Bernardo Cabral

  • Postado por editora em Atualidades, Entrevistas em 30/10/2015 - 09:16

    Após cinco presidentes militares, o fim da ditadura trouxe um novo presidente civil à frente do governo do Brasil.

    A instalação da Assembleia Constituinte, em 1987, foi o primeiro passo para o país de desvincular do autoritarismo vigente até então e a promulgação da nova Carta, em 5 de outubro de 1988, afirma a conquista de direitos até então inexistentes na sociedade brasileira.

    Bernardo Cabral, um dos atores fundamentais da ordem democrática de 1988 — revela fatos desconhecidos e surpreendentes sobre a resistência à ditadura militar, o papel da OAB na sociedade civil emergente, o processo constituinte, a experiência do governo Collor e as reformas constitucionais, na obra Bernardo Cabral - um jurista-político.

    Composto por depoimento do ex-senador ao cientista político Júlio Aurélio Vianna Lopes, o livro republica, ainda, texto editado pela própria Assembleia Constituinte de 1987-88 no qual, conforme a longa tradição dos juristas-políticos no país, constam as várias polêmicas institucionais sobre o advento da atual Magna Carta.

    Conversamos com o próprio Excelentíssimo Senhor Bernardo Cabral que, muito gentilmente, respondeu a três perguntas para o nosso blog. Confira:

     

    1) Quais foram as principais diferenças nos processos de elaboração da Constituição de 1988, da qual o senhor foi relator, com relação à Carta de 1946?

    A primeira diferença não só em relação à Carta de 1946, mas em todas as oriundas de Assembleias Constituintes, é não ter sido a de 1988 baseada em Esboço prévio. Além dessa circunstância, um fato inédito: - as Emendas Populares, com mais de 1 milhão de assinaturas, das quais 83 tiveram as suas propostas admitidas. Cito apenas algumas, a título exemplificativo e não exaustivo: Juizado de Instrução; Sistema Único de Saúde; Direito dos Consumidores; Direito dos Idosos; Iniciativa popular das leis e Aposentadoria das Donas de Casa.

    Ademais – como simples referência histórica – a Relatoria Geral foi exercitada com a colaboração de um advogado militante e de sua recente presidência na Ordem dos Advogados do Brasil (Gestão 1981/1983).

     

    2) Quais as conquistas mais importantes e as perdas mais significativas para a sociedade brasileira no texto final da constituinte?

    As conquistas são muitas e da maior importância. Cito algumas para comprovar que a Carta de 1988 soterrou a época do obscurantismo e firmou os seguintes comandos constitucionais: a expressa consagração do respeito aos direitos humanos como princípio fundamental; o alargamento das garantias fundamentais, com ênfase para o “habeas data”; o mandato de injunção; a garantia do devido processo legal, etc.; os poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, conferido às Comissões Parlamentares de Inquérito; o capítulo absolutamente inovador e exemplar da ciência e tecnologia; o combate sem trégua à corrupção, através do fortalecimento do Ministério Público; a liberdade de expressão; a liberdade de comunicação; o acesso à informação; o sigilo da fonte; o fim da censura.

    As perdas mais significativas, a meu juízo, foram as seguintes:

    a)     um instrumento mais eficaz na desapropriação para fins de reforma agrária, porque a sua disciplinação, a nível constitucional – contrariando o que defendiam o Relator Geral e os Relatores Adjuntos – representou um retrocesso em face do que dispunha o Estatuto da Terra, aprovado no decorrer dos chamados governos autoritários.

    b)    não se conseguiu aprovar a reforma do sistema eleitoral, com vista ao seu aperfeiçoamento, seja pela adoção do voto distrital misto, seja pelo financiamento público dos institutos da fidelidade partidária e do domicílio eleitoral, tudo em busca de maior autenticidade e maior legitimidade para a representação partidária.

    c)     a opção pelo sistema presidencialista de governo ao derrotar no Plenário o sistema parlamentarista aprovado na Comissão de Sistematização. E esse erro histórico foi cometido pela vaidade de uns, pela falta de perspectiva de outros e pela ambição de muitos, acabando por ser confirmada na Revisão Constitucional de 1993. Isso porque, apesar das minhas advertências, os defensores do presidencialismo mantiveram o Instituto da Medida Provisória, que só pode coexistir com o parlamentarismo. E o resultado funesto foi a transformação do Presidente da República no papel de usurpador das funções do Congresso Nacional.

     

    3)  Passados 27 anos, celebrados neste outubro de 2015, a nossa Carta Magna ainda é eficaz e conveniente para a realidade atual do Brasil?

    Sim, porque os direitos e garantias individuais têm sido cumpridos e, sem ela, o Brasil não estaria hoje respirando o ar saudável das liberdades públicas e civis, enfim restauradas, já que a longa era do autoritarismo e a e a prolongada fase de transição que lhe sucederam, cederam lugar ao selo que as qualifica como etapas históricas superadas para a formação de nossa sociedade. Vale ressaltar: nestes 27 anos, celebrados no começo deste outubro de 2015, a nossa Carta Magna comprovou que está soterrada a época do obscurantismo e firmada a liberdade de expressão, a liberdade de comunicação, o acesso à informação, o sigilo da fonte, o fim da censura, dentre tantos mandamentos constitucionais do mais alto valor significativo, conforme mencionados na resposta à 2ª pergunta.

     


    Bernardo Cabral, um jurista-político

    Depoimentos concedidos ao pesquisar Júlio Aurélio Vianna Lopes

     

  • Postado por editora em Atualidades, Destaques, Eventos em 01/10/2015 - 11:52

    Como uma Assembleia de representantes políticos provenientes, em sua maioria, dos quadros políticos do regime autoritário foi a responsável pela geração de uma Carta Magna democrática e como a mesma Assembleia, tão politicamente fragmentada (inclusive na dimensão ideológica), pôde assentar consensos suficientes para formular a nova Constituição foram os pontos de partida da pesquisa do sociólogo Júlio Aurélio Vianna Lopes sobre a elaboração da atual Constituição brasileira.

    A obra Bernardo Cabral: um jurista-político - Depoimentos concedidos ao pesquisador Júlio Aurélio Vianna Lopes apresenta a trajetória de um dos atores fundamentais da ordem democrática de 1988 e revela fatos desconhecidos e surpreendentes sobre a resistência à ditadura militar, o papel da OAB na sociedade civil emergente, o processo constituinte, a experiência do governo Collor e as reformas constitucionais.

    Além da transcrição em duas partes dos depoimentos do único remanescente da sistematização do processo constituinte, que contou com as participações efetivas de Ulysses Guimarães, Mario Covas e Afonso Arinos, o livro republica, ainda, texto editado pela própria Assembleia Constituinte de 1987-88 no qual, conforme a longa tradição dos juristas-políticos no país, constam as várias polêmicas institucionais sobre o advento da atual Magna Carta, bem como o discurso de despedida do Senado Federal e a sabatina de Bernardo Cabral no conselho técnico da Confederação Nacional do Comércio quando dos 25 anos da Constituição de 1988.

    Confira abaixo um trecho da introdução do pesquisador Júlio Aurélio Vianna Lopes, que colheu os depoimentos que integram a obra

    "No depoimento de Bernardo Cabral, colhido para este livro, sobressaem dois aspectos de seu papel político para o assentamento da atual ordem constitucional:
    • o exercício da relatoria por um “jurista-político”, portanto, com determinadas características (Werneck Vianna, 1986);
    • o perfil conciliador exigido pela fragmentação característica da dinâmica constituinte.
    A condição de “jurista-político”, apresentada por muitos políticos brasileiros (inclusive o próprio Rui Barbosa), desde o Império, advém da própria instituição das primeiras faculdades de direito no Brasil: o imperador as fundara para formar as elites políticas imperiais, o que, mesmo após a proclamação da República, forjou uma tradição bacharelesca na política brasileira, tornando o bacharelado em direito um costume efetivo no desempenho de relevantes cargos públicos — o que, ainda hoje, se verifica na forte presença de bacharéis em funções públicas (parlamentares ou não) e no acesso em geral aos postos da administração pública."

     

     

     

    Bernardo Cabral: um jurista-político

    (Depoimentos concedidos ao pesquisador Júlio Aurélio Vianna Lopes)

     

    Editora FGV

    Impresso: R$39

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