A história do presente

A Comissão da Verdade e a Lei de Acesso a Informações Públicas estão na pauta do dia: jornais, revistas, TV e internet discutem a decisão de apurar crimes contra os diretos humanos. Fizemos 3 perguntas para a historiadora e diretora da Editora FGV Marieta de Moraes Ferreira, que publicou, no recém-lançado Tempo presente & usos do passado, um artigo comentando os desafios do historiador diante da abertura dessa caixa-preta. Confira:

1. Para o historiador, o que muda com a instituição da Comissão Nacional da Verdade e a Lei de Acesso a Informações Públicas?

O historiador do tempo presente lida com a memória viva dos seus contemporâneos e está exposto, por conta disso, a uma pressão social e política inegável. Por exemplo: grupos que viveram eventos traumáticos (como o Holocausto, o governo de Vichy, na França, e as ditaduras na América Latina) pressionam os historiadores no sentido de referendar seu ponto de vista. Demandam uma instrumentalização social da memória ainda não arrefecida, de um passado que havia se transformado em história de forma incompleta.

Com a divulgação inédita de documentos ultrassecretos, temas ainda não explorados vão surgir, e nada pode ser mais estimulante para um historiador. Porém, é preciso refletir criticamente sobre o envolvimento desses profissionais nessa nova empreitada. A Associação Nacional dos professores de História (Anpuh) entende que a entidade deve, sim, participar diretamente do debate, inclusive indicando alguns de seus associados para integrar a Comissão da Verdade, que vai revisitar e recontar fatos controversos ocorridos durante a ditadura. Por outro lado, outros profissionais de história enxergam um conflito – teórico, metodológico e ético – entre essa participação e o ofício do historiador, que seria colocado como uma espécie de juiz do passado.

1. Quais são as maiores dificuldades de produzir uma história do presente?

O período histórico em questão é definido por balizas móveis. Qual deve ser o marco inicial da história de um tempo presente? Para uns, a última grande ruptura; para outros, a época em que vivemos e de que temos lembranças, ou cujas testemunhas ainda Prisioneiros de Auschwitzsão vivas; ou ainda, para citar Hobsbawm, o tempo presente é o período durante o qual se produzem eventos que pressionam o historiador a rever a significação que ele dá ao passado. Acrescente-se ainda o fato de o historiador, nesse caso, ser também testemunho e ator de seu tempo. Ele pode, por exemplo, supervalorizar determinados eventos do presente, por não ter um certo recuo, uma distância crítica.

Essa peculiaridade, no entanto, não é necessariamente negativa: o novo lugar do  historiador / observador / personagem pode oferecer novos pontos de vista, outras formas de considerar períodos da história, favorecendo novas abordagens. A singularidade do objeto deve nos alertar sobre a necessidade de buscar métodos específicos para temáticas específicas.

O historiador do tempo presente lida com a memória viva dos seus contemporâneos. Grupos que viveram eventos traumáticos, como o Holocausto e as ditaduras na América Latina, pressionam os historiadores a referendar seu ponto de vista. Demandam uma instrumentalização social da memória ainda não arrefecida, de um passado que havia se transformado em história de forma incompleta"

3. Quando o estudo da história, tradicionalmente dedicado ao passado, passou a voltar seus olhos também ao presente?

O século 20 foi especialmente turbulento. As grandes guerras, a Revolução Soviética, as reorganizações da ordem global mudaram radicalmente a forma de compreender o tempo. Passou a haver uma demanda social crescente pelo conhecimento da história recente, e os historiadores confrontaram-se com a necessidade de refletir sobre o momento vivido e os possíveis cenários resultantes. Assim, especialmente depois da II Guerra expressões como histoire du temps présent, contemporary history e Zeitgeschichte foram incorporadas ao vocabulário do historiador.

 

 

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Este conteúdo foi postado em 03/10/2012 - 18:03 categorizado como: Atualidades, Entrevistas. Você pode deixar um comentário abaixo.

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