A democracia no Brasil e seus entraves

O americano Barry Ames, autor da obra Os entraves da democracia no Brasil - que publicamos em 2003, afirma que "o sistema político brasileiro não só favorece a corrupção, mas depende dela para seu funcionamento".

Diante dos entraves atuais, mesmo passados treze anos desta edição, a obra apresenta-se completamente atual e de grande importância para um melhor entedimento da atual crise política brasileira.

Disponível, agora, em ebook.

 

Confira um trecho da introdução da obra:

"Imaginemos o seguinte enigma: um país formalmente democrático enfrenta durante anos crises de inflação, desperdício e corrupção no governo, déficits no sistema previdenciário, serviços sociais de má qualidade, violência e desigualdade social. Parcelas importantes da população apoiam os projetos destinados a combater essas crises. No Congresso, poucos parlamentares se opõem às propostas por razões programáticas ou por pressão do eleitorado. E, apesar disso, os projetos raramente saem incólumes do processo legislativo. Muitos, sem qualquer chance de aprovação, jamais chegam às portas do Congresso. Outros morrem nas comissões. Alguns acabam sendo aprovados, mas a demora na decisão e concessões de substância minam seu impacto.
Raramente o Executivo pode evitar o alto preço a pagar, em benefícios clientelistas e patronagem, para obter apoio parlamentar.
Esse enigma tem caracterizado nos últimos 15 anos o governo e a atividade política no Brasil, a maior democracia da América Latina. Não é raro descrever o Brasil como um país em que a governabilidade é um problema permanente.
Governabilidade é um desses temas candentes, cujo sentido é difícil de determinar, mas ele contém em sua essência dois processos políticos. O primeiro diz respeito à eficiência dos poderes Legislativo e Executivo de um país na elaboração de programas e políticas públicas; o segundo relaciona-se com a capacidade do governo para levar a cabo esses programas. Este livro trata da elaboração de políticas como aspecto da governabilidade no Brasil. Mais especificamente, examina as relações entre as instituições políticas nacionais, sobretudo as regras e práticas da política eleitoral e parlamentar, e a probabilidade de que o governo federal adote novos programas e ações. Embora a análise empírica se concentre nos últimos 15 anos da vida política brasileira, incluindo o período final do regime militar, as teorias e explicações que a sustentam provêm da literatura mais geral da ciência política contemporânea, e os resultados da investigação têm implicações tanto para os países em desenvolvimento quanto para os desenvolvidos.
Para se ter uma compreensão mais concreta da crise de governabilidade no Brasil, basta pensar na gestão presidencial mais recente. Quando Fernando Henrique Cardoso tomou posse como presidente da República, no início de 1995, as perspectivas de seu governo pareciam extremamente promissoras. O novo presidente contava com os louros de ser o criador do Plano Real, programa responsável pela estabilização da economia e por tirar da pobreza milhões de brasileiros. Os cinco partidos que apoiaram a candidatura de Fernando Henrique (alguns somente no segundo turno) somavam mais de 400 deputados, número suficiente para garantir a aprovação da legislação ordinária e até de emendas constitucionais. A oposição de esquerda estava completamente desorganizada, desmoralizada e sem um projeto alternativo digno de crédito. Além disso, o presidente não era um homem de poucos méritos: com efeito, um conceituado historiador estrangeiro declarou que Fernando Henrique Cardoso “podia ser considerado o chefe de Estado intelectualmente mais preparado da atualidade” (Anderson, 1994:3). Com um começo tão auspicioso, e tão incomum, supunhase que os planos de governo de Fernando Henrique passassem com facilidade pelo Congresso e que o país poderia então dar início ao combate aos principais problemas nacionais: a pesada e onerosa máquina do Estado, a economia
ineficiente e a pobreza generalizada.
Seis anos depois da posse, o governo de Fernando Henrique fez jus aos seus inebriantes prognósticos? Êxitos houve, sem dúvida, especialmente na área econômica. A abertura da economia, dando continuidade ao que seu antecessor, Fernando Collor de Mello, havia começado, avançou rapidamente; setores importantes foram abertos ao investimento estrangeiro, grandes empresas estatais foram privatizadas e o comércio exterior foi liberalizado (Kingstone, 1999). Em outras áreas, porém, o progresso foi lento e desigual. O Congresso aprovou uma emenda constitucional permitindo a reeleição do presidente da República e de governadores e prefeitos, mas a emenda só passou depois que o Executivo fez farta e generosa distribuição de cargos e benefícios para as clientelas eleitorais de um número expressivo de deputados. Além disso, denúncias de compra de votos insinuavam que alguns governadores haviam literalmente subornado deputados para que votassem a favor da emenda da reeleição em troca do controle sobre nomeações para importantes cargos executivos nos seus estados (Kramer, 1997). Em fins de 1998, as reformas administrativa e previdenciária foram aprovadas, depois de se arrastarem por muito tempo no Congresso, e só passaram depois de substanciais concessões do governo. A reforma tributária, há muito considerada uma medida de capital importância para a modernização da economia, desaparecera da agenda do Executivo. O lento progresso das reformas previdenciária e administrativa, aliado à ausência de qualquer coisa parecida com uma nova política tributária, teve conseqüências concretas. Com a fuga em massa de capitais estrangeiros, desencadeada pela crise asiática do final do verão de 1998, banqueiros e investidores estrangeiros aproveitaram-se desses fracassos para justificar suas preocupações com o programa econômico brasileiro, e os efeitos da retração dos investimentos externos sobre o déficit do setor público obrigaram o governo a adotar medidas de estabilização ainda mais duras e recessivas.
A dificuldade de Fernando Henrique para acelerar a tramitação no Congresso de seu programa de governo não pode ser atribuída nem à falta de sólido apoio da opinião pública nem aos princípios programáticos da oposição.
Em todas essas áreas de ação (com a possível exceção da emenda da reeleição), maiorias expressivas da população apoiavam as reformas de Fernando Henrique. E, como afirmou o cientista político Bolívar Lamounier, não havia nenhuma proposta alternativa competindo pelo apoio do Congresso (“Soltando as amarras”, 1997).
Se Fernando Henrique, que começara com trunfos tão favoráveis, teve todos esses problemas para fazer avançar sua agenda legislativa, imagine-se o que teria de enfrentar um presidente mais “normal”! No Brasil, o Poder Executivo muitas vezes não conta sequer com maiorias parlamentares nominais e depende de deputados que só se preocupam com sua própria sorte, com benefícios paroquiais de retorno eleitoral garantido ou em defender interesses estreitos. Além de tudo isso, os presidentes lidam com públicos extremamente insatisfeitos com o desempenho do governo em todas as esferas.
Os últimos 15 anos da política brasileira, somados à experiência pluralista do período 1946-64, mostram que as instituições políticas do país criam uma permanente crise de governabilidade, de efeitos devastadores em épocas normais e capaz de debilitar até mesmo presidentes como Fernando Henrique Cardoso, que parecia ter nas mãos todos os trunfos. A observação dessa experiência me levou a concluir que o problema das instituições políticas brasileiras é que elas funcionam mal." (Continua)

 

Os entraves da democracia no Brasil

Barry Ames

Ebook | R$45

Este conteúdo foi postado em 30/05/2016 - 12:02 categorizado como: sem categorias. Você pode deixar um comentário abaixo.

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