Arquivo de Janeiro 2018

  • Postado por editora em em 29/01/2018 - 13:48

    Em busca do Brasil: Edgard Roquette-Pinto e o retrato antropológico brasileiro (1905-1935), coedição das Editoras FGV e FIOCRUZ, analisa a trajetória e a obra de Roquette-Pinto enquanto antropólogo físico, com o interesse de compreender como seus estudos acerca das características físicas e psicológicas da população brasileira foram articulados para pensar a construção de um “retrato realista” sobre a formação racial do Brasil.

    Roquette-Pinto há muito deixou de ser lembrado apenas como pioneiro do rádio no Brasil, e a importância e complexidade de sua atuação multifacetada têm despertado a atenção dos estudiosos há alguns anos, embora seja um personagem ainda pouco conhecido pela historiografia.

    Considerado por seus contemporâneos como um importante protagonista no debate sobre as ideias raciais, Roquette-Pinto foi o “mestre ilustre” dos estudos antropológicos no Brasil, sendo um dos autores que teria contribuído para a maneira de conceber a miscigenação racial em termos positivos do sociólogo e ensaísta Gilberto Freyre, por exemplo.

    Para o antropólogo, orientado por uma concepção fortemente cientificista e de cunho positivista, a realidade sobre a formação do Brasil só seria conhecida de fato quando a ciência levantasse os “dados objetivos”, conseguidos através do uso de tabelas, estatísticas e equações em suas pesquisas antropológicas, sobre as condições de vida e as características gerais da população de diferentes regiões do país, fosse ela composta por negros, mulatos ou brancos, pobres ou abastados, sertanejos ou litorâneos.

    De maneira geral, o projeto intelectual lançado por Roquette-Pinto acerca dos estudos antropológicos visava também denunciar as deficiências e a falta de rigor científico na descrição da “realidade”, ou mesmo em relação à ausência de comprometimento com os interesses nacionais.

    Essa conversão à ação política e a busca por esse “realismo científico” sobre o país estava ligada à percepção de que ainda sobrevivia entre os brasileiros uma fissura que dividia o chamado “Brasil real” do “Brasil legal”, o que impossibilitava, naquela época, uma descrição mais “objetiva” da realidade nacional e a formulação de projetos capazes de intervir nos problemas vividos pelos brasileiros.

    A análise das atividades do brasiliano Roquette-Pinto como antropólogo físico, suas relações intelectuais, sua atuação na arena pública, bem como seu diálogo com a antropologia alemã e a norte-americana, são as principais contribuições desta obra para o debate historiográfico e antropológico.

    Confira um trecho da introdução da obra:

     

    "Venho das últimas gerações da monarquia. Assisti aos cinco anos às primeiras festas da República.
    Penso que o país deve um grande serviço à minha geração: foi a primeira a descrer das “fabulosas
    riquezas” do Brasil, para começar a crer nas “decisivas possibilidades do trabalho”. Recebemos a
    noção de que um moço bem nascido e bem criado não devia precisar trabalhar... Ouvimos ainda o eco
    dos eitos. Diziam-nos que nosso céu tem mais estrelas que os outros... Minha geração começou a contar
    as estrelas. E foi ver se era verdade que nos nossos bosques havia mais vida. E começou a falar claro aos
    concidadãos. Com minha geração, o Brasil deixou de ser um tema de lirismo (Roquette-Pinto, 1939).

    A epígrafe, extraída de uma entrevista concedida por Roquette-Pinto no final da década de 1930, quando já era um antropólogo e intelectual amadurecido e prestigiado entre seus pares, pode ser lida como uma estratégia para distinguir e legitimar a atuação intelectual de sua geração. Contudo, ela também acaba sintetizando o modo como os homens de ciência de início do século XX encararam a necessidade de “descobrir” o Brasil em termos mais realistas. Não à toa, a construção de “retratos”, “instantâneos” e “imagens” sobre a realidade do país tornou-se, nessa época, bastante comum entre os brasileiros, especialmente em relação à sua história, à sua geografia, à sua economia, à sua política e ao seu povo. Para Roquette-Pinto, essa busca pelo Brasil implicava, antes de tudo, na elaboração de um retrato antropológico capaz de revelar, de forma empírica e objetiva, as características raciais da população brasileira. Essa tentativa de decifrar o enigma antropológico chamado Brasil se transformaria, inclusive, em seu principal estímulo intelectual nas primeiras décadas do século XX.
    Formado em medicina, com treinamento especializado no campo da antropologia física, o retrato do Brasil delineado por Roquette-Pinto se basearia profundamente nos métodos e concepções científicas oriundas das ciências naturais. Ao contrário de boa parte dos chamados “intérpretes” do Brasil, que de maneira geral elaboravam seus trabalhos em forma de ensaios impressionistas, ou mesmo por meio da literatura, Roquette-Pinto foi um cientista preocupado com o estudo empírico, com o trabalho etnográfico e a coleta de dados, chegando mesmo a lançar mão de experimentos realizados em laboratórios. Orientado por uma concepção fortemente cientificista, de cunho positivista, seus estudos se caracterizariam pelo uso exaustivo de tabelas, dados estatísticos, equações, medidas antropométricas e outras informações coletadas por meio de suas pesquisas antropológicas com populações de diferentes regiões do país. Para esse autor, a realidade sobre a formação do Brasil só seria conhecida de fato quando a ciência levantasse os “dados objetivos” sobre as condições de vida e as características gerais de sua população, fossem eles negros, mulatos ou brancos, pobres ou abastados, sertanejos ou litorâneos.
    De maneira geral, o projeto intelectual lançado por Roquette-Pinto acerca dos estudos antropológicos visava também denunciar as deficiências e a falta de rigor científico na descrição da “realidade”, ou mesmo em relação à ausência de comprometimento com os interesses nacionais (Roquette-Pinto, 1929).
    Essa conversão à ação política e a busca por esse “realismo científico” sobre o país estava ligado, pode-se dizer, à percepção de que ainda sobrevivia entre os brasileiros uma fissura que dividia o chamado “Brasil real” do “Brasil legal”, o que impossibilitava uma descrição mais “objetiva” da realidade nacional e a formulação de projetos capazes de intervir nos problemas vividos pelos brasileiros.
    Embora seja um personagem ainda pouco conhecido pela historiografia, Roquette-Pinto foi considerado por seus contemporâneos como um importante protagonista no debate sobre as ideias raciais. Para o sociólogo e ensaísta Gilberto Freyre, por exemplo, Roquette-Pinto foi o “mestre ilustre” dos estudos antropológicos no Brasil, sendo um dos autores que teria contribuído para a sua maneira de conceber a miscigenação racial em termos positivos (Freyre, 1946 [1933], 17-18). Sua notoriedade no campo da antropologia física era atribuída tanto ao seu interesse pelo conhecimento da etnografia indígena, da vida sertaneja e da classificação dos “tipos antropológicos” brasileiros quanto da miscigenação racial, da eugenia e da imigração. Posteriormente, seu nome tornou-se mais conhecido por sua atuação na área da comunicação, da divulgação científica e da educação, devido principalmente
    às suas realizações como fundador da Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, em 1923, e à sua atuação como diretor do Instituto Nacional de Cinema Educativo, cargo que ocuparia entre 1936 e 1946. Contudo, durante as primeiras décadas do século XX, boa parte de sua produção intelectual e científica foi mesmo dedicada ao estudo da formação antropológica brasileira.
    Analisar a trajetória e a obra de Roquette-Pinto enquanto antropólogo físico é justamente o objetivo deste livro. (...) articulando a militância nacionalista de Roquette-Pinto, sua atuação pública e seu diálogo com o pensamento antropológico da época."

     

    Em busca do Brasil: Edgard Roquette-Pinto e o retrato antropológico brasileiro (1905-1935)

    Autor: Vanderlei Sebastião De Souza

  • Postado por editora em em 15/01/2018 - 13:28

    Em 2 de setembro de 2014 no Rio de Janeiro, e em 1º de outubro em São Paulo, a equipe de pesquisa do projeto Acervos Digitais do Centro de Tecnologia e Sociedade (CTS) da Fundação Getulio Vargas realizou dois workshops com participação total de mais de 50 profissionais de instituições de memória envolvidos com projetos de digitalização, do Brasil e de outros países da América Latina. Foram criados instrumentos abertos de acompanhamento e sistematização – as notas foram tomadas em pads públicos, que podiam ser atualizados por qualquer pessoa, e a sistematização foi, após envio aos participantes, publicada em uma página do projeto Wikimedia, que pode ser acessada e modificada por qualquer pessoa. Sistematizando os pontos trazidos nos workshops, percebemos que as questões problemáticas em torno da digitalização de acervos no Brasil podem ser divididas em quatro eixos: (1) tecnologia/padrões/metadados; (2) direito; (3) políticas institucionais e (4) financiamento.

    A experiência tornou evidente o quanto pode ser frutífero o diálogo entre especialistas de diferentes frentes da mesma questão. Dessa experiência surgiu a ideia deste livro, organizado por Bruna Castanheira de Freitas e Mariana Giorgette Valente, que agrega os diferentes pontos de vista deste debate.

    Memórias digitais: o estado da digitalização de acervos no Brasil, obra da Editora FGV em parceria com a FGV Direito Rio é um esforço de oferecer um panorama geral de questões de interesse a quem esteja refletindo sobre acervos digitais ou embrenhando‑se em um projeto de digitalização. Discutem‑se questões de financiamento às atividades de digitalização, de direito autoral, desafios técnicos e, ao final, três experiências de digitalização, em duas instituições nacionais e uma instituição sueca, são relatadas.

     

    Confira as conclusões do primeiro capítulo ‘Financiamento de acervos no Brasil’:

    “No Brasil, ainda existe uma grande dependência de recursos públicos para a criação, manutenção e expansão dos acervos de bibliotecas, museus e demais equipamentos de preservação e promoção do patrimônio, seja pelas leis de incentivo fiscal, pela atuação de instituições como o BNDES ou por editais de apoio direto. Se por um lado os fins constitucionais e as metas do Plano Nacional de Cultura exigem, de fato, uma postura ativa do poder público no apoio, por outro, verifica‑se um momento político‑econômico de arrocho orçamentário das contas públicas.

    Nesse contexto, há uma necessidade de diversificar, quantitativa e qualitativamente, os instrumentos de financiamento de acervos existentes no país. Isso necessariamente deve passar pela reforma e restruturação dos modelos de gestão do patrimônio hoje existentes.

    Mesmo em museus mundialmente conhecidos, como o Louvre, em Paris, o Metropolitan, em Nova York, ou o Guggenheim, em Bilbao, esse desafio existe. Tais instituições buscaram diversificar suas receitas com a criação de lojas de souvenir e restaurantes, ou mesmo de aluguel e venda de parte do acervo.

    Conforme exposto, no caso brasileiro a grande dependência aos mecanismos de incentivo fiscal torna projetos de preservação e democratização de acervos pouco atraentes para a iniciativa privada, o que dificulta sua viabilização financeira. Instrumentos como editais públicos e privados voltados para a seleção de projetos, responsáveis por aporte direto de recursos, bem como linhas de apoio do BNDES, ajudam a corrigir essa ausência de incentivos.

    Ainda existem, no entanto, muitos desafios a serem enfrentados.

    Sendo a preservação de acervos uma ação contínua, editais pontuais abarcam apenas uma parte das necessidades relativa ao setor. As estruturas existentes voltadas a um apoio continuado de acervos são, muitas vezes, insuficientes, ficando a mercê de empresas privadas a decisão de aportar ou não recursos nesses projetos. E, portanto, de fundamental importância que se criem e ampliem mecanismos regulares de preservação e difusão de acervos, abarcando o projeto não apenas em sua fase inicial, mas que levem em consideração o aspecto prolongado das necessidades envolvendo esse setor.

    A promoção e a proteção do patrimônio cultural brasileiro, por meio dos acervos, são mais que uma responsabilidade compartilhada entre o poder público e a sociedade; e uma determinação constitucional, além de um elemento essencial e indispensável ao desenvolvimento cultural do país. Como política cultural, as coleções públicas existem para preservar o patrimônio artístico nacional e permitir a fruição cultural pela população. É imprescindível, portanto, que existam as condições necessárias para que elas estejam ao alcance de todos.”

     

    Memórias digitais: o estado da digitalização de acervos no Brasil

    Organizadoras: Bruna Castanheira de Freitas e Mariana Giorgette Valente

  • Postado por editora em em 05/01/2018 - 06:45

    A Teoria da Dependência: do nacional-desenvolvimentismo ao neoliberalismo, obra de Claudia Wasserman, conta a trajetória de quatro intelectuais que começaram suas vidas profissionais juntos e se tornaram amigos. Mas qual o interesse em estudar um grupo de amigos? O que os torna interessantes para a história do Brasil, da América Latina ou da região periférica como um todo? Esses intelectuais tiveram grande importância para a criação de um aparato teórico capaz de perscrutar a realidade latino-americana. O conjunto de reflexões resultantes desse empreendimento foi denominado Teoria da Dependência e serviu de base para pesquisas sobre toda a realidade periférica. As trajetórias de Ruy Mauro Marini, Vânia Bambirra, Theotônio dos Santos e André Gunder Frank revelam as desventuras de intelectuais que nos anos 1960 discutiram a urgência da Revolução Brasileira, foram perseguidos pela ditadura militar, foram exilados e, com a anistia, retornaram ao Brasil procurando as marcas do passado.

    Confira o prólogo do livro:

    Esta pesquisa aborda a trajetória de quatro intelectuais. Três brasileiros, Theotônio dos Santos, Ruy Mauro Marini e Vânia Bambirra, e um alemão, André Gunder Frank. O objetivo do estudo foi entender a aliança formada entre eles para além da constatação de que eram um grupo de amigos que se encontrou pela primeira vez na Universidade de Brasília (UnB) e que, em seu percurso de vida, trabalho e militância política, continuou se encontrando e se reconhecendo como companheiros.

    Um desses vínculos, para além da amizade, e talvez o mais forte deles, dizia respeito ao desejo de compreender e transformar a realidade brasileira a partir de suas habilidades como cientistas sociais.

    Eles eram jovens intelectuais marxistas atuantes quando sobreveio o golpe de 1964.

    No exílio, conheceram as universidades chilena e mexicana, trabalharam com outros cientistas sociais latino-americanos e formularam conceitos, ideias e interpretações que julgavam adequados para compreender a América Latina e a periferia do sistema capitalista.

    Ao conjunto de conceitos, ideias e interpretações formulados por eles e outros cientistas sociais deu-se o nome de teoria da dependência, cuja paternidade foi disputada por outros intelectuais nos anos 1970. Eles saíram do Brasil quando a discussão mais recorrente entre os intelectuais de esquerda era a revolução brasileira, sua urgência, caráter, agentes, condições concretas e subjetivas etc.

    Quando voltaram ao Brasil, depois da anistia, encontraram um país imerso em discussões sobre a democracia e seus condicionantes econômicos, tais como ajustes recomendados pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) e Banco Mundial (BM), participaram desses debates e tiveram imensas dificuldades de reintegração nos ambientes acadêmicos e políticos.

    A pesquisa tracejou esse percurso, do Brasil nacionalista e revolucionário ao Brasil neoliberal e pré-democrático. Abordou, nesse percurso, o contexto intelectual brasileiro anterior ao golpe, os ambientes acadêmicos e políticos que as personagens desse estudo encontraram no México e no Chile e a conjuntura da redemocratização, contemplando as transformações ocorridas na universidade, nos partidos políticos e no ambiente dos intelectuais de esquerda.

    O capítulo 1 aborda o início desse percurso, desde a participação militante na Polop, o ingresso como professores na UnB, o golpe, o exílio, o ambiente acadêmico e político dos países do exílio e os diversos reveses que eles passaram entre o Chile e o México.

    Foi valorizado também o esforço dessas personagens em construir um arcabouço teórico que explicasse a dependência, o subdesenvolvimento e examinasse as possibilidades e alternativas aos povos da periferia. O capítulo 2 aborda aspectos da produção intelectual de Theotônio, Vânia, Ruy Mauro e Gunder Frank, com ênfase para os temas do capitalismo dependente, do socialismo e do latino-americanismo. A análise da enorme quantidade de livros e artigos escrita por esses quatro autores seria impossível neste espaço e nem era o objetivo deste estudo. Privilegiaram, nestes três aspectos mencionados, os elementos que deram origem e que fortaleceram os vínculos do grupo, bem como as críticas dirigidas às suas narrativas, que produziram as polêmicas do grupo com intelectuais do mainstream e também ajudaram na sua distinção.

    Finalmente, a pesquisa adentrou os anos 1980, quando Theotônio, Vânia e Ruy Mauro voltaram ao Brasil. No capítulo 3, o estudo apreciou especialmente a necessidade de acomodação dos exilados à nova realidade, o que chamamos de aggiornamento, que vem acompanhado da estranheza e das ilusões acalentadas durante os anos do exílio. Os memoriais acadêmicos produzidos pelas nossas personagens para retomar suas atividades nas universidades brasileiras foram as fontes preferenciais deste último capítulo. Mesmo reconhecendo a limitação dessa fonte, foi possível perceber os sentimentos envolvidos nessa tentativa de retomar a vida profissional, pessoal e como cidadão.

    Porém, vítimas da chamada “redemocratização sem sobressaltos” e da “higienização da intelectualidade” de esquerda nos anos 1980, os autores da teoria da dependência sofreram com o ostracismo as consequências de terem mantido uma posição política e teórica radical. No início do século XXI, seus projetos e diagnósticos começaram a ser reabilitados. Atualmente, a partir dessa recuperação, é possível, inclusive, compreender os seus equívocos e fazer a crítica da sua produção científica, que poderá ser retomada e servir de ponto de partida para novos projetos para o Brasil e para a América Latina.

     

    A teoria da dependência: do nacional-desenvolvimentismo ao neoliberalismo