operações suspeitas, o órgão prevê que tais relatórios podem ser enviados ao respectivo órgão regulador da
    profissão, o qual será, então, incumbido de cooperar com a unidade de inteligência financeira local.

    Em síntese, o órgão recomenda:
    a) a sujeição dos advogados aos deveres de diligência relativos à clientela e ao dever de conservação de documentos;
    b) somente quando prepararem ou efetuarem operações para seus clientes: b.1) na compra e venda de imóveis; b.2) na gestão de fundos, valores mobiliários ou outros ativos do cliente; b.3) na gestão de contas bancárias, de poupança ou de valores mobiliários; b.4) na organização de contribuições destinadas a criação, exploração ou gestão de sociedades; e b.5) na criação, operação e gestão de pessoas coletivas ou de entidades sem personalidade jurídica e compra e venda de entidades comerciais;
    c) a sujeição dos advogados aos deveres de estabelecimento de controles internos de prevenção à lavagem e ao financiamento do terrorismo e de comunicação de operações suspeitas, sem alertar ao cliente sobre tal fato, quando, agindo em nome ou por conta de um cliente, efetuem uma das operações indicadas no item “b” que seja suspeita da prática desses crimes;
    d) a obrigação de comunicação de operação suspeita não se aplica às informações obtidas do cliente em situações sujeitas a segredo profissional ou cobertas por privilégio profissional estabelecido por lei;
    e) cada Estado determinará o âmbito das informações sujeitas a segredo ou sigilo profissional, entendendo-se que, normalmente, neste âmbito estão alocadas as informações que os advogados recebem ou obtêm de seus clientes ao apreciarem sua situação jurídica, quando o representam ou defendem em processos judiciais, administrativos, de arbitragem ou de mediação;
    f) que os Estados estão autorizados a determinar que as comunicações de operações suspeitas sejam feitas à ordem profissional, desde que esta coopere com a unidade de inteligência financeira local;
    g) que a tentativa de dissuadir o cliente de prosseguir em atividade ilícita não constitua quebra do dever de não alertar o cliente (tipping-off).

    4. A decisão da Corte Europeia de Direitos Humanos no caso Micuad × France
    Um dos principais desafios da sujeição dos advogados ao dever de comunicar operações suspeitas é o de compatibilizá-lo com o dever de sigilo profissional inerente ao exercício da advocacia. Na União Europeia, desde a Diretiva 2005/60/CE, a matéria é regulada pelos países que compõem o bloco, e a última judicial de que se tem notícia sobre o possível conflito entre esses deveres esteve a cargo da Corte Europeia de Direitos Humanos, a qual, em 6 de dezembro de 2012, pronunciou-se sobre a internalização da regulação europeia na França, no
    caso Michaud v. France.
    Nesse caso, o requerente arguiu que a transposição, em França, da Terceira Diretiva sobre lavagem de capitais (2005/CE/EC, de 26 de outubro de 2005) colocou os advogados sob a obrigação de comunicar operações suspeitas de seus clientes, o que conflitaria com o disposto no artigo 8o da Convenção Europeia de Direitos Humanos, na medida em que a confidencialidade profissional e o privilégio advogado-cliente seriam uma decorrência do direito à privacidade da vida, da família e da correspondência, garantido em tal dispositivo convencional. A Corte não discute que, efetivamente, o artigo 8o fundamenta uma reforçada tutela do sigilo profissional da relação advogado-cliente, o que está justificado pelo fato de que aos advogados está assinado um fundamental papel em uma sociedade democrática,
    o de defender litigantes. Assim, os advogados não podem exercer essa tarefa essencial se não estão aptos a garantir àqueles que estão defendendo que suas trocas de informações permanecerão confidenciais. É a relação de confiança entre eles, essencial para o cumprimento daquela missão, que está em jogo. Indiretamente, mas necessariamente dependente disso, está o direito de todos a um processo justo, incluindo o direito das pessoas acusadas de não se incriminarem.
    Considerando que, de fato, o privilégio profissional do advogado é um dos pilares da administração da justiça em uma sociedade democrática, ponderou a Corte que não se trata, porém, de direito inviolável, podendo ser afastado por meio de lei quando houver proporcionalidade na interferência. Duas considerações levaram os magistrados a reputar proporcional a interferência no caso de comunicação de operações suspeitas de lavagem.
    De um lado, o fato de que se aplica somente ante específicas operações — bastante parecidas com as ora previstas na legislação brasileira, posto que fruto da mesma inspiração, a Recomendação do Gafi —, nas quais tomam parte advogados para e por seus clientes, ou quando os auxiliam na preparação ou execução dessas transações. Nesses casos, a obrigação de comunicação diz respeito a tarefas dos advogados que “são similares àquelas executadas por outros profissionais sujeitos à mesma obrigação, e não ao papel que eles desempenham defendendo seus clientes”. Ademais, a regulamentação nacional expressamente exclui as atividades relacionadas com os procedimentos judiciais (antes, durante ou depois do litígio), incluindo aconselhamento para iniciar ou evitar procedimentos judiciais. Daí ter concluído a Corte que “a obrigação não afeta, portanto, a essência do papel de defesa do advogado, o qual, como dito, forma a verdadeira base do privilégio legal profissional”.
    De outro, a Corte considerou relevante o fato de a legislação francesa — certamente seguindo a Recomendação do Gafi examinada no início deste trabalho — ter criado um “filtro” protegendo o privilégio profissional, qual seja, o de que as comunicações de operações suspeitas sejam enviadas ao presidente do Conselho dos Advogados do Conseil d’Etat ou da Corte de Cassação ou, ainda, ao presidente da Associação de advogados da qual for membro. Isso implica dizer que, na verdade, quando o advogado faz a comunicação a tais órgãos, não está violando o sigilo profissional. Tais órgãos, após exame da comunicação e de se certificarem de que há operação suspeita e de que a informação não foi obtida em áreas não sujeitas à lei de lavagem, é que enviarão a notícia à Unidade de Inteligência Financeira francesa (Trafcin). Por isso, concluiu a Corte: “a obrigação de advogados de comunicar operações suspeitas, tal qual praticada em França, não constitui uma interferência desproporcional no privilégio profissional dos advogados”.
    Em suma, neste caso e nos limites da arguição que lhe foi apresentada, concluiu a Corte Europeia de Direitos Humanos que o sigilo profissional é garantia de um processo justo, pilar da sociedade democrática, e que é inviolável ali onde esteja em jogo o papel de defesa do advogado. Todavia, a obrigação de comunicar operações suspeitas não constitui uma interferência desproporcional na atividade profissional dos advogados quando estes não estejam atuando na defesa (em sentido amplo) de seus clientes. (CONTINUA).

    Confira as informações sobre o lançamento da obra:

    Exercício da advocacia e lavagem de capitais

     

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